Sobreviventes lembram o Holocausto de longe – o Yom Hashoá na Era Corona

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Depois de Pessach, a Páscoa judaica, que este ano foi realmente “uma noite diferente de todas as outras”, os israelenses se preparam para celebrar uma série de feriados em meio à pandemia do coronavírus. Quatro datas importantes serão celebradas nos próximos dez dias, o que deixa de cabelo em pé as autoridades do Ministério da Saúde, preocupadas em manter o nível de isolamento social no país.

O primeiro desafio começa já nesta segunda-feira, 20 de abril, à noitinha: o Dia do Holocausto (Yom Hashoá) nacional, que termina ao anoitecer desta terça-feira. Como lembrar o Holocausto na Era Corona? A rigor, pode-se lembrar o genocídio de seis milhões de judeus, além de outras minorias, com introspeção, praticando o isolamento social em casa. Mas e os tradicionais eventos oficiais como a cerimônia com sobreviventes em Jerusalém (a ser realizada sem público) e a Marcha da Vida, na Polônia (cancelada pela primeira vez em 32 anos)?  

E pior: e os encontros de jovens com os poucos sobreviventes do Holocausto ainda vivos, que estão no topo da lista dos mais vulneráveis à Covid-19?

Há uns dez anos, o Yom Hashoá realmente era apenas lembrado com uma cerimônia oficial transmitida ao vivo na TV – e que, e isso não é segredo, não era vista por muita gente. Mas, há uma década, um grupo de jovens criou a iniciativa Zikaron BaSalon (Lembança na Sala), pela qual sobreviventes são convidados para contar suas histórias em casas de estranhos, para pequenos grupos – em geral de jovens –, em encontros íntimos e emocionantes. Nada de ver de longe, pela telinha. A ideia era a de que os participantes pudessem se aproximar, perguntar, estar perto e abraçar um sobrevivente.

Só no ano passado, mais de 1,5 milhão de pessoas em 64 países (principalmente Israel, EUA, Rússia e França) realizaram reuniões emocionantes como essas, organizadas pela ONG Zikaron BaSalon. Não só judeus. Muitos não-judeus utilizam a plataforma criada pela ONG para falar sobre o que aconteceu com seus parentes e povos em geral durante o regime nazista.

Mas a sensação é a de que, em 2020, daremos um passo atrás. Voltaremos às telas. Este ano, como no caso do Pessach, tecnologias de reuniões online serão a única solução possível. Mas certamente nada ideais. Imaginem um Zoom com um idoso de 90 anos que está em casa ou em um asilo apenas com seu cuidador? Primeiro, há dificuldades técnicas – afinal, não dá para mandar um voluntário se sentar do lado do sobrevivente para montar a câmera, ajudá-lo a entender como funciona o Zoom e tudo mais. A sorte será se o cuidador puder ajudar.

Além disso, milhares de sobreviventes passaram a adorar contar suas histórias na sala de estranhos um dia por ano, sentindo o calor da conversa, a emoção dos presentes. Recebendo o carinho das novas gerações. Este ano, só 300 vão participar da iniciativa, em Israel. E terão que falar para uma câmera, sem o calor humano e o abraço dos ouvintes.

Para Dana Sender-Mulla, cofundadora do Zikaron BaSalon, a situação certamente não é ideal: “No passado, as pessoas estavam cansadas de ver as mesmas cerimônias e os mesmos filmes e documentários na TVs. De repente, passaram a ter a oportunidade de falar cara a cara com um sobrevivente e escutar sua história mais profundamente. Mas, este ano, nossa maior preocupação é a segurança dos sobreviventes. Milhares vão ficar em casa isolados nesse dia que existe para que nos lembremos deles”, diz Dana.

Dana diz que, para tentar fazer limonada do limão, iniciativas da ONG de registrar em vídeo a memória dos sobreviventes – que diminuem em número a cada ano – foram aceleradas. “Apesar de tudo, quase um milhão de pessoas já se registraram para assistir reuniões de casa, que serão gravadas para a posteridade”.

A sobrevivente Leah Hason, de 84 anos, tinha 4 anos quando os nazistas bateram à porta de sua família na Galícia (atual região entre Polônia e Ucrânia). Ela viveu os horrores do Holocausto e se calou por anos depois que imigrou, em 1948, para o então recém-criado Estado de Israel. Mas participa há anos da iniciativa Zikaron BaSalon, contando sua história para as novas gerações. “Eles ficam sempre chocados”, conta. “Volto 80 anos no tempo e conto como consegui sobreviver apesar da fome e da violência”.

Perguntei a ela se a crise do coronavírus pode ajudar um pouco os jovens a entender as circunstâncias do Holocausto. Afinal, elas passam por uma situação agora que era imponderável há apenas três meses e podem entender que o mundo é muito mais volátil do que parece. 

“Não, não acho que ele compreendem mais por causa do corona. Os jovens de hoje são muito mimados, em geral”, responde Leah. “Para mim, essa epidemia é um piquenique. Fico em casa, com comida, com TV, com jornais… É até irritante que as pessoas reclamem tanto. Não reclamem! Passei por coisas muito piores e não fiquei com pena de mim mesma”.

Apesar da resposta direta e sincera, Leah deixa escapar que ser obrigada a ficar em casa traz algumas lembranças do passado, dos momentos em que ela teve que se ocultar dos nazistas em esconderijos.

Diferentemente do Dia Internacional da Lembrança do Holocausto, estabelecido em 2006 pela ONU e lembrado em 27 de janeiro em muitos lugares do mundo, os israelenses recordam o Yom HaShoá desde 1959 em outra data, em geral em abril ou maio. 

Esperamos que, no ano que vem, os duplos sobreviventes – do Holocausto e do Covid-19 – possam novamente ser abraços pelos mais jovens e contar suas histórias.

Depois do Yom Hashoá, os próximos desafios serão o Dia da Lembrança (dos mortos em guerras e atentados), o Dia da Independência e o Ramadã muçulmano. A esperança é que, apesar de tudo, os israelenses mantenham o isolamento social ao nível exigido pelas autoridades para que, no ano que vem, tudo volte ao normal.

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