Faça o que digo, mas não o que faço: a falta de exemplo pessoal entre os políticos em Israel

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Um centro de pesquisas internacional apontou Israel, em certo momento desta pandemia, como o país mais seguro para estar durante a crise da COVID-19. O país tomou medidas severas cedo, isolou cidades e bairros inteiros, mandou fechar tudo (menos supermercados, farmácias e locais de trabalho fundamentais), ordenou que os cidadãos andem de máscaras e tudo mais. Em meio a tantas restrições, as autoridades do país – como o primeiro-ministro, o presidente e parlamentares – são modelos de bom comportamento e se comportam da mesma forma que exigem dos outros, certo?

Errado. Certamente, não dá para comparar o comportamento de dirigentes negacionistas, que não acreditam na gravidade da pandemia, como no Brasil, na Bielorrússia e no Turcomenistão. Em Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e seu gabinete, bem como a maior parte de elite civil e militar, entenderam logo o que está em jogo. Netanyahu fez questão de anunciar que entraria em isolamento por 14 dias depois que o marido de uma assessora testou positivo para coronavírus. Bom exemplo. Mas ele e outros cometeram deslizes embaraçosos durante o Pessach (a Páscoa judaica). 

A maior pisada de bola aconteceu no começo da crise. O ministro da Saúde, Yaakov Litzman, demorou para compreender a crise do coronavírus, apesar do cargo. Ultraortodoxo, Litzman hesitou em aceitar o fechamentos de sinagogas e a restrição de festas e celebrações religiosas, em meados de março. Assim que a população foi chamada a ficar em casa, ele ainda brigava com outros membros do governo para deixar abertas as mikvaot (banhos rituais para mulheres religiosos). Litzman só parece ter caído em si quando ele mesmo foi contaminado com o vírus e teve que se isolar em casa. Teve que usar a internet e tecnologias modernas como Zoom – conceitos que os haredim abominam.

Muitos culpam a hesitação de Litzman pela infecção em massa entre os haredim de cidades como Bnei Brack e Jerusalém – os maiores focos de coronavírus em Israel. Ele teria demorado a passar a mensagem para os rabinos ultraortodoxos – que mantiveram a conhecida  posição de que “tudo vem de Deus” e que o melhor que todos podem fazer é rezar. Quando esses rabinos deram por si, os focos de infecção já estavam a todo vapor.

De certa forma, a demora de Litzman pode ser compreendida – mesmo que não justificada –  porque ele é extremamente religioso. O que é mais difícil de entender são as deslizadas de líderes seculares. Três deles fizeram o contrário do que pediram aos moradores de Israel, na noite da ceia de Pessach (a Páscoa Judaica). Netanyahu falou em cadeia nacional de TVs e rádios que, este ano, as famílias teriam que celebrar a ceia de Pessach (o Seder) apenas com as pessoas de suas próprias casas. Nada de convidar os pais, os avós e os filhos para o jantar. Nada de famílias que moram em casas separadas se reunindo, como de tradição.

“Vocês precisam realizar o Seder e celebrar o Pessach  apenas com a família nuclear com a qual estão agora”, decretou Netanyahu. “Ou seja, somente com aqueles que já estão com vocês em casa. Não tragam para casa o filho que é estudante em Be’er Sheva, na Galileia ou em qualquer outro lugar, e que não esteja em casa, ou a filha que é soldada”.

Muita gente passou o Seder – celebrado na quarta-feira, 8 de abril – sozinha. Idosos, soldados, parentes distantes. Alguns usaram tecnologias para improvisar uma sensação de “juntos”, mesmo que separados. 

Qual não foi a surpresa, no entanto, quando, no dia seguinte, a população do país descobriu que as maiores autoridades do país, o próprio Netanyahu e o presidente Reuven “Ruvi” Rivlin, receberam a visita de parentes em suas casas para recebrar o Seder. Logo eles, os que mais deram lições de moral na mídia, que ordenaram, ameaçaram com multas, alertaram e pediram. 

Aos 80 anos, Rivlin, o “cidadão número 1” de Israel, é uma das figuras mais queridas e estimadas do país. Costuma ser uma voz de moderação em meio à caótica política do país. Mas, enquanto muitos idosos passaram o Seder sozinhos, ele recebeu na residência oficial do presidente, em Jerusalém, sua filha com o marido e os filhos. Todos fizeram testes de corona antes, mas, mesmo assim, a revelação foi embaraçosa. Afinal, Rivlin pediu a idosos como ele que se encontrassem com seus entes queridos só por Zoom. Com ou sem testes (que aliás, estão em falta no país). 

Viúvo recentemente, realmente seria triste para Rivlin celebrar Pessach sozinho. Mas ele não seria o único idoso do país a sofrer com o isolamento. Rivlin precebeu o emitiu algo parecido com um pedido de desculpas: “Eu li as duras reações e entendo a maioria delas. Desde que minha esposa faleceu, meus filhos têm me ajudado muito em meus assuntos pessoais, principalmente em feriados e fins de semana. Entendo que, quem não conhece a agenda de um presidente, tem dificuldade de entender. Lamento”.

O caso do premiê Netanyahu, 70 anos, também revoltou muita gente. Mesmo apelando para que as famílias celebrassem sozinhas, ele recebeu em sua casa o filho mais novo, Avner, para o Seder. E até divulgou uma foto da ceia nas redes sociais. Para tentar abafar o mal-estar, Netanyahu emitiu um comunicado alegando que Avner está morando há mês em um apartamento vizinho ao seu. Seria um apartamento “no mesmo complexo” do primeiro-ministro e de sua esposa. A justificativa tosca pegou mal. 

Além de Netanyahu e de Rivlin, o parlamentar, ex-ministro da Defesa e ex-chanceler Avigdor Lieberman também recebeu seu filho em casa para o Seder, segundo revelação do Canal 12 da TV local. Em vez de se desculpar ou inventar uma desculpa, ele decidiu reclamar:

“A decisão de Netanyahu e de Litzman de impor um bloqueio geral a todos os cidadãos na véspera da Páscoa como uma solução para o fracasso contínuo dos testes e na esperança de agradar os ultraortodoxos é um escândalo”, afirmou, se referindo à alegação de que, a princípio, a ideia seria de decretar esse bloqueio só para bairros e cidades de ultraortodoxos. 

Cada um inventou uma desculpa: abafar, justificar ou reclamar. Mas, no final das contas, perderam parte da confiança do país. Se querem que todos cumpram com as medidas extremas de isolamento, precisam dar exemplo pessoal. Sem isso, o povo fica confuso. E epidemias florescem com confusão.

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