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Em hebraico, dizemos moad le’poranut quando uma situação tem todos os elementos para explodir. Durante os últimos anos, diversos episódios abalaram a relação entre o Estado de Israel e as comunidades judaicas americanas. Cinco dos principais foram identificados pelos analistas do Instituto Reut, um think tank israelense: primeiro, a recisão do acordo que reservaria parte do Muro das Lamentações para correntes judaicas liberais. Segundo, a publicação de uma “lista negra” do Rabinato que considerava toda uma lista de rabinos como incapazes de conduzir conversões ou mesmo provar o judaísmo de membros de suas comunidades. Terceiro: a aproximação excessiva entre o governo israelense e o governo americano, mesmo indo contra interesses específicos das comunidades judaicas americanas. Quarto: a legislação contra o movimento BDS (que organiza e pede Boicotes, Sanções e Desinvestimentos contra Israel), que acabou por gerar constrangimentos quando ativistas judeus americanos foram interrogados de maneira incisiva ao pousarem em Israel. Quinto e último: a Lei Básica “Israel como Estado Nação do Povo Judeu”, vista por diversas organizações judaicas como pouco comprometida com valores democráticos.
Ontem, somamos mais um episódio à lista. Duas parlamentares americanas, Rashida Tlaib e Ilhan Omar, foram avisadas que seriam barradas caso chegassem a Israel. As duas são do Partido Democrata, ferrenhas opositoras do governo e parte de uma nova tendência de esquerda que se opõe até mesmo à membros do próprio partido. Juntas com Alexandra Ocasio-Cortez e Ayana Pressley, formam o chamado “O Esquadrão”. O ativismo do quarteto atraiu a atenção de Donald Trump, já que endossa uma política migratória mais robusta, um Estado de Bem-Estar social e proteção às minorias, posicionando-se de maneira contrária à agenda dos setores conservadores da sociedade americana.
Israel, na disputa de poder entre as partes, se tornou mais uma das peças do jogo político. Para demarcar oposição à Trump, Ilhan Omar declarou que o apoio do presidente a Israel era por causa dos “benjamins” – citando uma música de rap famosa e insinuando que tudo se dá por interesses financeiros. Benjamin Franklin é a face estampada nas notas de cem dólares. Rashida Tlaib disse que os membros do partido republicano que apoiam Israel “esqueceram qual país representam”. Ao dançarem próximo de ritmos clássicos do antissemitismo, como a ideia de que judeus controlam o mundo dos bastidores ou que existe uma ideia de dupla lealdade dentre aqueles que defendem Israel, se tornaram um alvo fácil. A mistura de uma agenda de esquerda com antissionismo caiu como uma luva para os apoiadores de Trump. “- Mande ela de volta!” se ouviu em um dos comícios do presidente, se referindo a Omar, nascida na Somália.
A viagem obviamente foi objeto de apreensão desde que foi anunciada. Já era claro desde o início de que a programação não era simpática à Israel. Organizada por uma associação da sociedade civil em Ramallah, o itinerário vazado sequer menciona que a viagem passaria em Israel além do desembarque em Tel-Aviv, mas para a Palestina.
Considerando as relações amistosas entre Israel e EUA, o embaixador Ron Dermer já havia declarado que as duas entrariam devido ao respeito mútuo entre as nações. Na semana passada, uma delegação de parlamentares do Partido Democrata pediu que as parlamentares não fossem barradas – exatamente pelo possível dano à imagem de Jerusalém. Havia um aparente consenso no gabinete de Netanyahu. O briefing de segurança do dia anterior foi claro: o melhor cenário seria que as duas cancelassem a viagem, considerando o possível desgaste. Caso chegassem ao país, a meta seria evitar que fizessem da visita um tour anti-Israel pelo Monte do Templo. Mas era claro que proibir a entrada seria pior. A ajuda americana à Israel não existe somente graças ao presidente, mas sim, é fruto de negociações que perpassam tanto o Partido Republicano quando o Democrata. A ideia de barrar as parlamentares não encontrava eco entre as vozes do gabinete de Netanyahu, ou ao menos, não venceu o debate.
