TEL AVIV – Enquanto Israel luta contra a pandemia de coronavírus, que paralisa a vida e a economia nacional, e encara a quarta eleição geral em dois anos, que vai acontecer em 23 de março, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu enfrenta uma batalha à parte (ou não tão à parte assim): três acusações por corrupção que podem levá-lo do topo da política nacional para uma cela de cadeia. Após meses de adiamentos, seu julgamento – em conjunto com o de outros réus – foi retomado na segunda-feira (8 de fevereiro) em meio a mais um show midiático misturado com campanha eleitoral.
No ano passado, Netanyahu compareceu pela primeira vez ao tribunal e ensaiou uma cena polêmica. Ladeado por seus ministros, todos com máscaras, ele fez um discurso inflamado contra o Judiciário dentro da própria corte. Foi muito criticado. Desta vez, ele decidiu ensaiar uma cena diferente. Se sentou sozinho num canto, de costas. Sem ministros, sem discursos. Mas a mensagem foi a mesma: a de que ele estaria sendo perseguido pela Justiça, acionada por inimigos políticos.
Tenho certeza quando digo que o país inteiro está confuso quanto a esse julgamento. Como ele vai acontecer? Quanto tempo vai durar? Ninguém sabe. Mas a pergunta principal, o elefante no cômodo que todos sabem estar lá, é: será que Netanyahu pode continuar a atuar como premiê enquanto enfrenta o tribunal? Terá ele tempo para se defender e, ao mesmo tempo, cumprir todos os compromissos de um primeiro-ministro em meio à pandemia do coronavírus, à crise econômica derivada da pandemia, aos conflitos internos e externos e etc?
O advogado Amnon Reichman, professor do Centro Minerva para o Estudo do Estado de Direito em Condições Extremas, da Universidade de Haifa, acredita que essa pergunta é fundamental. Na entrevista abaixo, ele explica as implicações do julgamento.
IBI: O que aconteceu nesta aparição do Netanyahu no tribunal?
Reichman: Legalmente falando, de acordo com o processo penal de qualquer jurisdição, os réus devem primeiro responder se são culpados ou não. Foi justamente o que aconteceu. Neste caso particular, todos os réus, incluindo o primeiro-ministro, se levantaram e disseram que nada têm a acrescentar à declaração escrita apresentada pelos advogados, que é o jargão jurídico para dizer que se declaram inocentes. Se os réus tivessem dito algo diferente, o que seria surpreendente, teriam alterado completamente o curso do julgamento. Isso não aconteceu.
IBI: Qual é o próximo passo do processo?
Reichman: Agora passamos para a fase de evidências. O tribunal ouvirá evidências diretas, primeiro as testemunhas da acusação e, em seguida, da defesa. Mas antes disso, os advogados de Netanyahu estão tentando um subterfúgio ainda neste estágio preliminar. Eles argumentam que há um “defeito” no caso da acusação porque, segundo a lei israelense, o procurador-geral precisa aprovar qualquer investigação contra o primeiro-ministro. Todos concordam que o procurador-geral Avichai Mandelblit realmente aprovou e concedeu a permissão. No entanto, a defesa argumenta que tal decisão do procurador-geral deveria ter sido feita por escrito, o que não aconteceu. Ele aprovou durante uma sessão, falando. Na verdade, ao meu entender, a lei diz que o procurador deve conceder permissão, mas não especifica como. Portanto, é uma questão de interpretação. Você pode dizer que é melhor se for por escrito, mas que não é um requisito obrigatório.
IBI: Se esse subterfúgio não passar, quando começará a parte das testemunhas? Antes das eleições de 23 de março?
Reichman: Pois é, o tribunal ainda precisa definir o calendário dessa fase processual e agendar as audiências probatórias. Politicamente falando, isso é significativo porque estamos no meio de uma campanha eleitoral e, portanto, a questão é se as audiências serão agendadas antes das eleições ou logo após a votação. Houve uma declaração bastante rara, incomum e até certo ponto problemática do orador do Knesset, Yariv Levin, que é advogado e pertence ao partido Likud (de Netanyahu). Ele solicitou que o tribunal não agendasse as audiências durante a campanha eleitoral. Isso é raro porque geralmente não é papel do Knesset, nem do orador do Knesset.
IBI: Como pode ser o calendário da fase das provas? Seria um julgamento diário ou que se estenderia por meses?
Reichman: Justamente, o tribunal terá que decidir a frequência das audiências. De acordo com a lei, tecnicamente, elas têm que acontecer em dias consecutivos, diariamente. Mas isso nunca é observado em Israel. Então, os juízes podem decidir que o caso será ouvido dois, três ou quatro dias por semana. Isso faz uma grande diferença.
IBI: Por quê?
Reichman: Na medida em que o tribunal agende audiências relativamente condensadas, digamos três audiências por semana ou algo assim, então haverá uma dúvida se, sob a lei israelense, o primeiro-ministro é capaz ou não de cumprir seu dever. Chamamos isso de “nivtzarut”, algo como afastamento temporário. Isso acontece quando a pessoa é incapaz de cumprir seu dever oficial. A questão é: você pode, se tiver que estar três dias no tribunal, ser primeiro-ministro ao mesmo tempo? O tribunal pode dizer ao primeiro-ministro: “você não precisa estar presente em todas as audiências”. Ou pode dizer: “você é como qualquer outro réu, esperamos que esteja no tribunal o tempo todo”.
IBI: O que o senhor acha?
Reichman: Eu penso que o primeiro-ministro enfrentará um desafio legal sobre sua capacidade de desempenhar suas funções como primeiro-ministro. E isso deve acontecer em breve.
IBI: Se ele tiver que declarar incapacidade temporária, quem assume como primeiro-ministro?
Reichman: Segundo a lei israelense, existe uma pessoa: Benny Gantz (partido Azul e Branco). Atualmente, temos dois primeiros-ministros, o primeiro-ministro de fato, Netanyahu, e o primeiro-ministro alternativo, Gantz. Isso foi decidido no acordo de coalizão entre o Likud e o Azul e Branco.
IBI: Quanto tempo pode durar o julgamento?
Reichman: Pode durar meses. Depende da frequência do agendamento. Existem três indiciamentos distintos, os casos 4000, 2000 e 1000. O 4000, que é um caso intrincado, será o primeiro. Pelo que sei, há 300 testemunhas para serem ouvidas, só do lado da acusação. Sem contar a defesa.
IBI: Se Netanyahu não tiver que se afastar durante o julgamento, ele só poderá ser impedido de ocupar o cargo se for condenado, certo?
Reichman: Sim. Depois de o tribunal emitir uma decisão, certamente haverá recursos. Só depois de esgotados todos os recursos e se houver condenação, o réu, no caso Netanyahu, será impedido de exercer o cargo de primeiro-ministro. Quer dizer, ainda há muito caminho a ser percorrido.