TEL AVIV – O acordo de paz entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, anunciado na quinta-feira, 13 de agosto, pegou quase todo mundo de surpresa, incluindo os palestinos. Não demorou muito para que a Autoridade Palestina (PA) anunciasse sua esperada rejeição. Se o presidente Mahmoud Abbas reagisse bem a alguma decisão israelense seria algo ainda mais histórico do que o acordo de paz.
Em Ramallah, na Cisjordânia, houve protestos contra o acordo de paz e não faltou que chamasse Mohammed bin Zayed, príncipe herdeiro de Abu Dhabi, de traidor por aceitar normalizar as relações com Israel. Seria uma traição à causa palestina, porque o status quo, até hoje, era o de que as relações entre o mundo árabe e Israel só seriam normalizada depois de um acordo de paz com os palestinos.
Agora, depois desse precedente dos EAU, espera-se que outras nações árabes-muçulmanas normalizem relações com Israel. O Sudão pode ser a próxima, segundo as últimas informações.
Mas nem todos os palestinos concordam com a rejeição do acordo. O professor e ativista palestino Mohammed Dajani Daoudi, por exemplo, acredita que a paz entre os EAU e Israel pode ajudar a resolver o conflito palestino-israelense. Há anos, Dajani nada contra as correntes do mainstream palestino com um olhar diferente. Para ele, é preciso que os dois povos conheçam a narrativa e as motivações do outro para realmente fazer a paz.
Para isso, ele prega a normalização com Israel. Mesmo que essa ideia seja absolutamente rejeitada pelo governo palestino: “Moderação leva à reconciliação, que leva à paz, à segurança, à tolerância e à aceitação do outro. A AP reagiu de forma exagerada ao acordo, mas isso não é do interesse dos palestinos e pode afetar as relações com outras nações árabes”.
Na juventude, Dajani foi ativista da Organização para Libertação da Palestina (OLP) contra Israel. Foi deportado do Líbano em 1975, mas como nem Israel e nem a Jordânia aceitaram recebê-lo, acabou indo para os EUA, onde estudou e recebeu dois doutorados. Foi perdoado pelo Rei Hussein da Jordânia e recebeu sinal verde para voltar a Jerusalém – sua cidade natal – em 1993, com os Acordos de Oslo. De volta a Israel, ele ficou impressionado com o bom tratamento que seu pai e sua mãe receberam de médicos israelenses quando adoeceram. “Fiquei confuso em relação ao meu inimigo e comecei a ver o outro lado, o lado humano dele”.
Na década de 90, Dajani começou a atuar na resolução de conflitos e fundou, em 2007, a ONG Wasatia (“Moderação”), que promove a não-violência e a construção de pontes. Em 2014, ele levou 27 estudantes palestinos para Auschwitz. Foi chamado de traidor e teve que pedir demissão da Universidade Al-Quds, onde lecionava. Voltou para os EUA depois que seu carro foi incendiado e recebeu ameaças de morte. Acabou retornando a Jerusalém em 2016, onde continua com suas iniciativas de construção de pontes entre israelenses e palestinos.
“Infelizmente, a AP definiu o acordo de paz com os Emirados como uma traição e uma interferência na causa palestina. E como as pessoas seguem o governo, acabaram apoiando as manifestações contra o acordo”, conta Dajani. “A nível local, há um antissionismo, um anti-israelismo e um antissemitismo arraigado entre os palestinos e o mundo árabe em geral”.
Para o professor, esse acordo de paz com os Emirados Árabes Unidos não levará a uma paz imediata a nível do povo dos emirados. Seria preciso fazer um trabalho de educação básico fundamental. Não sei até que ponto o professor está certo quanto à rejeição popular. As redes sociais em árabe do Ministério das Relações Exteriores de Israel estão repletas de posts de gente de todo o Oriente Médio aplaudindo o acordo e desejando que a normalização na região se amplie.
“É por isso que considero esse acordo positivo”, continua Dajani. “Temos que fazer uma limonada do limão, não demonizar o acordo e sim ver como podemos nos beneficiar com ele. Dizer que esse acordo é uma traição e atacar o líder dos Emirados Árabes, como temos visto na rua palestina, é continuar com a velha mentalidade que nos levou a onde estamos hoje”.
Segundo o professor, um acordo como esse ajuda no que ele chama de “psicologia de Israel”, que ainda pensa no “Três Nãos” da Resolução de Cartum (1967): Não à paz com Israel, não ao reconhecimento de Israel e não a negociações com Israel: “Israel se sentirá mais seguro com a normalização e acordos de paz, estará mais disposto a se aproximar dos palestinos e aceitar sua autodeterminação. Os acordos podem influenciar os eleitores israelenses em prol de uma agenda de paz, deixando para trás o medo que têm dos vizinhos árabes”.
Para o professor Dajani, a agenda do medo é o que adia a conciliação entre israelenses e palestinos. Segundo ele, a direita tomou o poder, em Israel, como resultado do terrorismo palestino, do medo, da insegurança: “Se pudermos construir a paz e de povo para povo, essa paz pode minar os partidos radicais de ambos os lados. Os extremistas de ambos os lados se beneficiam uns com os outros e a maioria silenciosa, a maioria moderada, se cala. E ambos os lados dizem que a essa minoria extremista do outro lado é a maioria. Isto é falso. As pessoas em Nablus, Jenin e Tukaram querem paz, não querem jogar judeus no mar e fazer outro Holocausto”.
Um dos motivos da rejeição da AP ao acordo entre Israel e os Emirados Árabes é fruto de picuinhas internas da política palestina. Há uma teoria de que Mohammed Dahlan, ex-chefe de segurança da Fatah e rival político de Mahmoud Abbas, teria orquestrado o acordo já que ele é assessor especial do príncipe herdeiro Mohammed bin Zayed. O objetivo seria minar a Autoridade Palestina. Isso já seria motivo suficiente para que a AP rejeitasse o acordo.
Aliás, teria sido por política interna que o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu afirmou que seu plano de anexação de partes da Cisjordânia ainda continua de pé, apesar da percepção geral de que ele foi riscado em troca da paz com os Emirados Árabes. “Netanyahu só continua dizendo isso para que seus aliados da extrema-direita ouçam. Mas, ao meu ver, ele não queria realizar a anexação e usou o acordo com os EAU como desculpa para voltar atrás. Ele sabe que anexar a Cisjordânia é não só ilegal internacionalmente como é contra os próprios interesses de Israel”.