A importância de conhecer o outro: o dia dos visitantes do IBI na Cisjordânia

A importância de conhecer o outro – principalmente se for seu vizinho com o qual a convivência pacífica é um desafio. Foi esse o tema central de um dos dias mais intensos da visita do grupo de influenciadores convidados pelo IBI para conhecer de perto um pouco da realidade de israelenses e palestinos.

Neste sábado (11 de janeiro de 2020), o psicanalista Christian Dunker, o pastor Henrique Vieira e o professor Omar Ribeiro Thomaz foram a Belém e a Ramallah, duas das mais importantes cidades palestinas, para conversar com ativistas e autoridades locais. A visita à Cisjordânia aconteceu depois que o grupo visitou marcos importantes em Israel, como o Museu Yitzak Rabin, em Tel Aviv, a cidade de Sderot, na fronteira com a Faixa de Gaza.

O grupo começaram a visita na entrada de Belém, cidade sagrada para cristãos, onde foram recebidos pelo palestino Jamil Kasas, membro da ONG pró-diálogo “Combatentes para a Paz”.

Na entrada da cidade, uma placa vermelha alerta os israelenses a não avançarem, já que Belém fica na chamada “área C”, sob administração do governo palestino. “Essa placa é parte da construção da narrativa de Israel de que os palestinos são perigosos”, explicou Jamil. “Foi colocada aqui para amedrontar os israelenses e separá-los de nós”, continuou, assinalando que placas vermelhas como essa foram salpicadas pela Cisjordânia desde o fim da Segunda Intifada (2000-2005), quando Israel decidiu construir o chamado “Muro da Cisjordânia” para traçar uma separação física entre os dois povos.

Durante a Segunda Intifada, uma série de ataques terroristas em Israel que mataram 1.000 israelenses. Os contra-ataques israelenses deixaram 3.000 palestinos mortos. A partir de 2002, Israel ergueu uma barreira entre Israel e Cisjordânia. Desde então, israelenses e palestinos enfrentam um afastamento que não existia antes, fazendo com que as novas gerações não conheçam o povo vizinho. “A barreira da Cisjordânia é mais política e menos física”, argumentou Jamil. “Quem quiser passar para o outro lado, consegue sem tanto esforço assim. Mas a separação emocional e política entre os povos, isso é mais difícil de superar”.

Na parte norte de Belém, onde a barreira é representada por um muro de concreto de nove metros de altura, os grafites se tornaram um símbolo dessa divisão e da ocupação militar israelense de um território onde vivem mais de 3 milhões de palestinos.

Jamil Kasas contou sua emocionante história pessoal, que se confunde com a história palestina pós criação de Israel. Ele relatou como foi preso pelo exército israelense ainda adolescente por jogar pedras contra soldados. Segundo ele, as pedras eram jogadas em protesto à invasões dos militares frequentes em sua casa para deter parentes: “Eu fazia isso para me vingar das pessoas que humilhavam a minha mãe e a minha família”, contou. Jamil foi preso várias vezes durante a Primeira Intifada (1987-1990). Mas o que já estava complicado ficou ainda mais trágico depois que seu irmão foi morto por soldados israelenses. “Senti que o céu caía sobe a minha cabeça”, disse Jamil. “Perdi meu irmão e o riso da minha mãe no mesmo dia”.

Jamil prometeu a si mesmo que nunca se aproximaria de israelenses, que, para ele, se resumiam a “soldados, colonos e membros das forças de inteligência”. Mas, após casar e ter filhos, decidiu trabalhar em Jerusalém. Ao conviver com trabalhadores israelenses, percebeu que tinha mais em comum com eles do que pensava. Pouco tempo depois, decidiu ingressar na ONG “Combatentes pela Paz”, que une ex-soldades e ex-militantes palestinos que acreditam na não- violência e na possibilidade de paz. “Todos os conflitos do mundo são solucionáveis. A pergunta é quando vamos nos sacrificar para isso”, concluiu.

Ainda em Belém, o grupo levado pelo IBI pode ver a enorme chave que enfeita a entrada do campo de refugiados de Aida, que simboliza o anseio dos palestinos em voltar às casas que seus pais, avós e bisavós deixaram no momento da criação do Estado de Israel (1948).

Os influenciadores visitaram o Hotel “Walled Off”, do artista plástico anônimo Bansky, que fica em frente ao muro. O hotel foi aberto em 2017 e se tornou instantaneamente uma sensação turística, com seu design distópico e estranho e um museu contando a história da ocupação sob o ponto de vista palestino.

A visita em Belém continuou até a Igreja da Natividade e a Praça da Manjedoura, principal ponto turístico da cidade. Os locais bíblicos marcam pontos importantes do Cristianismo: onde, segundo a tradição religiosa, Maria e José se abrigaram antes do nascimento de Jesus Cristo e onde Cristo nasceu.

Na segunda parte da visita à Cisjordânia, o grupo se dirigiu a Ramallah, centro político e econômico palestino. E foi recebido por Mohammed Odeh, diretor para América Latina do Comitê palestino de Interação com a Comunidade Israelense. Segundo Odeh, os palestinos passam por um momento de frustração política porque não veem uma luz no fim do túnel das negociações com Israel.

“O pior é o fato de que não temos mais uma convivência com israelenses. Cada lado não vê o outro. Esses muros físicos e políticos só nos afastam”.

Mas a maior surpresa do dia foi a presença de Mahmoud al-Habash, assessor para assuntos religiosos do presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmoud Abbas. Habash, quase uma lenda entre os palestinos, explicou o ponto de vista da política palestinos através de um prisma especial: ele foi um dos fundados do grupo islâmico Hamas (em 1988), mas deixou o radicalismo para se tornar membro da facção mais moderada Fatah. Hoje, defende negociações com Israel, aceita a existência de Israel e defende a criação de um Estado palestino ao lado do israelense. “Temos aqui duas narrativas históricas. Mas a disputa entre elas não vai levar a uma solução. Ambos temos que aceitar a decisão da ONU”, afirmou Habash. “Há duas possibilidades: a solução de dois Estados para dois povos ou o estabelecimento de apenas um Estado com direitos iguais para todos. Para mim, na importa, desde que vivamos em paz e dignidade”.

O encontro em Ramallah também contou com a participalão de Shaddad Attili, ex-ministro das Águas e atual ministro do Departamento de Negociações da AP, e Faten Odeh, ativista feminista, que falou sobre a dor das mães palestinas e israelenses em meio ao conflito entre os dois povos.

Ao final do dia, os visitantes brasileiros voltaram a Jerusalém com muito material para pensar e uma certeza: a convivência entre os povos é importante para evitar uma desumanização mútua.

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