TEL AVIV – Em seu discurso na reunião de gabinete do governo palestino, em 18 de janeiro de 2021, o primeiro-ministro palestino, Mohammad Shtayyeh, desfilou um rosário de reclamações em relação a Israel. Condenou, por exemplo, a construção de 760 novas casas em assentamentos israelenses na Cisjordânia, anúncio recente do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Queixou-se de ataques de colonos contra palestinos. E exigiu que Israel aceite que palestinos moradores de Jerusalém Oriental possam votar nas eleições gerais recém-convocadas pelo presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmoud Abbas.
Shtayyeh também falou muito sobre a pandemia de Covid-19. Agradeceu ao povo palestino pela cooperação em manter as orientações de distanciamento social e prometeu: as vacinas estão a caminho. Deu até um preço e um número: a AP pagará US$ 10 milhões por 2 milhões de doses. Ah, ele também lembrou que Israel determinou a vacinação de presos palestinos em seu território “após pressão da comunidade internacional”.
Que assunto falta nos dois parágrafos acima? Falta algo que tem sido publicado ostensivamente na imprensa europeia e americana e, claro, em jornais do Brasil: que Israel estaria “negando a vacina contra a Covid-19” aos palestinos. Por algum motivo, talvez esotérico, o premiê palestino nem tocou nesse assunto, que ocupa páginas de jornal e tempo de TVs e rádios desde que o jornal britânico The Guardian publicou, em 3 de janeiro, a matéria “Palestinos excluídos da vacinação de Covid israelense enquanto as doses vão para os colonos”.
Será que Mohammad Shtayyeh esqueceu, em seu discurso no gabinete palestino, de reclamar de como os israelenses estão vacinando sua população, incluindo colonos, mas “negando” a vacina aos palestinos? Por que um assunto assim tão crucial ficou de fora?
A resposta é clara: Shtayyeh não reclamou de Israel porque nunca pediu ou esperou que Israel enviasse vacina à AP (que governa a Cisjordânia). Mesmo assim, a Anistia Internacional foi na esteira do The Guardian e divulgou nota – três dias depois da matéria original – exigindo que Israel parasse “de ignorar suas obrigações internacionais enquanto força ocupante”, assegurando imediatamente “que as vacinas de Covid-19 sejam fornecidas igualmente aos palestinos da Cisjordânia e na Faixa de Gaza”.
Mesmo depois de tudo isso, nada se ouviu do presidente palestino Mahmoud Abbas ou do premiê Mohammad Shtayyeh sobre o assunto. Nenhum dos dois deu entrevista, saiu em campanha mundial ou escreveu artigo para a imprensa exigindo a vacinação israelense. Nem o Hamas entrou na dança e reclamou! Ah, para não dizer que não houve nada, a chancelaria palestina emitiu um comunicado vago repetindo a matéria do The Guardian. E só.
Em Israel, o primeiro a perceber essa dissonância foi o jornalista árabe-israelense Khaled Abu Toameh, articulista do Jerusalem Post e uma das pessoas com mais fontes e contatos com os palestinos. Logo depois da primeira onda de críticas a Israel por não dar a vacina a todos os palestinos (incluindo os de Gaza, de onde Israel já se retirou há 15 anos), ele escreveu um texto afirmando que os palestinos não têm interesse algum em receber a vacina de Israel. Mas, nem ele imaginava como a exigência – mesmo à revelia do próprio governo palestino – encontraria eco no mundo.
Ao meu ver, estava claro que Israel seria alvo de críticas ao anunciar aos quatro ventos seu sucesso na vacinação em massa (o país com mais população vacinada até agora, com cerca de 25%). Quem não gosta de Israel (e não estou me referindo aos legítimos críticos ao governo atual, de Netanyahu) certamente encontraria algum ângulo para transformar esse sucesso em algo menos nobre. Khaled Abu Toameh, na entrevista abaixo, diz que tem muita gente fazendo “uso cínico da pandemia” para atacar Israel.
(E isso independentemente do que rege a Lei Internacional. Claro que tem juristas que juram que Israel tem obrigação de vacinar os palestinos pela Convenção de Genebra. Mas há os que garantem que não: em 1995, a Autoridade Nacional Palestina (AP) foi criada pelos Acordos de Oslo 2 e, com ela o Ministério da Saúde palestino, que se tornou único responsável pela saúde pública dos palestinos – com exceção dos 300 mil palestinos de Jerusalém Oriental, que têm cobertura médica em Israel. Tudo fica ainda mais complicado com o adendo de que os palestinos de Gaza estão sob controle do grupo islâmico Hamas, que não se curva nem à AP e muito menos a Israel.)
IBI: Os palestinos pediram oficialmente a vacina a Israel?
