26º aniversário dos Acordos de Oslo: um olhar retrospectivo

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Na véspera das eleições israelenses, enquanto marcamos o 26º aniversário da assinatura do Memorando de Entendimento entre Israel e a OLP – conhecido sob o nome de Acordos de Oslo -, e com o plano de paz do presidente Trump, cujos detalhes ainda não são conhecidos no momento em que o artigo está sendo escrito, e onde a incerteza é a coisa mais certa na complexa realidade israelo-palestina atual, é interessante olhar para trás e tentar examinar os Acordos de Oslo à luz de sua relevância hoje, se existir.

Fala sério? Alguns podem perguntar. O que resta para examinar? Basta olhar o quão complexa é a situação atual, e se entenderá imediatamente que isso já está fora do contexto: após anos de bloqueio no processo entre as duas partes, duas intifadas sangrentas; repetidas ondas de terror; divisão radical entre Gaza, tomada pelo Hamas, e a autoridade palestina, liderada pela OLP, nas áreas A e B da Cisjordânia; desengajamento unilateral feito por Israel da Faixa de Gaza em 2005; o conflito armado entre Israel e o Hamas, com a redução sistemática na importância do conflito na agenda nacional e regional de Israel,  que o “administra” em vez de tentar “resolvê-lo”; a falta de parceiro definido no lado palestino; a crescente falta de confiança política mútua, assim como as mudanças geopolíticas significativas que aconteceram desde então, são alguns dos ingredientes complexos da situação. 

Será que os acordos de Oslo são ainda relevantes?

Então, pode parecer controverso, sob essas circunstâncias, mas o fato de que mais de duas décadas e meia após o aperto de mão histórico entre o primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin e o líder da Organização de Libertação da Palestina (OLP) Yasser Arafat no gramado da Casa Branca, e apesar das violações de muitas de suas cláusulas por ambos os lados desde então, tanto os israelenses quanto os palestinos ainda hoje estabelecem suas políticas sob os princípios dos acordos que foram formulados na época. E, ao contrário das tentativas de negar, escarnecer ou diminuir sua importância, parece que esses acordos eram, e ainda são, sem dúvida, um avanço histórico que transformou a realidade de forma radical.

A relevância do processo de Oslo, na minha opinião, não deve ser considerada meramente uma questão de saber se a continuação dele é aplicável de acordo com os mesmos parâmetros e critérios que eram certos há 26 anos. É claro que estamos vivendo em uma era diferente, como em qualquer processo histórico, que precisa ser adaptado e ajustado de tempos em tempos às circunstâncias atuais e futuras.

A relevância está no entendimento de que os Acordos de Oslo, e a nova concepção de diálogo introduzida, geraram uma realidade até então inexistente, e mudou a equação das relações entre os lados. A relevância de Oslo está, a meu ver, na abertura para novas abordagens e novos paradigmas, que foram, e ainda são, tão vitais para resoluções de conflitos e processos de reconciliação, se de fato forem desejados pelas partes.

Permitam-me salientar as mudanças criadas pelo processo de Oslo, que considero significativas e relevantes até hoje:

Até o início do processo, ambos os lados –  israelenses e palestinos – nem sequer reconheciam oficialmente a existência um do outro, havia uma rejeição completa da narrativa e dos direitos de cada povo. Além disso, o Pacto Palestino (documento ideológico oficial dos palestinos) apelava para a erradicação da existência sionista e para a liberação de toda a terra (da margem oeste ao Mediterrâneo) por meio da luta armada e do terrorismo. Israel, por seu lado, e os palestinos, do outro lado, travaram guerra em termos de “jogo de soma zero” – isto é, a conquista de um seria a derrota do outro. 

Ao longo do processo Oslo, no entanto, os dois lados estavam sentados juntos, cara a cara, discutindo conjuntamente seu futuro, apesar de todas as dificuldades substanciais, e das bagagens emocionais, não menos importantes, de suspeita e hostilidade acumuladas em cada lado, por anos.

“Processo de paz,” Peres costumava dizer “é feito entre inimigos”. Parece óbvio, mas não é tão simples. É um processo controverso, polêmico, às vezes cheio cargas de ódio e incitamentos. É extremamente difícil, muito doloroso, quase impossível em alguns momentos. Você eventualmente está sentado na frente de pessoas que foram seus inimigo por anos, pessoas com as quais ao longo de sua vida era proibido por lei (!) falar, e está tentando procurar e estabelecer um denominador comum. Se você deseja alcançar resultados, não há alternativa para um diálogo direto. É o único caminho para construir confiança e superar controvérsias. “Ninguém pode representar as partes melhor do que elas mesmas.”

Além de qualquer aspecto político, o diálogo direto quebrou a barreira psicológica, cujo valor não pode ser subestimado. Embora as relações estejam se deteriorando nos últimos anos, juntamente com o processo em si, o diálogo, especialmente em níveis de trabalho, em questões econômicas e de segurança, continua constantemente. Parece natural e óbvio, mas 26 anos atrás, nada disso existia.

Em relação ao pacto palestino, gostaria de salientar que, pela exigência inequívoca de Rabin, e antes de Israel confirmar a assinatura na Casa Branca, Arafat forneceu uma carta confirmando que os artigos da aliança que negam o direito de existência de Israel tornaram-se inoperantes e não são mais válidos. Ele também anunciou o abandono do terror e da violência e prometeu acabar com o conflito pacificamente. Infelizmente, Arafat foi o primeiro a deixar de implementar essa parte do acordo, o que causou à sociedade israelense um preço sangrento e pesado, e, eventualmente, se tornou um dos principais fatores para o colapso do processo.

