TEL AVIV – Minha filha não entendeu nada. Ela me olhou com curiosidade e estranheza quando eu comecei a chorar do lado de seu computador durante uma aula por Zoom sobre os 25 anos do assassinato do ex-primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin. Como moramos em um apartamento pequeno e eu estou de home office, estou tendo o privilégio “voltar à escola” com ela (as aulas da 7ª série do Ensino Fundamental estão acontecendo apenas remotamente por causa da pandemia de coronavírus). Então, esta semana, acompanhei diversas classes sobre Rabin, seu legado e sua morte.
Em uma das aulas, os alunos montaram, pelo Zoom, uma espécie de mosaico digital com a expressão “Não esqueceremos 4.11.95” (foto). Em outra, a professora compartilhou na tela um vídeo mostrando os acontecimentos da terrível noite de 4 de novembro de 1995, quando Rabin foi executado com três tiros nas costas pelo assassino extremista Yigal Amir. Eu decidi ver o vídeo e me peguei chorando aos borbotões.
As lágrimas saíram com soluços altos no momento em que o ex-diretor de gabinete de Rabin, Eytan Haber (falecido recentemente), leu as famosas frases que informaram à nação sobre a morte do premiê: “O governo de Israel anuncia com consternação, grande mágoa e profunda tristeza, a morte do primeiro-ministro e ministro da Defesa Yitzhak Rabin, que foi morto por um assassino, esta noite, em Tel Aviv. Que sua memória seja abençoada”.
Minha filha ficou pasma com a minha reação, 25 anos depois. Confesso que eu também. Mas foi algo tão visceral que depois tive que conversar com ela para explicar o profundo trauma que o assassinato de Yitzhak Rabin representa para Israel e para os judeus como um todo. Esse foi o momento em que os israelenses perderam a inocência e perceberam que não passavam de membros de um país “como todos os outros”, onde um cidadão é capaz de matar o líder eleito.
Sim, porque antes disso, havia uma certa ilusão de que Israel era “uma luz para os gentios”, uma experiência nacional “modelo” que havia começado do zero depois do genocídio de um terço de seu povo e de séculos de perseguição e preconceito. E, de repente, esse país se juntava à lista de grupos humanos nos quais, durante a História da civilização, a discórdia interna acabou em violência, em sangue, em assassinato.
A maneira com os israelenses passaram a se ver, depois do fatídico 4/11/1995, mudou drasticamente. Não mais uma visão inocente (que, aliás, nunca passou de uma ilusão) de uma sociedade em prol de uma causa justa. Israel passou a ser um país onde um primeiro-ministro pode ser assassinado por causa de motivos políticos, divisões internas, conflitos ideológicos, ódio, incitação e de uma visão de “nós” contra “eles”.
Esse trauma nunca passou. E não acho que algum dia passará. A impressão que dá é a de que ninguém aprendeu nada. As divisões internas continuam, os conflitos ideológicos se acirram, o ódio é ainda mais palpável com as redes sociais, a incitação permeia quem continua a ver a sociedade como uma eterna luta entre “nós” e “eles” (judeus X árabes, esquerda X direita, religiosos x seculares, israelenses X palestinos…). Para essas pessoas, o mundo só pode ser governado através da força e do poder, do controle e da repressão de “inimigos”. E nem uma pandemia – que deveria unir as pessoas – está sendo capaz de mitigar o embate interno.
Vinte e cinco anos depois do assassinato que chocou a nação, Israel tem, hoje, líderes que ainda insistem em “dividir para governar” e “jogar para a plateia” em campanhas eleitorais. Não falta quem continue a abominar os acordos de paz que Rabin teve a coragem de assinar (e pelos quais pagou com a vida). Mesmo imperfeitos, esses acordos significavam uma esperança de paz a um país dolorido de guerra.
Vinte e cinco anos depois, apesar das aulas anuais de lembrança a Rabin nas escolas, que tentam enfatizar a importância da democracia e da não-violência, tem quem ainda difame o legado do premiê assassinado. Acho que foi por isso que chorei ao ver o vídeo junto com a minha filha. E mais ainda depois que ela perguntou: “Mãe, você acha que alguém ficou feliz com a morte de Rabin?”. Tive que respirar fundo para responder. “Infelizmente, acho que sim”.