TEL AVIV – “Primeira Guerra do Norte”. Já tem até nome o próximo conflito na fronteira Norte de Israel. Seria uma guerra contra uma frente formada por libaneses, sírios e iranianos. Sinceramente, fico ansiosa com a ideia de que já deram nome para um conflito que nem começou. Fica parecendo que é inevitável e que só falta sabermos quando começará. Nos últimos dias, ficou parecendo que havia chegado a hora. Que havia chegado a hora da Primeira Guerra do Norte.
Não é a primeira vez que o tempo esquenta na fronteira entre Israel e o Líbano desde a última guerra na região, em 2006. Neste momento, mais um capítulo dessa crônica de conflito anunciado, está no auge. O alerta na fronteira está no nível mais alto, novamente, depois que o líder do grupo libanês Hezbollah, Hassan Nassrallah, prometeu vingança após a morte de um combatente do grupo em um ataque aéreo na Síria.
Nos últimos dias, Nassrallah ordenhou que dois grupos de militantes se infiltrassem em Israel para alvejar soldados israelenses. Não conseguiu e, por isso, tudo indica que tentará de novo. E em muito breve.
Vou contextualizar. Em setembro do ano passado (2019), o Hezbollah atacou uma patrulha militar israelense com dois mísseis antitanque perto da fronteira. A situação só não descambou para um conflito direto porque o exército israelense lançou mão de um artifício, fingindo que soldados israelenses haviam morrido para enganar o Hezbollah – que achou ter conseguido o objetivo.
Nassrallah, furioso e para endurecer contra Israel, fez uma promessa a seus correligionários e apoiadores. Jurou que retaliaria contra Israel caso qualquer um de seus combatentes fosse atingido em solo libanês ou sírio. E aí mora o perigo. O potencial de que um combatente do Hezbollah seja morto em um ataque na Síria (atribuído a Israel) é muito alto. O Hezbollah e o Irã estão trabalhando juntos no contrabando de armas iranianas para o Líbano.
“Nassrallah está determinado a criar uma espécie de ‘dissuasão mútua’ com Israel. Se Israel ataca, ele retalia”, explica o especialista em terrorismo Yoram Schweitzer, pesquisador do Instituto de Estudos de Segurança Nacional de Israel (INSS). “Israel tenta não agir no Líbano, mas aviões e drones israelenses passam pelo território libanês para atacar proxies do Irã na Síria que tentam contrabandear armas para o Hezbollah”.
Há tempos, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, acusa o Hezbollah de trabalhar em conjunto com o Irã para desenvolver mísseis de precisão e contrabandear armas para atacar Israel. Ele se preocupa com o aumento da influência do Irã em toda a região depois que Teerã ajudou o ditador sírio Bashar Assad a se manter no poder durante a guerra civil no país.
Não é segredo pelo mundo que Israel tem feito ataques na Síria contra comboios e outros alvos iranianos. Mas algumas vezes, há também libaneses – principalmente membros do Hezbollah – nesses lugares.
Israel até tenta evitar baixas libanesas. Segundo o jornalista e escritor Ronen Bergman, foi desenvolvida uma técnica chamada “Bater no vagão”. Funciona assim: quando os israelenses observam que em um carro que faz parte de um comboio de contrabandistas há um libanês do Hezbollah, a força aérea lança um míssil de “alerta” contra esse carro. Esse míssil cai perto do carro ou não causa muitos danos. Já sabendo que se trata de um alerta, o motorista tem tempo de parar. Assim que as pessoas saem, o míssil “de verdade” destrói o veículo.
Mas, na semana passada, esse subterfúgio parece não ter dado certo. Um membro do Hezbollah chamado Ali Kamel Mohsen Jawad morreu em um ataque aéreo nos arredores de Damasco. A autoria do ataque é desconhecida, mas todos apontam para Israel.
Assim que a morte foi anunciada, Israel entrou em alerta em relação a uma possível retaliação de Nassrallah. Tanto o Hezbollah quanto Israel não estão interessado em uma escalada, dizem os especialistas. Mas, no Oriente Médio, embates que começam tímidos podem levar a guerras de maiores proporções.
“Não sei se o Nassrallah correria o risco de começar uma guerra contra Israel agora, em meio à epidemia do coronavírus e os graves problemas econômicos que ela causou no Líbano. Mas, por outro lado, não pode desapontar seus correligionários depois da promessa que fez no ano passado”, analisa Schweitzer.
“O problema é que Nassrallah, que sempre entendeu o comportamento de Israel, pode estar calculando mal a possível reação israelense. Ele está enviando guerrilheiros para a fronteira para matar soldados israelenses. Mas pode, em vez de apenas ‘igualar’ o jogo, provocar Israel”.