O “Dilema El Al”: O governo deve salvar empresa privada que é ícone nacional?

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TEL AVIV – O que fazer com uma companhia aérea “nacional” que está prestes a quebrar por causa do Covid-19? Salvar ou deixar quebrar? Digo “nacional” com aspas porque o dilema é ainda maior quando a empresa aérea nem é do Estado e sim privada. É o caso da El Al israelense, sem dúvida uma empresa-ícone para os israelenses, quase como um símbolo nacional, que já foi motivo de orgulho coletivo, mesmo que, atualmente, goze apenas de um resquício do antigo prestígio.

O governo israelense não facilitou para a El Al, acusada há tempos de ser uma empresa engessada e deficitária por – segundo dizem os entendidos – insistir em manter gastos altos numa época em que companhias aéreas “low cost” cortaram custos e passaram a cobrar a parte pelo amendoim e os fones de ouvido (sem contar a bagagem). 

A El Al já ia mal antes do Covid-19. Quando a pandemia se espalhou pelo mundo, a aviação foi um dos setores mais afetados. Nunca, na história da aviação, quase todas as fronteiras foram fechadas para voos externos e o temor de propagação do vírus levou também a uma diminuição dramática de voos internos. Nada poderia ser pior para as companhias aéreas, incluindo a israelense.

Por meses, os diretores da El Al pedem ajuda do Estado para superar a crise. Se, no começo da pandemia no país, em março, parecia que o governo sairia em resgate, a negociação congelou com o lockdown no país. O governo teve que pensar em soluções para toda a economia, não só para o setor aéreo. Só agora, quando a economia do país começa a se abrir – mesmo que sob perigo de uma segunda onda do vírus – é que finalmente a El Al recebeu a tão desejada promessa de ajuda.

O plano é o seguinte: a El Al emitiria US$ 150 milhões em ações, enquanto o Tesouro nacional injetaria um empréstimo US$ 250 milhões, com promessa de comprar todas as ações que não forem adquiridas pelo público (numa espécie de pseudo-renacionalização). Ainda não se sabe se a direção da empresa vai aceitar. Ela queria uma injeção de US$ 400 milhões. Não empréstimo: doação mesmo.

O plano do governo pode ajudar El Al, mas tudo vai depender da epidemia. Nesta segunda-feira (08 de junho de 2020), a empresa avisou que 5,8 mil empregados continuarão em férias coletivas sem remuneração até agosto. E, provavelmente, vai demitir 2 mil deles. 

Os dados da queda da indústria da aviação em Israel são incríveis. Se, em maio de 2019, 2 milhões de pessoas passaram pelo Aeroporto Internacional Ben-Gurion, no mesmo mês de 2020, apenas 19 mil pessoas embarcaram ou desembarcaram no aeroporto. Uma queda de 99%. A El Al está, no momento, realizando basicamente voos de carga, principalmente entre Israel e China. Só alguns voos de passageiros – poucos – sobraram.

A El Al (“Para cima”, na tradução do hebraico) nasceu junto com Israel, em 1948. Na verdade, alguns meses depois. A independência do país foi declarada em maio e a empresa aérea nacional, em setembro. Com os anos, foi passando a se adaptar à realidade israelense. Todas as refeições são “kasher”, não há voos durante o shabat (o sábado judaico) e a segurança para entrar em seus aviões é uma das mais acirradas do mundo. A empresa também serviu de “braço” do governo em resgates de judeus pelo mundo. Tudo isso aumentou os custos da empresa.

Nas décadas de 80 e 90, a situação financeira já era ruim. Em 2003, um processo de privatização começou. Mas a áurea de “símbolo nacional” continua. Muitos israelenses se sentem “em casa” quando entram em um de seus aviões. Batem palmas em uníssono quando aterrizam no país.

Mas a El Al é privada. Não é responsabilidade do Estado. E aí está o dilema. Salvar um ícone nacional mesmo que não se mostre eficaz em fechar as contas em mãos privadas, ou deixar a empresa cair, deixando Israel órfão de sua empresa área nacional?

Pelo mundo, o dilema é o mesmo. Empresas estatais com a Air India e a Turkish Airlines receberam ajuda do governo. Mas companhias aéreas privadas, como a Latam (que declarou concordata nos EUA), estão à beira do precipício e apelam por ajuda dos governos do Chile e do Brasil.

Em Israel, todos parecem acreditar que a El Al vai sobreviver, mesmo que com apenas dois terços dos funcionários, menos destinos e preços mais salgados para o consumidor. É exatamente com essa percepção e com a imagem de “ícone nacional” que os donos contam quando exigem um “bailout” do Estado.

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