TEL AVIV – Qual é a importância e o significado da assinatura de acordos de normalização diplomática entre Israel e o Bahrein e os Emirados Árabes Unidos, com direito a apertos de mão na Casa Branca? Certamente, Israel não estava em estado de guerra com nenhum desses dois países – como acontece no caso de Síria e Líbano. Então, não quer dizer que esses acordos vão “dar um basta” a algum tipo de conflito sangrento.
Será que se trata, apenas, de uma estratégia de relações públicas do presidente americano Donald Trump e do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu? O objetivo é só uma indicação para o Prêmio Nobel da Paz? Afinal, fazer acordo de paz com quem você nem está guerreando parece uma tremenda balela.
Pois é. A questão é que esses acordos não são “de paz”. São de “normalização diplomática”. Pode parecer difícil fazer essa distinção ou evitar o impulso de escrever a palavra “paz” quando se fala de Oriente Médio. A expressão “acordo de paz” é mais simpática e mais simples do que “acordo de normalização diplomática”.
Mas, se tirarmos a expressão “acordo de paz” da equação, começamos a entender do que realmente se trata. O que significa que os Emirado Árabes Unidos (EAU) e o Bahrein aceitem Israel, estejam dispostos a abrir embaixadas no país (mesmo que não em Jerusalém), estabelecer voos e turismo mútuos, comércio sem subterfúgios e hastear a bandeira com a Estrela de Davi em seus territórios? Isso depois de os 22 países da Liga Árabe terem decidido, há décadas, que nunca reconheceriam Israel antes de haver um acordo de paz (sim, dessa vez com a palavra “paz”) entre israelenses e palestinos?
Apesar de tudo que possam dizer sobre a natureza de alguns países com os quais Israel negociou essa “normalização”, para Israel se trata de algo muito importante e que o país sempre ansiou: ser reconhecido regionalmente. Esse é o interesse de Israel: ser realmente parte do Oriente Médio, parte da região geográfica na qual – feliz ou infelizmente – ele se encontra.
Temos. também. que deixar de lado nossa opinião – pró ou contra – em relação a Netanyahu a a Trump. É difícil, verdade. Muito. Mas é importante tentar analisar a importância sem o viés da política a curto prazo desses dois líderes, que certamente são fatores para que isso tenha acontecido justamente agora. Mas vamos tentar deixar de lado que Trump precisa de algum empurrão internacional às vésperas das eleições nos EUA, em novembro, e que Netanyahu está ávido por prestígio interno que ajude a diminuir as manifestações populares contra ele às vésperas de seu julgamento por suspeita de corrupção, em janeiro.
Haim Tomer, ex-chefe da Divisão de Inteligência e e de Operações no Mossad, é uma voz de bastidores. Por cerca de 10 anos, ele foi chefe do serviço de inteligência estrangeira israelense. Foi responsável pelas relações secretas de Israel com vários países da região, entre eles o Bahrein. Suas palavras podem esclarecer como aconteceram as negociações e sua importância:
IBI: Como surgiram esses acordos de normalização entre Israel e Emirados Árabes e Bahrein?
TOMER: O pano de fundo foi a revelação do programa nuclear iraniano, em 2002, e o início da Primavera Árabe, em 2011, que levou à ascensão de radicais islâmicos em países como Egito, Síria e Líbia após a ruptura dos regimes centrais lá. Desde então, temos visto uma espécie de mudança de eixo no Oriente Médio. Muitos países – como Arábia Saudita, Emirados Árabes, Kuwait, Catar, Bahrein, Jordânia e Egito – começaram a reorganizar suas posições estratégicas vis-à-vis os desafios na região. Obviamente, esses são os mesmos desafios estratégicos de Israel: o regime dos aiatolás e o islã radical. Essa superposição de desafios mudou o mapa estratégico da região.
Junta-se a isso outro fator: o diminuição do peso da questão palestina na agenda política do mundo árabe. Nas décadas de 70, 80 e 90, a maioria dos países árabes estava bastante comprometida com a importância da luta palestino-israelense como pilar principal de sua estratégia e política externa. Mas depois da intifada de 2000 e especialmente após a divisão entre o Hamas e a OLP, o peso da questão palestina diminuiu. Principalmente depois que os palestinos rejeitaram as ofertas generosas de acordos de paz dos ex-premiês de Israel Ehud Barak e Ehud Olmert
Tudo isso foi um impulso muito grande para as relações secretas entre Israel e alguns dos países, além da Jordânia e do Egito, com os quais as relações são formais e abertas após um processo de paz. Todos os outros países que mencionei estavam muito interessados neste no estabelecimento de alianças de segurança com Israel.