Imagino que entre os leitores, há muitos que lembram como era a realidade “imediatamente anterior a Oslo”, mas para constar, vou apontar algumas mudanças estruturais resultantes diretamente do processo: a estrutura governamental atual da Autoridade Palestina, assim como os mecanismos formais de interação com o Estado de Israel (Excluindo Gaza desde 2007, quando o Hamas chegou ao poder), são aquelas originalmente planejadas e acordadas entre israelenses e palestino já na parte inicial das negociações. Na véspera do processo de Oslo, não havia nem Autoridade Palestina, o Governo, o Conselho Legislativo etc, nem a infraestrutura econômica local e nenhum arranjo de segurança. A sede da OLP, liderada por Arafat, ficava na Tunísia, sofrendo de uma posição bastante debilitada, esforçando-se para se posicionar como representante legítimo do povo palestino diante da liderança local nos territórios que ameaçavam tomar o seu lugar. A Cisjordânia e Gaza, que foram conquistadas por Israel durante a Guerra dos Seis Dias, e toda a administração cotidiana dos civis palestinos que viviam lá, ainda estavam sob controle e responsabilidade israelense total. 

Tudo isso mudou há duas décadas como resultado direto dos Acordos de Oslo. É significativo? Bem, é certamente um passo importante para aqueles (eu entre eles), que acreditam que o povo palestino mereça o seu próprio estado independente. É suficiente? Longe disso. Ainda estamos muito distantes de alcançar o necessário, mas certamente foi uma mudança significativa em relação à situação que existia desde 1967.

Um dos erros dos líderes israelenses no processo, a meu ver, reside na maneira como os acordos foram comunicados para dentro da sociedade israelense. Segundo a perspectiva de Rabin e Peres, os bons resultados falariam por si mesmos e convenceriam o público de seu valor sociopolítico e de segurança para o Estado de Israel. Como o processo, em seus primórdios, era confidencial, chegou à consciência pública quando já estava “consumado de fato”, sem preparação prévia e sem construção de expectativas e esclarecimentos sobre os benefícios que traria.  O próprio diálogo com os palestinos, que era quase tabu na sociedade israelense, sacudiu parte do público e caiu nas mãos da oposição como um fruto maduro que imediatamente o enfrentou, olhando o processo como uma ameaça direta ao seu futuro político. Era difícil prever antecipadamente que o processo, que pretendia trazer o fim do conflito e assegurar a existência de Israel como um Estado judeu e democrático, com fronteiras acordadas e seguras, e sem controle de outro povo, causaria oposição política extrema e tão amarga.

Conforme já é sabido, esses fatos – combinados com a sangrenta onda de terror palestina que Arafat não evitou -, levou ao terrível assassinato do primeiro-ministro Rabin, por um assassino judeu. Um evento que permanece até hoje como uma ferida aberta no coração da sociedade israelense. No entanto, o próprio Netanyahu, primeiro-ministro e líder da oposição que lutou contra Rabin, eleito nas eleições seguintes, foi quem continuou com o processo de Oslo, se reuniu com Arafat, apertou sua mão e assinou o “Acordo de Hebron”. Posteriormente foram os primeiros ministros Olmert e Barak que mantiveram algumas rodadas de negociações, mas já com um distanciamento significativo do “espírito original” de Oslo. Com isso, e com as mudanças geopolíticas regionais, o processo praticamente estagnou.

Considero interessante trazer outro ângulo dos resultados de Oslo, menos conhecido, mas também importante: a sociedade civil, que por vezes tende a ser menosprezada, é talvez a fonte de otimismo em nossa realidade perturbada e complexa, e importante para gradualmente construir e criar confiança entre os dois povos. Um dos resultados do processo de Oslo é a atividade civil que começou a se formar entre israelenses e palestinos desde 1993, e que ainda acontece e cresce. As atividades de coexistência e de “People to People” abrangem uma ampla gama de campos: diálogos entre jovens que aprendem a conhecer o “outro lado”, criando conexões e amizades, encontros de profissionais de diversas áreas, acadêmicos, projetos conjuntos nas áreas social, econômica, cultural, saúde, meio ambiente, muitas atividades esportivas, assim como diálogo interreligioso, entre outros. 

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Muitas associações em Israel, na Autoridade Palestina e no mundo estão conectadas, e observá-los é fortalecedor e inspirador. Essas atividades só se tornaram possíveis graças ao processo de Oslo. Na prática, relações eficazes e amigáveis ​​são construídas entre um número crescente de pessoas de ambos os lados, muitas delas jovens. Isto não substitui o processo político formal que deve ocorrer entre os dois lados, e que está muito longe de ser suficiente, mas esses laços civis servem como uma fonte de otimismo. Só podemos esperar que dessas pessoas vá crescer a liderança do futuro, que fará diferença positiva para ambos os povos, como todos nós merecemos.

Imagem: aperto de mãos entre o então líder palestino, Yasser Arafat, e o premiê israelense, Yitzahk Rabin, após a assinatura dos acordos de Oslo mediados pelo presidente Bill Clinton, em 13 de setembro de 1993, em Washington – AFP/Arquivos

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