Uma das questões mais comentadas em Israel ultimamente tem sido as altas taxas de contaminação por coronavírus nos grupos ultraortodoxos (ou charedim). No entanto, ao falarmos sobre estes grupos, é preciso cuidado com as generalizações. Se há, sim, uma cultura religiosa que, apesar das diferenças, os unifica em um grande grupo, politicamente eles são muito diversos.
A relação que os ultra-religiosos estabelecem com a atual pandemia segue, em grande medida, o padrão das relações que estabelecem com o Estado de Israel e o sionismo.
A parte oriental do bairro ultraortodoxo de Mea Shearim, em Jerusalem, é um bom exemplo para ilustrar esse padrão. Ali estão presentes os grupos mais radicais de oposição à concepção moderna do Estado judeu e que negam radicalmente qualquer relação com o sionismo. Como exemplo, os Neturei Karta, o Toldot Aron, os Satmer e os setores mais extremistas do Breslev.
Para eles, qualquer intervenção do Estado é vista como ameaça ao judaísmo como um todo. É por isso que muitos não respeitam as orientações governamentais para lidar com a atual pandemia e não é casual que, entre eles, o nível de infecção pela Covid-19 esteja muito acima da média nacional. Chegando, em alguns casos, a quase 50%.
Por outro lado, os sefaraditas ortodoxos (que não estão presentes na parte mais radical de Mea Shearim), estabelecem uma relação muito mais pragmática com o sionismo e com o Estado de Israel. Não é casual que respeitem, em geral, as orientações públicas e, entre eles, a infecção pelo coronavírus esteja dentro da média nacional.
Durante o feriado de Simchat Torá, o rebe de Beltz, um dos mais importantes grupos chassídicos, criticou justamente os grupos ultraortodoxos que “querem agradar as autoridades”. Para ele, a pandemia da alma é pior do que a do corpo, sugerindo que ninguém mudasse seu comportamento religioso em função da pandemia. A chassidut (grupo) de Beltz é dos mais afetados pelo coronavírus. Durante o feriado, enquanto faziam aglomerações e quase ninguém usava máscara, a polícia sequer entrou no bairro. Os policiais seriam certamente atacados pelos religiosos, assim, preferiram manter um a acordo onde uns não entram (nas sinagogas) e outros não saem (do bairro). A festa rolou solta altas horas.
Na saúde e na doença, os ultraortodoxos mantêm, em sua maioria, o divórcio do Estado de Israel. Entre serem contaminados pelo Covid ou pelo sionismo, eles parecem ter optado pelo primeiro.