KHALED ABU TOAMEH: Eu não soube nenhum pedido oficial da AP. Muito menos do Hamas. O que eu soube é que alguns palestinos próximos ao presidente Mahmoud Abbas contataram Israel por canais não oficiais e pediram apenas algumas doses, não muitas. A questão é: para quem pediram? E sei, mas não tenho como provar.
IBI: Israel repassou para eles?
KHALED ABU TOAMEH: Sim.
IBI: Se os palestinos não pediram oficialmente a Israel as vacinas, o que você acha dessa campanha mundial garantindo que Israel é “obrigado” a vacinar os palestinos?
KHALED ABU TOAMEH: Me mostra um artigo de um jornal palestino reclamando que Israel não dá vacinas. Não existe! Vou dizer o que eu acho que aconteceu. Os palestinos dizem: “Somos um Estado independente, temos nosso próprio sistema de saúde, somos responsáveis por nós mesmos”. Na questão do coronavírus, disseram que não queriam intervenção alguma de Israel e que poderiam obter as vacinas sozinhos. Mas aí começaram a ter dificuldade de conseguir as vacinas e, ao mesmo tempo, viram que, no mundo, ONGs de direitos humanos começaram a atacar Israel. Então, alguns membros da AP, não todos, aderiram a esta crítica. Pensa bem: é desagradável que o The Guardian e outros jornais do mundo falem isso e eles não corroborem, né?
IBI: A chancelaria palestina emitiu um comunicado dizendo que Israel, como ocupante, seria responsável por comprar e distribuir as vacinas aos palestinos.
KHALED ABU TOAMEH: Sim, exatamente. A AP surfou nessa onda das críticas porque quer, na verdade, buscar bodes expiatórios para sua falha em conseguir as vacinas. Eles pensaram que iriam receber como uma doação de países do mundo porque acham que o mundo está em dívida com eles. Então, não fizeram um grande esforço, no início, para obter as vacinas. Não queriam pagar por elas.
IBI: Se os palestinos nem pediram a vacina, por que tanta crítica no mundo?
KHALED ABU TOAMEH: É um ataque clássico a Israel, com exploração cínica dos palestinos. Por que não vemos ONGs exigindo que o governo turco, que está ocupando parte da Síria, vacine os sírios? Não há dúvida de que é bom para Israel que os palestinos se tornem imunes à Covid, mas isso cabe a eles.
IBI: O que Abu Mazen (Mahmoud Abbas) diz sobre tudo isso?
KHALED ABU TOAMEH: Nada. Falo todos os dias com pessoas por lá. Um membro do Comitê Executivo da OLP, muito próximo ao Abu Mazen, me disse: “Nunca pedimos vacinas a Israel”. Muita gente anti-Israel está procurando uma forma de desacreditar Israel dizendo que o país “não dá a vacina aos palestinos que estão sob seu controle”. Eles sabem que pouca gente no mundo entende que os palestinos têm um governo próprio, têm um presidente e têm um sistema de saúde próprio que, aliás, não é nem um pouco ruim.
IBI: Se Israel fornecesse as vacinas, os palestinos aceitariam?
KHALED ABU TOAMEH: Não creio. Seria uma humilhação. Seria reconhecer o fracasso. A verdade é que, mesmo quando as vacinas chegarem, muitos palestinos não vão tomar porque não acreditam nas vacinas.
IBI: Talvez Israel devesse fornecer as vacinas, mesmo assim. Já começou, por exemplo, a vacinar presos palestinos.
KHALED ABU TOAMEH: Os presos estão realmente sob a responsabilidade de Israel. Essa é a coisa certa a fazer. Mas e os palestinos da Cisjordânia? Será que Israel deve enviar soldados a vilarejos palestinos para vacinar os idosos? As pessoas, no mundo, não sabem o quão complexa é a situação por aqui. Pensam que há soldados israelenses circulando pelas ruas de Gaza e de Ramallah. Que Israel ainda é responsável por tudo. Não é verdade.
IBI: Esperamos que eles consigam ser vacinados…
KHALED ABU TOAMEH: Claro! Não estou dizendo que não. Só estou dizendo que há uma exploração cínica de toda essa situação por elementos anti-Israel. Em vez de ajudar os palestinos a conseguir vacinas de outras fontes, querem jogar tudo no colo de Israel. Na verdade, o governo palestino está em um dilema entre a honra nacional e a vacina. Entendo isso. Se você diz todos os dias “somos um país independente, temos um governo e não queremos que Israel interfira em nossos assuntos internos”, então, de repente, pega mal pedir ajuda ou implorar a Israel por vacinas. Acaba sendo tudo política e o povo palestino é que paga o pato por isso.