Tudo mudou com um tweet. Trump escreveu em sua famosa conta particular que as duas “odeiam Israel e todo o povo judeu e deixar que elas entrem seria um sinal de fraqueza”. Imediatamente, Netanyahu proibiu a entrada das duas alegando que a viagem tinha como objetivo apoiar o BDS e a deslegitimização de Israel. Imagino que aqui tenha havido um nudge, um empurrão para um certo lado: membros do gabinete que não viam com bons olhos a visita agora tinham um álibi para argumentar contra a entrada. Segundo a mídia israelense, a Casa Branca pressionou o governo israelense nos bastidores. O tweet foi somente o resultado final. A reação foi imediata: tanto AIPAC e JStreet – grupos de ativismo judaicos em campos opostos do espectro político – quanto republicanos e democratas se colocaram contra a decisão de veto, considerada como profundamente desrespeitosa face à relação profunda entre EUA e Israel.
Este é o elemento superficial da questão. Barrar parlamentares de uma nação amiga é um gesto desagradável, ainda mais quando a nação em questão é seu maior parceiro militar e político. Boa parte do apoio político e popular que Israel goza nos EUA é pelas mútuas “afinidades democráticas” e o gesto pareceu ignorar a história. O governo israelense tentou repaginar a questão. Negou que o tweet de Trump tivesse influência e anunciou que Tlaib poderia entrar caso pedisse um visto de reunião humanitária, desde que não transformasse a visita em ativismo. O visto foi concedido – ela disse que seria talvez uma última chance de visitar a avó – porém a parlamentar cancelou a visita dizendo que as condições eram intoleráveis. Obviamente, ao estar no topo da propaganda, resolveu aumentar a aposta – ainda que usando a família como forma de se autopromover.
Claro, existe uma lei em Israel que proíbe a entrada de apoiadores do BDS, assim como ativistas que insuflam atividades antissionistas. Porém, até aqui, foi usada contra alvos menores. Ao ser ativada contra políticos americanos, estamos falando de um conflito fundamental entre interesses particulares e alianças estratégicas.
O autor que lhes escreve não tem simpatias pelas parlamentares. Porém, ele observa que os elementos superficiais são fumaça, a questão maior está na reação das comunidades. O judaísmo na diáspora, para se organizar fora de Israel e ao mesmo tempo, se ver como sionista, adotou uma série de discursos e temas. O discurso mais claro e evidente é de que Israel é a única democracia do Oriente Médio, um país para todos os judeus se sentirem acolhidos e que outras minorias são protegidas por lei. Porém, ao sistematicamente adotar posturas que colocam tais ideias em dúvida – tais quais as mencionadas no parágrafo de abertura -, o atual governo intensifica questões cruciais para judeus na Diáspora. Se perguntam: “- Qual é a nossa imagem quando Israel faz x ou y?; – Como podemos conciliar nossa identidade judaica americana com a postura israelense?”. Tais perguntas não são feitas por vaidade. Se a aliança com Washington provê grandes vantagens nos campos da política e militar, o cordão umbilical da diáspora provê legitimidade existencial. Um Estado Judeu que não representa uma comunidade de seis milhões de judeus simplesmente está ignorando sua razão de existir. Quando o mundo judaico olha para Israel e não consegue enxergar seus valores, existe um problema. Quando Israel passa a se guiar por questões pontuais, e não estratégicas, acaba por ignorar fundamentos estratégicos tais quais a sua própria fonte de legitimidade.
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Nesta perspectiva, o embaraço diplomático é o menor dos males. O problema é chegarmos mais perto de estarmos moad le’poranut – entre nós mesmos – do que deveríamos. Por causa de um tweet.
Crédito da Foto: Erin Scott / REUTERS
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