IBI: Por que alianças de segurança?
TOMER: Primeiro, porque Israel é uma superpotência da inteligência. Em segundo lugar, Israel é muito forte em tecnologias de segurança. Todo mundo está ciente disso. E em terceiro lugar, acredito que os regimes pragmáticos do Golfo passaram a acreditar, desde 2008, que Israel é o único parceiro estratégico que poderia enfrentar um desafio do tamanho do Irã após o presidente Obama promover sua estratégia de “Soft Power”. Ele desejava resolver disputas através da diplomacia e muitos países, como a Arábia Saudita, passaram a acreditar que o regime de Obama não faria muita coisa por eles. Então, preferiram se voltar para Israel como parceiro.
IBI: Por que vemos esses dois acordos justamente agora?
TOMER: O que aconteceu no ano passado realmente permitiu que esses países saíssem do armário, viabilizando os acordos dos Emirados Árabes e Bahrein. Em primeiro lugar, há uma relação muito mais estreita entre o governo do presidente Trump e algumas das lideranças da região, ao contrário da natureza da relação que acontecia na época do presidente Obama. A segunda coisa que aconteceu foi o fato de que esses países já estavam interessados em ampliar o escopo de relacionamento com Israel.
A terceira coisa é o fato de que há um sentimento na região de que os regimes pragmáticos estão sob algum tipo de ameaça de um possível envolvimento ou intervenção dos iranianos. O Irã, nos últimos anos, tem estado muito ativo na região através de proxies. O Irã está envolvido no Iêmen, no Iraque, na Síria, no Líbano. O Hezbollah é uma criatura 100% iraniana. O Irã já afirmou que o Bahrein é sua 14ª região e que gostariam de anexá-lo. Se o Irã puder se meter nos Emirados Árabes Unidos, se meterá. E líderes como Mohammed bin Zayed, Sheikh Khalifa e MBS (Mohammad Bin Salman) estão bem cientes disso. O Oriente Médio está mudando: a disputa palestino-israelense não é mais a número um. Há outros problemas.
IBI: Os Emirados e Bahrein podem ser expostos agora a ataques diretos do Irã?
TOMER: O Irã enfrenta muitas pressões. Há sanções, a economia está muito ruim. Existem muitas expressões de descontentamento de diferentes partes da população do Irã. A situação econômica sob a covid-19 não melhorou a situação. Eles podem retaliar com atividades clandestinas contra países como os Emirados Árabes Unidos, Bahrein e outros. Isso exigiria o baixo envolvimento formal iraniano com a capacidade de negar qualquer tipo de responsabilidade. A outras opção seria algo mais aberto, como bloqueio naval ou coisas assim. Eles fizeram isso no passado. É claro que eles também podem usar algum tipo de foguetes ou mísseis contra os Estados do Golfo como um aviso. Mas, meu palpite é que eles vão optar pela política tradicional de tentar fazer as coisas por debaixo dos panos. Eles não querem ver nenhum tipo de envolvimento militar americano ou talvez israelense contra eles. Mas, se você me perguntar, eu teria muito cuidado em ir para Abu Dhabi e principalmente Dubai, porque o Irã é ativo por lá.
IBI: A Arábia Saudita será o próximo país a fazer um acordo com Israel?
TOMER: Acredito que sim. Em primeiro lugar, espero sinceramente que sim. Mas a Arábia Saudita é um país mais conservador. Então eu acredito que, para eles é mais conveniente ficar na sombra agora do que anunciar algum acordo formal. Mas acho que o desejo na vontade está aí. Acho que o MBS já disse muitas vezes que há necessidade de cooperação entre Israel e da Arábia Saudita. Mas ele precisa de mais tempo.
IBI: Quanto mais tempo?
TOMER: Acho que MBS está tentando fazer uma série de reformas na Arábia Saudita. Trata-se de um país muito conservador. Tem coisas que ele fez, como a questão do assassinato do Khashoggi (Jamal Khashoggi, um dissidente político assassinado em 2018). Isso é verdade… Mas, ao mesmo tempo, ele quer fazer uma série de reformas que podem levar a Arábia Saudita a ser um país um pouco mais moderno e mais aberto. Este é o seu principal desafio.
IBI: Até que ponto você acha que a pressão americana desempenhou um papel nesses acordos?
TOMER: Acho que a administração americana é motivada pela ideia de aprofundar as alianças entre os amigos dos Estados Unidos no Oriente Médio: Israel, Jordânia, Arábia Saudita, países do Golfo, etc. E eles estão trabalhando para isso.