A autora israelense Ayelet Gundar-Goshen participou, ao lado da nigeriana Ayòbámi Adébáyò, da mesa “Angico”, na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), durante a programação da última sexta-feira (12).
A antropóloga Lilia Schwarcz apresentou ambas convidadas, chamando a atenção para o fato de que, apesar de os países de origem das autoras serem longe um do outro, há semelhanças entre eles. Schwarcz apontou também que os romances das duas escritoras narram histórias de amores consensuais, não consensuais e as fronteiras dessas relações.
Narrativas heróicas e aquilo que sai do script
Ayelet revelou que resolveu escrever o romance “Uma Noite, Marcovitch” quando conheceu a família de um antigo namorado cujo vizinho foi inspiração para seu personagem principal, Marcovich. Trata-se de um homem que participou de uma operação na Alemanha nazista, na qual homens judeus se casavam com mulheres judias e as levavam para a Palestina, onde se separavam. O intuito era salvá-las da guerra e da morte. No entanto, um desses homens não quis se separar, pois se apaixonou por essa mulher.
“Essa história real me assombrou. Que tipo de homem poderia fazer uma coisa dessas? Manter um casamento sem a vontade dela? Mas pensei que era muito fácil julgar assim e comecei a refletir o que pode fazer nós nos apegarmos a algo que não é nosso: uma pessoa, uma terra… Mesmo sabendo que não é minha”, refletiu.
Ficção x realidade: a situação política em Israel
Ayelet também respondeu questões sobre seus personagens e a situação política em Israel. Indagada sobre temas como guerra, paz, conflito, liberdade e como os embates individuais entre os seus personagens dialogam com a realidade de seu país, a escritora afirmou que sempre teve um fascínio sobre o mundo privado e global e como o sofrimento individual, muitas vezes, é ignorado em nome de algo maior.
“Todos os países têm sua própria mitologia. As histórias que as mães contam para seus filhos são narrativas nas quais nos apegamos. E o que fazemos com os fatos que não se encaixam nessas narrativas?”, indaga. “Marcovich (meu personagem) não faz parte da narrativa heroica que os israelenses gostam de contar”, completou.
Ayelet ainda enfatizou o poder dessas narrativas. “Sempre ouvi que nós, como judeus e vítimas de atrocidades, deveríamos ter o nosso estado. Durante a guerra, judeus sequer sabem se terão um estado. Depois vem a independência e o sentimento de alcançar algo que esperaram durante dois mil anos. Depois você tem o estado judeu quando você deseja algo por dois mil anos e consegue ter aquilo que desejou, acredita que é o fim, mas é o começo. Por isso, chamo a última parte do meu romance de ‘depois do depois’”, resume.
A representação da figura feminina
Quando questionada sobre a questão de gênero e a ênfase dada a personagens mulheres e homens em sua obra, Ayelet lembrou que, nos contos de fadas, as mulheres são sempre colocadas em segundo plano, aparecem “apagadas”. “A Bela Adormecida dorme a maior parte da história. A Branca de Neve, também. E a Pequena Sereia não tem voz. Não era isso que eu queria para as minhas personagens”, recordou.
“Queria que minhas personagens tivessem uma alta vida erótica, sem punição. Para homens, isso não precisa de justificativa”, comparou a autora israelense.
O conteúdo da mesa na íntegra pode ser assistido no canal da Flip, no YouTube: