Passadas as eleições, a contagem dos votos, a costura do próximo governo Benjamin Netanyahu e as três datas nacionais mais solenes do país (os dias do Holocausto, da Lembrança e da Independência), a política israelense se volta a uma pergunta: Netanyahu – reeleito pela 5ª vez – irá sobreviver aos indiciamentos por corrupção que pairam sobre ele?
É difícil saber a resposta, até porque, ao que tudo indica, a equipe de defesa do premiê está tentando de tudo para ganhar tempo. A primeira estratégia é tentar adiar a audiência com a promotoria pública que pode ditar o futuro de Netanyahu. Até agora, os advogados do premiê nem buscaram o material da promotoria para preparar a defesa antes de um provável indiciamento. O deadline para recolher esse material era sexta-feira, 10 de maio. O dia começou, passou, e nada.
Os advogados reclamam que o promotor-geral, Avichai Mandelblit, não deu tempo suficiente para preparar a defesa para o chamado “shimua”, uma audiência especial depois da qual o procurador geral vai decidir ir adiante o não com o indiciamento. A equipe de defesa recebeu pouco mais de quatro meses para se preparar, mas quer mais: “O tempo que nos foi dado não é razoável”, reclama o advogado Amit Haddad. “Se quiserem realizar uma audiência de verdade e não só assinalar apenas um ‘v’ nesse procedimento, é preciso nos dar mais tempo”.
O “shimua” é a última parada antes do indiciamento. Alguns dizem que é apenas um procedimento burocrático. Outros, que Netanyahu pode, quem sabe, convencer Mandelblit a voltar atrás.
Netanyahu é suspeito em três investigações criminais, apelidadas de caso 1000, 2000 e 4000. O primeiro envolve acusações de que o premiê recebeu US$ 132 mil em presentes de amigos empresários, incluindo charutos e bebidas alcoólicas, em troca de benefícios. O caso 2000 diz respeito à troca de favores com o dono do jornal Yedioth Aharonoth, para receber cobertura jornalística mais amena. No caso 4000, ele é acusado de patrocinar legislação beneficiando a empresa de telecomunicações Bezeq em troca de cobertura positiva no site de notícias do dono da empresa, o Walla News.
Mandelblit anunciou, em 28 de fevereiro, que pretende indiciar Netanyahu – mas não sem antes ouvir sua defesa através do “shimua”. Netanyahu insistiu, em entrevistas recentes, que pretende encarar de frente o procurador-geral para demovê-lo da intenção de indiciá-lo com fatos e provas de sua inocência.
Mas, com a vitória nas eleições e o fortalecimento do partido governista Likud (que passou de 30 para 35 cadeiras no Knesset), o premiê pode tentar não apenas convencer Mandelblit, como também escapar do indiciamento através de algum tipo de imunidade. Uma opção seria aprovar uma legislação chamada de “Lei Francesa”, que protegeria primeiros-ministros em exercício de acusações de corrupção, adiando todo o processo para quando o governante não estiver mais no poder.
Outra tentativa é a tese de que “o povo falou”, isto é: o procurador-geral e outras autoridades deveriam inclinar suas cabeças para a vontade da nação, que reelegeu Netanyahu mesmo sabendo das acusações contra ele. O parlamentar Miki Zohar, por exemplo, saiu em “blitz midiátia” exigindo que a procuradoria abandone os planos de processar o primeiro-ministro porque, segundo ele, “o povo assim quer”. Mas nem os juristas que mais apoiam Netanyahu, como o juiz aposentado Haran Feinstein, concordam:
“É claro que, em termos legais, é uma alegação incorreta. Pela Lei Judaica, tribunais estão autorizados a considerar a opinião pública. Mas, pela legislação vigente em Israel, se há evidências, a piori, de que o procurador acredita que o governante é culpado, ele precisa apresentar um indiciamento. O fato de que o povo querer Netanyahu no poder não pode ser, a meu ver, razão para não indiciá-lo”, disse Feinstein ao IBI.
Certamente, juízes mais críticos a Netanyahu, como Elyakim Rubinstein, são ainda mais contrários a esse tipo de subterfúgio: “Acho que a decisão nas urnas, que é realmente uma vitória para Netanyahu, é um ato político a ser honrado. Mas entre isso e dizer que ele pode fazer tudo porque o público votou nele, há uma distância muito grande”, afirmou Rubinstein em entrevista à rádio Kan Reshet Bet.
Outra sugestão dos partidários de Netanyahu para livrá-lo da Justiça é a obtenção de imunidade parlamentar prevista pela lei da Knesset. Mas tal imunidade não é automática. Netanyahu teria que pedir ao Parlamento a concessão, que é, em geral, solicitada para proteger parlamentares que decidam por ações públicas/políticas polêmicas.
Netanyahu tem compartilhado artigos apoiando a concessão dessa imunidade em suas redes sociais. Em um deles, o ex-ministro da Justiça Daniel Friedmann escreveu que “a imunidade garantirá ao primeiro-ministro a liberdade de ação ao nomear um ministro da Justiça apropriado e lidar com as falhas no sistema judicial”.
A lei não obriga Netanyahu a renunciar, caso seja indiciado. Ele só precisará fazê-lo se for condenado, o que, se acontecer, pode levar anos. Seus opositores afirmam, no entanto, que é impossível governar o país e, ao mesmo tempo, se defender de tantas acusações. Aliás, o próprio Netanyahu pregou que o ex-premiê Ehud Olmert renunciasse, em 2008, por causa de um indiciamento que acabou levando-o à cadeia. Mas, os partidários de Netanyahu não acham que ele precisa seguir seu próprio conselho de 11 anos atrás.
“Ele pode fazer as duas coisas juntas: se defender e governar o país”, diz o juiz Haran Feinstein. “Não há nenhuma razão no mundo para renunciar. Sou defensor, inclusive, da ‘Lei Francesa’. Na minha opinião, enquanto o primeiro-ministro estiver no poder, não deve ter que se preocupar com investigações. Principalmente, por crimes não hediondos como assassinato, estupro ou traição. Pode-se esperar, como na França, até o fim de seu governo. Qual é a pressa?”, pergunta.
Para Eliakim Rubinstein, no entanto, a “Lei Francesa” ou qualquer outro tipo de imunidade não deveriam nem mesmo ser cogitadas: “Não esse é o caminho. Netanyahu é inocente enquanto se prove o contrário. Isso é certo. Mas que lute por sua inocência sem truques políticos”.