TEL AVIV – Há 20 anos, uma revolta popular transformaria o conflito entre israelenses e palestinos. Era a Segunda Intifada, uma insurreição popular palestina que durou quase cinco anos. Para muitos, a intifada enterrou as esperanças de paz dos Acordos de Oslo (1993) em meio a um ciclo de violência que deixou mais de 4 mil vítimas fatais (3 mil palestinos e mil israelenses). Duas décadas depois da primeira pedra e do primeiro tiro, alguns se perguntam se há chance de uma terceira intifada.
As opiniões divergem. Para Ronni Shaked, especialista para assuntos palestinos do jornal israelense “Yedioth Aharanoth” (Últimas Notícias) e coordenador da Unidade de Pesquisas de Oriente Médio e Islã do Instituto Harry S. Truman para o Avanço da Paz, a resposta é não. Segundo ele, 20 anos atrás os palestinos tinham um líder forte (Yasser Arafat) e contavam com apoio internacional. Consideravam ter influência e achavam que poderiam mudar algo pressionando Israel através de protestos violentos e atentados terroristas.
“Hoje, a situação é totalmente diferente”, considera Shaked. “Mahmoud Abbas não tem popularidade, a população não tem esperança e tem medo de perder o que conquistou até hoje. Os palestinos sabem que não podem lutar contra Israel. Não têm ferramentas para isso. Não querem nem têm energia para começar uma nova intifada. Estão pensando na sobrevivência diária, no sustento da família”.
Outra diferença, diz Shaked, é o aumento do poder da direita em Israel e o crescimento do número de colonos na Cisjordânia, que hoje contabilizam mais de meio milhão: “Este é um momento difícil para os palestinos”, continua Shaked. “Estão enfrentando um dos momentos mais difíceis de sua História. Se chamaram a criação de Israel, em 1948, de Nakba, acho que agora estão em sua segunda Nakba”.
O pesquisador israelense diz que os palestinos vivem, em 2020, uma crise geral em todos os aspectos: do ponto de vista nacional, social, psicológico, político, econômico, ideológico e religioso. Eles quase não têm apoio internacional. Esperam por um próximo presidente americano (pós-Trump) e observam a Europa perder o interesse em meio a preocupações com seus próprios problemas internos e com o coronavírus. O Estado de Israel de hoje é governado pelo direitista Benjamin Netanyahu e esquerda do país, segundo ele, “desapareceu”.
“Fora isso, os palestinos perderam o poder e a capacidade de influenciar até mesmo o mundo árabe. Estamos no que chamo de ‘Oriente Médio pós-palestino’. Eles perderam sua centralidade depois que os países árabes passaram a se concentrar em questões de segurança, economia e a ameaça iraniana. Os países árabes não se importam com os palestinos e os tratados de paz com os Emirados Árabas e com o Bahrein são a prova disso”.
Já para o jornalista palestino Ashraf al-Ajrami, um ativista do Fatah, ex-ministro para Assuntos de Prisioneiros da Autoridade Palestina e ex-diretor de assuntos israelenses no Ministério da Informação palestino, a resposta à possibilidade de uma nova intifada é “sim”.
“Em primeiro lugar, uma intifada vem do povo. Não é uma decisão da liderança ou do presidente da Autoridade Palestina”, diz Ashraf al-Ajrami. “A situação no terreno é de frustração e decepção e isso é a principal causa de qualquer intifada. Vejo que os fatores para iniciar uma intifada estão aí. Só não tenho certeza se será imediatamente, dentro de um a três meses ou em um ano”.
Para Ajrami, o povo palestino sente que está perdendo tudo e não há esperança de independência. Principalmente depois do chamado “Acordo do Século” de Donald Trump e da ameaça israelense de anexar assentamentos na Cisjordânia: “Isso tudo aumenta a tensão entre palestinos e israelenses”.
Outra razão para uma nova intifada seria uma intervenção israelense no processo eleitoral palestino. Em seu discurso na ONU, na semana passada, o presidente palestino Mahmoud Abbas prometeu convocar eleições democráticas (algo que não acontece desde 2007). Mas se Israel acreditar que há chance de o Hamas vencer, tanto eleições parlamentares como presidenciais, pode intervir. E isso pode levar a protestos.
A base dessas novas eleições seria a nova tentativa de trégua entre Hamas e Fatah firmada na Turquia em 25 de setembro. Os palestinos estão divididos em dois “Estados” de facto: o “Hamastão”, na Faixa de Gaza, e a AP da OLP e do Fatah, na Cisjordânia. A divisão aconteceu em 2007 (quando o Hamas venceu as eleições parlamentares e, após uma guerra civil violenta, expulsou o Fatah de Gaza, tomando o poder na região).
“Hoje, o Hamas está fortalecido e é apoiado pelo Irã, enquanto a AP na Cisjordânia está enfraquecida e perdendo apoio europeu”, diz Ronni Shaked. “No entanto, ambos Hamas e Fatah acham que sem reconciliação, o sonho de um Estado palestino não será possível. Houve inúmeras tentativas de reconciliação e unificação. Acordos foram firmados inúmeras vezes, mas nunca deram certo. O ódio mútuo entre os dois movimentos levou a uma divisão geográfica, ideológica e política. O Hamas é islâmico, o Fatah é secular. Mas a maior diferença entre os dois movimentos é sua atitude em relação a Israel. O Hamas não reconhece Israel é favorável à resistência armada, ao terrorismo. Já o Fatah reconhece Israel e descartou o terrorismo”.
Para Shaked, a nova reconciliação também não dará certo e Mahmoud Abbas não conseguirá convocar eleições gerais. Mas Ashraf al-Ajrami pensa diferente. Para o jornalista palestino, existe a possibilidade de que a trégua seja bem-sucedida.
“O Hamas quer legitimidade e um papel maior na política palestina. Não será fácil que ele se entenda com o Fatah, mas é possível. Principalmente porque os dois lados decidiram adiar a discussão sobre os principais problemas, como a exigência do Fatah de que os militantes do Hamas entreguem suas armas”.
A pergunta é: caso a união entre Hamas e Fatah realmente se mantenha até eventuais pleitos e o Hamas consiga vencer na Cisjordânia (com maioria no parlamento ou até elegendo um presidente), Israel aceitará o resultado? Isso pode ser um barril de pólvora.
“Israel também pode desempenhar um papel para prevenir uma situação de unidade entre os movimentos palestinos”, suspeita Ashraf al-Ajrami. “Israel quer um Hamas forte o suficiente para evitar o caos em Gaza, mas fraco o suficiente para não governar a Cisjordânia. Não vai aceitar que o Hamas tome o controle também da Cisjordânia”.
“Acho que o presidente Mahmoud Abbas vai declarar uma data para as eleições, começando com um pleito para o Parlamento, e depois, um presidencial”, diz al-Ajrami. “Se ele conseguir realizar as eleições, não sei o que pode acontecer. Se o Hamas perder em Gaza, vai abrir mão do território? E se o Hamas vencer na Cisjordânia, o Fatah e Israel vão aceitar? Não sei”.
“O Hamas tem muita popularidade também na Cisjordânia. Se eles venceram uma eleição, será como suicídio para a OLP e para o Fatah. Israel é um jogador muito importante aqui. Não vai permitir que o Hamas entre na Cisjordânia”, diz Ronni Shaked.