TEL AVIV – A derrota de Donald Trump nas eleições americanas foi comemorada por 75% dos eleitores judeus dos EUA. Eles votaram no vencedor Joe Biden, mantendo o percentual recorrente entre a comunidade judaica do país, que costuma votar em candidatos do Partido Democrata e apoiar causas liberais e em prol de minorias. Mas em Israel, a história é outra. Se, por um lado, a maioria dos israelenses entende o quão polêmico é o homem que (ainda) ocupa a Casa Branca, muitos preferem apenas enxergar o que Trump fez por Israel e lamentam sua derrota, temendo o que virá na era Biden.
“É verdade que ele (Trump) é um homem direto. É verdade que ele não é educado. É verdade que ele fez observações monstruosas. Mesmo assim, cerca de 50% dos americanos o apóiam, e uma porcentagem maior de israelenses o veem favoravelmente. Se eu fosse americano, duvido que votasse nele. Mas parece que agora, quando sai de cena, Donald Trump deveria ouvir de nós a palavra ‘obrigado’”, escreveu o comentarista e escritor Ben-Dror Yemini no jornal “Yedioth Aharonoth”.
Para Yemini e tantos israelenses, Trump foi um dos melhores – ou o melhor – presidente americano quando se trata do apoio a Israel, que deu passos que pareciam impossíveis em governos americanos anteriores, como a transferência da embaixada americana de Tel Aviv para Jerusalém – medida vista com bons olhos pela maioria absoluta dos israelenses – além do apoio incondicional a Israel em fóruns internacionais, principalmente na ONU.
“Sem Trump, não teríamos alcançado a paz com três Estados árabes (Emirados Árabes, Bahrein e Sudão), sem Trump não teria havido reconhecimento de Jerusalém como a capital do Estado de Israel e, sem Trump, não teria havido reconhecimento da soberania de Israel no Golã”, explica Ben-Dror.
Yemini também acredita que até os israelenses de esquerda têm que agradecer a Trump. Afinal, uma das condições para o acordo de paz com os Emirados foi, por exemplo, a suspensão do plano de anexação de partes da Cisjordânia: “Para aqueles de nós que estão no lado um pouco mais à esquerda no mapa político: sem Trump, o governo de (Benjamin) Netanyahu teria nos levado ao desastre da anexação. E graças à iniciativa de paz, mesmo que imperfeita, de Trump, a direita israelense também foi forçada a digerir o fato de que os palestinos merecem pelo menos 70% do território da Judeia e Samária”.
Ao contrário de Yemini, o embaixador Martin Indyk, que serviu duas vezes como embaixador dos Estados Unidos em Israel e também como secretário de Estado adjunto para Assuntos do Oriente Médio durante o governo Clinton, acredita que os “favores” de Trump – talvez com a exceção da eliminação do general iraniano Qasem Soleimani – serão, a longo prazo, “desfavores”: “Pode-se alegar que Trump foi um grande amigo de Israel, mas tudo sobre esse homem é controverso. Ele reconheceu Jerusalém, mas, no processo, afastou os palestinos do processo de paz. Isso não é bom para Israel. É importante para Israel que os EUA sejam um moderador neutro nas conversas com os palestinos”, diz Indyk.
Do ponto de vista de muitos israelenses, Trump chacoalhou a velha e ultrapassada política da Casa Branca, de focar, há décadas, nos mesmos moldes de negociações entre Israel e palestinos, sem buscar soluções criativas para um conflito que tantos já tentaram desatar, em vão. Sua maneira politicamente incorreta de ser acabou levando a soluções diferentes, como os Acordos de Abraão.
“Os recentes acordos foram realmente uma abordagem nova”, diz Indyk. “Mas eles não eram a intenção original. Quem virou a mesa e merece o crédito é o príncipe de Abu Dhabi, Mohammed bin Zayed, não Trump. Foi ele quem quebrou os moldes ao aceitar normalizar o relacionamento com Israel. Como foi Anwar Sadat, e não Jimmy Carter, que mereceu crédito pela paz entre o Egito e Israel. O governo Trump queria era resolver todas as questões a favor de Israel e isso não é uma receita para a paz, é uma resolução através da imposição de soluções aos palestinos. Isto não é bom. Portanto, eles não alcançaram os resultados que desejavam”.
O maior temor dos israelenses é a questão iraniana. E Trump seguiu tudo o que seu amigo Bibi Netanyahu queria. Graças a Trump, os Estados Unidos se retiraram do JCPOA, o acordo sobre o programa nuclear iraniano, de 2015, firmado por Teerã e Washington (com Alemanha, China, França, Inglaterra, Rússia e UE). Em Israel, esse acordo é visto por unanimidade como perigoso porque não se pode confiar nas intenções do Irã. Ou melhor: aqui, todos não têm dúvida de que o Irã está fazendo de tudo para ter bomba nuclear e se aproveita da ingenuidade de alguns líderes mundiais.
Os israelenses temem que Joe Biden volte atrás ou cancele tudo o que o Trump fez em prol de Israel nos últimos quatro anos, mesmo que tenha outras prioridades mais urgentes em mente (a pandemia, a economia, a China…). Segundo todos os analistas, o novo presidente americano vai retornar à política tradicional: os assentamentos serão considerados novamente como ilegais, o relacionamento americano-palestino será retomado. Biden talvez não devolva a embaixada para Tel Aviv, mas certamente Netanyahu não terá o espaço que tinha no coração e na mente do amigo pessoal Donald Trump.
O maior temor, no entanto, é a questão do Irã. Biden deve voltar quase que imediatamente ao JCPOA. O embaixador Martin Indyk acredita que, nessa questão, é apenas questão de tempo para um embate entre Bibi e Biden: “Vai haver tensão por causa disso. Bibi quer sanções e pressão sobre o Irã e Biden não acredita nisso”.
Biden, no entanto, deve ser cuidadoso o suficiente para não chutar a pau da barraca. Ele vai tentar reconstruir a confiança entre israelenses e palestinos.
O embaixador Indyk sugere que Netanyahu aproveite o novo ar de “união” do democrata para curar o relacionamento não só com os palestinos, mas com os judeus americanos:
“Existe uma divisão entre os judeus americanos e Israel. Bibi decidiu apostar em Trump e nos evangélicos e muitos judeus acham que Israel não se importa mais com eles. Isso é perigoso e deve ser reparado. Essa é a principal mensagem da presidência de Biden: reduzir a divisão e promover a unidade entre os americanos e entre os EUA e o mundo. Este deve ser um momento de cura, como ele disse. Israel deve procurar uma maneira de fazer isso, também”.