TEL AVIV – Como será o Natal do infame ano de 2020 em Belém, a cidade onde, segundo a tradição cristã, Jesus nasceu? Como serão as festividades na Praça da Manjedoura e na Igreja da Natividade, na Era do Coronavírus? Os palestinos tentam responder a essas perguntas em meio a uma crise sanitária e econômica única que ninguém poderia imaginar que aconteceria. Em Israel, as indagações são as mesmas em cidades sagradas como Nazaré e Jerusalém.
Em 2019, a euforia foi enorme na Terra Santa. Israel recebeu o número recorde de 4,5 milhões de turistas (50% peregrinos cristãos). Desses, 1,5 milhão visitaram Belém, na Cisjordânia, controlada pela Autoridade Palestina. A calmaria no conflito israelense-palestino e a queda nos preços das passagens aéreas levaram a um recorde jamais visto no turismo. Dezembro, claro, foi um dos meses mais fortes.
Mas, em dezembro de 2020, dois mil anos da data simbólica do nascimento de Cristo, tudo isso parece um sonho distante. Entre os palestinos, a situação é dramática, diz o cientista político Wadie Abunassar, porta-voz da Assembleia de Bispos Católicos da Terra Santa (responsável por Israel, Palestina, Chipre e Jordânia).
Abunassar, que é um israelense cristão árabe (sim, em Israel há cristãos árabes) e dirigiu a Assembleia de Bispos Católicos da Terra Santa entre 1997 e 2001, aponta três principais consequências da pandemia: desemprego, questões sociais dentro das famílias por causa dos lockdowns e níveis mínimos de turismo religioso.
“Muitos cristãos estão batendo nas portas da igreja para pedir ajuda. Mas as igrejas também estão se mantendo por um fio. A peregrinação é quase nula. É zero. E houve uma queda muito acentuada nas doações do exterior e há uma incapacidade, por parte dos moradores locais, de pagar mensalidades escolares e doar para organizações religiosas”, diz Abunassar.
Há alguns meses, por exemplo, o Patriarcado Latino de Jerusalém anunciou que havia acumulado dívidas de US$ 7 milhões. O novo patriarca, Pierbattista Pizzaballa, lançou uma campanha mundial e arrecadou algum montante, mas a situação ainda é complicada.
“A área mais afetada pela pandemia é, sem dúvida, Belém”, diz Abunassar. “É a cidade do Natal, a cidade da Natividade. Era para ser a Cidade da Esperança. Mas agora está mais para Cidade do Desespero. Cerca de 60% a 70% dos cristãos de Belém dependem do turismo e das peregrinações. Fora isso, muitos dos cristãos de Belém trabalhavam em Israel e também perderam seus trabalhos”.
Com as restrições da pandemia e o fechamento das fronteiras (incluindo entre Israel e a Cisjordânia), muitos árabes israelenses também não podem mais visitar Belém. “Estamos presenciando uma realidade inédita, pior do que na época das intifadas. Durante a Primeira Intifada (1986-1993) e a Segunda Intifada (2000-2005), houve um aumento nas doações de todo o mundo. As pessoas estavam se sentindo solidárias com os cristãos palestinos. Agora, a maioria dos doadores também está com problemas. Portanto, estamos passando por uma realidade muito única. Não me lembro de nada semelhante”.
Como vai ser o Natal em Belém, então? As principais celebrações, pelo menos do ponto de vista católico, permanecerão como estão em termos de calendário: a procissão solene da entrada do patriarca na cidade vai acontecer, bem como a missa da meia-noite, mesmo não estando claro se o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, pretende comparecer (como faz todos os anos). A principal diferença será na participação popular.
“Está claro para todos que o número de participantes nessas celebrações será significativamente reduzido”, diz Abunassar. “Ainda há discussões sobre o quanto reduzir. Mas podemos chegar ao nível de limitar as principais celebrações apenas ao clero. Muitas igrejas discutem a possibilidade fazer como na última Páscoa: transmitir as missas ao vivo pelas redes sociais, sem participação ativa na Igreja dos fiéis, exceto os membros dos corais”.
Ele garante que os cristãos locais vão seguir as regras de distanciamento e aglomeração. Não vão participar em ceias de Natal com toda a família ou algo assim. Ele lembra que as igrejas de Jerusalém foram as primeiras a fechar, no começo da pandemia, depois que membros de grupo de peregrinos da Coreia foram diagnosticado com Covid-19. A Igreja do Santo Sepulcro fechou as portas pela primeira vez desde a Peste Negra, há 600 anos.
“Na Páscoa, comemorei só com a minha esposa e as minhas filhas. Foi muito doloroso, mas fomos obedientes às restrições e cumprimentamos outros familiares só por vídeo. Então, sinto que teremos mais ou menos a mesma experiência, neste Natal”.
Árvore de Natal na Praça da Manjedoura, em Belém (Foto: Daniela Kresch)