Em 1881, durante três dias os judeus de Kiev sofreram o inferno na Terra. Após o assassinato do Czar Alexandre II, a União dos Trabalhadores do Sul da Rússia espalhou panfletos na cidade que diziam: “Irmãos trabalhadores. Vocês estão espancando os judeus, mas o fazem de maneira indiscriminada. Não se deve agredir o judeu por ser judeu e rezar de maneira diferente – de fato, Deus é único e igual para todos – porém, devemos agredi-los por roubarem o povo, por sugar o sangue do homem trabalhador.”
Eu ainda me lembro do dia 27 de Outubro de 2018. Ao terminar o Shabbat, vejo a jornalista Yonit Levi dizendo que um número incerto de vítimas em um incidente em Squirrel Hill, Pensilvânia (Estados Unidos). Logo foi dito que era uma sinagoga, que as autoridades confirmaram ser um atentado terrorista, e que o perpetrador havia sido baleado pelas forças de segurança.
Onze mortos.
Robert Gregory Bowers, que assassinou onze judeus durante o Shabbat, escreveu em redes sociais que judeus eram filhos de Satanás e que controlam a América. Antes de atacar a sinagoga, acusou a HIAS (Hebrew Immigrant Aid Society), que em 1881 foi inaugurada no Lower East Side de Manhattan (Nova Iorque), para ajudar os milhares de judeus que chegavam de Kiev e de outras províncias da Rússia.
O mundo ainda não conhecia a ideia de refugiados. Tudo que eles queriam era um prato quente de comida e abrigo, longe das hordas antissemitas que transformavam o Leste Europeu na “cidade do extermínio” descrita por Chaim Nahman Bialik.
“Os recônditos, os buracos, os chiqueiros/onde os herdeiros dos Hasmoneus se escondem, com joelhos estremecidos/escondidos e acuados – os filhos dos Macabeus!” escreveu o poeta após o pogrom de Kishniev (Moldávia) de 1905 (um dos motivos dentre outros, de minha família deixar um gueto próximo de Minsk para o Brasil). A palavra pogrom – do russo ‘destruir, demolir violentamente’ – denota os ataques violentos contra populações judaicas no Leste Europeu, com o objetivo claro de destruir a vida comum judaica.
Bowers via no ato de receber imigrantes famélicos, uma tentativa de judeus em destruir a América. “Todos os judeus devem morrer!” foi a frase ouvida entre os tiros disparados dentro da sinagoga em Pittsburgh. Não muito diferentes das machadadas e golpes de porrete em Kishniev.
Desde 1881 à 2018 estes gritos ecoam de maneira clara em diversos lugares do mundo. No meio do século XX, dentre séculos de violência, o Estado de Israel surgiu como promessa para dar um refúgio de tal violência para àqueles judeus vitimados pela violência e perseguição sem fim. Nas ruas do Leste Europeu, durante diversos pogroms no fim do século XIX, alguns judeus entenderam que não iriam ser passivos na cidade do extermínio e se defenderam como era possível: garrafas, punhos e uma ou outra arma produto de contrabando. O ethos de diversos dos primeiros imigrantes para a então Palestina controlada pelo Império Otomano era de continuar tal tradição de defesa.
Com horror, vi o então Ministro para a Diáspora Judaica, Naftali Bennett, negando em sua visita oficial aos EUA pouco após o atentado – ou dizendo que estava em dúvida – que existia um problema de antissemitismo nos Estados Unidos (desde então vimos uma outra tentativa de massacre no Chabad de Ponway, um esfaqueamento durante a celebração de Chanukah em Monsey, com um morto, e um atentado com três mortos em Jersey City, supostamente ligado ao movimento ‘Black Hebrew Israelites’, um pequeno grupo fanático que diz ser formado pelos “verdadeiros judeus” ). O mesmo ministro que enviou um time de socorro e suporte psicológico não conseguiu simplesmente ouvir a dor das vítimas, mas precisou explicar como elas estavam erradas.
Ao fazer aliá – imigrar para Israel -, frequentemente tento pedir aos meus concidadãos em Israel expressões mais claras de entendimento da vida no mundo judaico. Nem sempre funciona. Neste caso, de fato meu doeu ler Bennett dizendo na frente de vítimas enlutadas que suas visões eram equivocadas. Eu digo sem muitos problemas que não se trata de simplesmente julgar alguns dos dilemas morais de israelenses. Infelizmente, nesse caso, foi fácil demais para o ministro que seria responsável por conectar judeus à Israel falar que a dor deles era negociável com a Casa Branca.
Os horrores de 1881 são conhecidos em hebraico como “suffot b’Negev”, as tempestades do Sul. Os ventos aparentemente ainda rugem até na Pensilvânia.
Zikhronam Livrocho – que suas memórias sejam uma benção – para Joyce Fienberg. Para Richard Gottfried, Rose Mallinger, Jerry Rabinowitz, Cecil e David Rosenthal, Bernice e Sylvan Simon, Daniel Stein, Melvin Wax e Irving Younger.
Para o perpetrador e todos àqueles que esposam tais ideias, que abrem Os Protocolos dos Sábios de Sião para envenenar o poço da Humanidade, yimakh shemam ve zikhronam – que seus nomes e memórias sejam apagados.