TEL AVIV – A pandemia do novo coronavírus está cada vez mais misturada com política, em Israel. Como em todo o mundo, aliás. Em 2020, poderíamos pensar que a civilização teria avançado o suficiente para não politizar surtos de doenças. Mas não. Estamos em uma era de polarizações, o que inclui até mesmo pandemias.
Mas a politização do vírus em Israel não é igual à do Brasil. Não há pessoas tomando hidroxicloroquina para demonstrar apoio ao líder. Aqui, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu nunca diminuiu ou riu do coronavírus. Nunca sugeriu o uso de remédios não comprovados. Pelo contrário, ele fez, no começo, aparições públicas quase diárias alertando a população para os perigos do coronavírus. Alertando até demais: amedrontando. Era, talvez, a única maneira de conseguir que todos aderissem às orientações. Ou era a maneira dele de exercer seu conhecido carisma para se manter popular.
Exatamente neste sentido é que a politização do vírus em Israel se manifesta de forma diferente. Os que apoiam Netanyahu tendem a apoiar mais as medidas que ele e seu governo tomam para lidar com o vírus e proteger a população. Os opositores tendem a criticar mais essas medidas e considerar que ele as escolhe por motivos políticos, não pelo bem geral da nação.
Nos últimos dias, os tradicionais opositores de Netanyahu voltaram às ruas. Se tiveram medo durante a primeira onda da epidemia no país, agora perderam o temor. Centenas protestam direto perto da residência do primeiro-ministro, em Jerusalém, ou na Praça Rabin, em Tel Aviv. Definitivamente, a “trégua” do coronavírus passou.
A esses opositores antigos se juntam novos manifestantes: os insatisfeitos com o gerenciamento da crise por Netanyahu. O mais recente exemplo de insatisfação são as críticas ao plano de Netanyahu de distribuir 750 shekels (R$ 1,1 mil) a cada cidadão do país.
Essa distribuição indiscriminada (sem diferença entre empregados e desempregados, entre mais ou menos abastados) tenha sido pensada por Netanyahu como algo popular. Algo que alegraria “o povo” como um todo. Mas as críticas chegaram rápido. O orçamento para a distribuição indiscriminada (6 bilhões de shekels) poderia ser usado de outra forma.
Será que magnatas precisam mesmo de 750 shekels? Dar a todos a mesma quantia é mais inteligente ou eficaz para ajudar na retomada econômica? Não seria melhor investir essa verba em um plano mais específico ou pelo menos checar quem realmente precisa?
De acordo com uma pesquisa do Canal 12, 56% dos israelenses acreditam que a medida foi motivada principalmente por considerações políticas. Só 36% que acreditam que o plano foi concebido para realmente revitalizar a economia.
Começaram a surgir iniciativas para doar o dinheiro recebido para quem precisa. O apresentador do programa de notícias noturnas do canal 13 “HaTzinor” abriu uma campanha de crowdfunding para redistribuir o dinheiro. Até sexta-feira (17 de julho), mais de 5 mil israelenses já haviam doado 2,8 milhões de shekels (R$ 4,3 milhões) para a campanha. O dinheiro será doado para famílias de baixa renda.
A crítica foi tamanha que Netanyahu já reviu o plano, nesta segunda (20 de julho). Manteve as partes básicas (distribuir dinheiro a todos), mas agora haverá valores diferenciados dependendo da pessoa. Os mais necessitados receberão mais.
Por que Netanyahu precisava de uma medida tão populista? Ele saiu-se razoavelmente bem da primeira onda da Covid-19, entre março e abril. Tomou medidas eficazes e o número de mortos nem chegou a 300, com menos de 20 mil infectados. Mas, depois que a economia reabriu (quase toda) em maio, o mês de junho trouxe de volta o fantasma da infecção em massa. Agora, Netanyahu está sendo forçado a fechar tudo de novo (ou quase tudo).
Netanyahu, líder do partido de direita Likud, tenta se manter no poder depois de 11 anos consecutivos no poder. Ele convocou três eleições para conseguir formar um governo junto com seu “primeiro-ministro alternativo” Benny Gantz, do partido de centro Azul e Branco. E insiste ficar no cargo, apesar de estar sendo julgado em três indiciamentos por corrupção e de ter prometido se retirar em outubro de 2021 como parte do acordo de coalizão com Gantz.
Como eu escrevi aqui na semana passada, a nova onda da Covid-19 estraçalhou os planos de Netanyahu de, nos supostos últimos 18 últimos meses de seu governo, deixar um legado prático para o Estado de Israel mais além de sua eterna guerra contra o programa nuclear iraniano. Queria estabelecer de uma vez por todas as fronteiras do país com um futuro Estado palestino (pense em um país de 72 anos que não tem todas as fronteiras riscadas… É incrível!). Ele planejava fazer isso com seu plano de anexação de partes da Cisjordânia, que, na prática, seria estender definitivamente a soberania israelense a cerca de 30% da área, estabelecendo uma fronteira com a Cisjordânia palestina.
Mas o coronavírus atropelou – ou pelo menos adiou – a ideia. Netanyahu se viu sem plano, sem legado. E está vendo sua popularidade ruir por causa das crises econômica e sanitária. É o pior cenário para ele, que gostaria de deixar uma marca “histórica” e “positiva” para os livros escolares. Distribuir dinheiro foi a opção que tirou da cartola para pelo menos conseguir manter um pouco da popularidade. Só que o tiro saiu pela culatra. Ou, pelo menos, não atingiu o alvo.