“O sentido da construção do Templo de Salomão e da sua réplica, tem um significado profundo, porque vai trazer a fé judaica, bem como vai reavivar a fé evangélica. Portanto, nós vamos ter nesse templo a união do cristianismo com o judaísmo, porque todos estarão voltados para o tempo bíblico, quando a fé abraâmica era muito acentuada.”
Assim Edir Macedo anunciou a construção do Templo de Salomão da Igreja Universal do Reino de Deus, no ano de 2010. Quatro anos depois, vestido como um rabino e acompanhado pela harmonia do Hatikva, o pastor inaugurava o maior espaço religioso em área construída no Brasil, superando o santuário da padroeira nacional, Nossa Senhora Aparecida, e antecipando a tal “união” com o judaísmo, que cada vez soaria mais natural aos espectadores da política brasileira.
Na primeira metade de 2018, quando escrevi meu trabalho de conclusão de curso em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a dimensão que este tema tomaria nos debates nacionais não era vislumbrada pelos professores da faculdade. Acostumados a pesquisar e escrever sobre a ascensão do pentecostalismo na política e nas práticas de milhões de brasileiros, não conheciam, para além da superfície, a “religiofagia” que operava não mais nos bastidores de sinagogas, igrejas e gabinetes, mas abertamente nas Marchas para Jesus e comemorações da Independência do Estado de Israel. Nesses dias remotos, camisetas de Jair Bolsonaro sendo vendidas nas ruas ainda escandalizavam setores da intelectualidade e debatia-se nas redes sociais se nomear o então presidenciável não era uma maneira de “normalizar” sua candidatura.
Diferentemente do Rio de Janeiro e São Paulo, em Porto Alegre a força política de setores evangélicos não era algo escancarado. No entanto, os números do Censo de 2010 já evidenciavam que os 150 mil evangélicos que residiam na capital do estado ultrapassavam em 50 mil os judeus de todo o país. Para alguém crescido na comunidade judaica, notícias de evangélicos que vinham conhecer sinagogas surpreendiam cada vez menos e se mesclavam a observações esporádicas dessas aproximações, tal qual a experiência de se deparar, alguns anos antes, com um grupo de jovens portando bandeiras de Israel e sinalizadores, cantando louvores a Cristo e com camisetas escritas “A banda louca de Jesus”, em uma praia do litoral gaúcho.
Fato é que pela primeira vez entrei em um templo pentecostal e conversei em profundidade com adeptos deste ramo do protestantismo. Durante as visitas etnográficas a Igreja Apostólica Plenitude do Trono de Deus, pude observar a incorporação de símbolos judaicos no ambiente religioso e ouvir sobre caravanas cristãs ao Estado de Israel. Apesar de levarem centenas de pessoas a pisarem um Estado moderno, a imaginação da Israel bíblica é o horizonte que se constrói diariamente na palavra dos pastores, nos mantos de oração e óleos importados, bem como nos candelabros e estrelas de David que, ao lado da Cruz, ornam o ambiente do culto.
Aliado a esta imersão, entrevistei um ex-pastor que se convertia ao judaísmo em uma sinagoga da cidade. Esta aproximação simbólica e imaginária do neopentecostalismo com o judaísmo, que culmina em uma aproximação pessoal dos neopentecostais, me parece algo que se tornará cada vez mais visível e levantará questões relativas à conversão dos fiéis. Não à toa, a demanda crescente tem impulsionado “consultorias” e a formação de novos grupos religiosos, como os Bnei Noach, assessorados pela ortodoxia judaica, e os Bnei Anussim, autodeclarados cristão-novos que voltam a praticar o judaísmo após fazer contato com professores de hebraico e liturgia, mas sem ser reconhecidos como parte da comunidade judaica pelas lideranças políticas e religiosas.
Se os evangélicos começaram essa aproximação, hoje se vê com clareza que os judeus a retribuíram e a encaram com naturalidade, ao menos os setores – vejam só, que ironia – “conservadores”. À época, na mesma semana em que ocorria a 22ª Parada Livre de São Paulo, quando setores do ativismo antissionista tentaram boicotar a presença de israelenses no evento, o cônsul de Israel em São Paulo e um ex-presidente da CONIB discursaram no palco da Marcha para Jesus sobre os 70 anos da fundação do Estado de Israel. Antes periférico no quadro das identidades políticas nacionais, o falso jogo de soma zero entre “apoiar Israel ou a causa Palestina” cristalizou-se como um divisor de posicionamentos e aqueles que têm hegemonizado a representação pública dos judeus aproveitam para tentar posicionar discursivamente toda a comunidade ao seu lado.
Entretanto, a multidão judaica supostamente representada, ao mesmo tempo em que vê com bons olhos o apoio político evangélico, fica atordoada com as notícias que recebe sobre a “judaização” religiosa, cultivando certa desconfiança com a “união” profetizada por Edir Macedo. Não compreende bem seus motivos e ignora o embate teológico sobre o lugar dos judeus na História, entre o “Dispensacionalismo” e a “Teologia da Substituição”, que ocorre no interior do protestantismo, em paralelo ao pragmatismo político de alguns quadros pentecostais.
p.p1 {margin: 0.0px 0.0px 0.0px 0.0px; font: 11.0px Arial}
Em 2019, o que se mantém na forma e dá mostras de se aprofundar na intensidade é o incontornável dilema em que se encontram os judeus vinculados aos setores progressistas, isto é, o de rejeitar o apoio de seus irmãos de “fé abraâmica” e desestabilizar certas certezas de seus possíveis aliados na política.
p.p1 {margin: 0.0px 0.0px 0.0px 0.0px; font: 13.3px Arial}
span.s1 {font: 16.0px Arial}
span.s2 {font: 15.0px ‘PT Sans’}
“Entre a cruz e a estrela: um estudo sobre algumas aproximações de setores evangélicos com o judaísmo” está disponível em https://lume.ufrgs.br/handle/10183/182701.
* A foto do texto foi acessada na página do Facebook da Igreja Apostólica Plenitude do Trono de Deus, Porto Alegre, em 7 de julho de 2018.
p.p1 {margin: 0.0px 0.0px 0.0px 0.0px; font: 10.0px Arial}
p.p1 {margin: 0.0px 0.0px 0.0px 0.0px; font: 10.0px Arial}