No último dia 19 de fevereiro, publiquei em meus perfis pessoais do instagram e facebook um breve relato da quão intensa foi a experiência de participar da conferência internacional ” Política e religião no Brasil e nas Américas: Igrejas evangélicas e suas relações com judaísmo, sionismo, Israel e comunidades judaicas”, resultado de uma iniciativa do Instituto Brasil-Israel e do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Ao compartilhá-lo aqui o faço quase literalmente, pois, não desejo que a intenção inicial da postagem seja perdida: fazer chegar a rede de pessoas negras e brancas a que estou conectada, como pequenas atitudes se tornam grandes, principalmente no meio acadêmico e faço isso a partir desse episódio da minha jornada. Alerto para alguns, que esse texto não é para “passar pano pra branco” ou “dar biscoito”, ele é, antes de tudo, uma prova de que não precisamos de muito para mudar as estruturas de desigualdade racial e social.
As interações cotidianas podem ser a revolução que nós, pessoas negras, tanto desejamos. Articulação, coragem, ação, bom caráter e empatia são, a meu ver, palavras-chave nesses tempos tão sombrios.
“Esses dias (após o carnaval, claro) eu vou publicar uma série de fotografias e relatos de coisas que foram impactantes na minha vida nesses últimos quatro meses em que estive no Canadá e em Israel. Esses acontecimentos, lugares, pessoas, contatos, mudaram meu ponto de vista em relação ao mundo e a mim mesma. Sinto que vivi anos nesse período de tempo.Eu voei!
Essa primeira série de fotos é sobre o motivo de eu ter ido à Haifa, em Israel. Fui convidada pelo Michel Gherman, uma semana após a defesa da minha dissertação (setembro/2019) em Recife para participar, em janeiro do ano seguinte, do seminário ” Política e religião no Brasil e nas Américas: Igrejas evangélicas e suas relações com judaísmo, sionismo, Israel e comunidades judaicas”, promovido pela Universidade de Haifa, pelo Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos e Árabes (Niej) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pelo Instituto Brasil Israel (IBI) @Institutobrasilisrael.
Nesse meio tempo, eu e o Michel não tivemos mais contato. Fui para o Canadá e só nos encontramos novamente em Israel. O evento foi o primeiro deste porte que tive conhecimento, e me possibilitou trocar muitas “figurinhas”; com outros pesquisadores do Brasil, EUA e Europa.
Também o primeiro evento em que tive como desafio a língua: sintetizar os resultados de dois anos de pesquisa em 20 minutos, e fazê-lo em inglês. 1 Desafio aceito e cumprido com sucesso. Para ter acesso a uma síntese do meu trabalho apresentado na conferência, basta assistir esse vídeo disponível no canal do Youtube do Instituto Brasil Israel:
Bem, chego às reflexões que desejo fazer. Eu não falei de raça e classe até agora. Mas, lá vai. Durante todo o congresso eu e o @pastorhenriquevieira fomos as duas únicas pessoas negras presentes. E estavamos lá enquanto comunicadores, apresentando e fazendo circular nossas ideias. Sendo visibilizados e ocupando um lugar que é branco, elitista, estruturalmente racista e classista. Alegria é ver o meu cabelo black power se destacando em meio às fotografias do evento. Sinal de que tem preto ou preta no ambiente.
Em notícia de 2015, embora sejamos a maior parte da população (52,9%), @s estudantes negr@s representavam apenas 28,9% do total de pós-graduandos no país. Nos últimos anos houve um aumento devido à política de cotas raciais.
Nós éramos dois, ocupando lugares que temos o DIREITO de ocupar. Nós,pessoas negras em todo o mundo, sabemos que precisamos nos esforçar duas vezes mais para conseguir algo. Clichê que faz parte da nossa realidade. Nada vem fácil. Duvidam da nossa capacidade. Tentam invalidar nosso discurso. Os sistemas nos oprimem com desigualdade em todos os âmbitos, das formas mais diretas as mais sutis. Eu quero destacar que algumas pessoas estão na linha de frente dessa luta e precisam se articular para ir modificando um pouco as estruturas e abrindo caminho para que outros cheguem também. Às vezes, parece que eu sou uma delas: vinte e três anos, cientista social, mestra em antropologia e prestes a iniciar um doutorado na área.
Para os que estão começando como eu, desejo que sejam fortes. Olhem para a frente. Chorem quando necessário, mas, pensem que bater o tempo todo não resolve, entretanto, muitas outras vezes, se faz necessário.
Revidem! Brilhando e sendo luz para que outros negros e negras possam vir seguindo o seu rastro iluminado. Caminhem mirando o sol, as flores no caminho, os cheiros das pessoas e o principal: estejam cercados por gente de bom caráter, gente que tem um coração que pulsa e é REAL.
Por isso citei o Michel Gherman no início. Como um dos coordenadores do evento ele também foi responsável pela minha presença, além de todos os detalhes menores que não cabe citar aqui, mas, foram extremamente importantes. Obrigada, Michel.
Essa luta contra as desigualdade é de todos. É um trabalho conjunto: posicionar-se contra as injustiças e abrir caminhos.
Todas as pessoas brancas que estão na academia também devem fazer o seu papel, se importando com o fator racial na produção do conhecimento científico. Ter o meu paper aceito, desde o início, foi sim uma conquista, haja vista que eu fui também a única mestranda a participar do evento. Celebremos nossas pequenas conquistas nesse mundo de horrores. Agradeço a Aiala Ferguson pelo cuidado e solicitude durante todo pré e pós-evento.
Não é preferência, favorecimento ou meritocracia, é dar voz às pessoas que a estrutura tem oprimido. É dar a primeira oportunidade.
Foi muito bom estar em Israel. Nesses dias da minha caminhada, estive rodeada também pelos rapazes Omar Ribeiro Thomaz, Rafael Kruchin, Paul Freston, Leonel Caraciki, Rodrigo Toniol e Kike Rosenburt de perto. Eles fizeram a viagem ser única ;). Eu acredito que o universo sempre promove encontros únicos.
Seguimos juntos na luta contra racistas, fascistas, machistas, homofóbicos e bolsominions.
Eu sou a existência, resistência e o futuro.
Proud to be black.”