A imagem é mundialmente conhecida. De um lado, de óculos e terno preto, o primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin olha e aperta a mão de do representante da OLP, Yasser Arafat, sob os olhares satisfeitos de Bill Clinton, presidente americano, nos jardins da Casa Branca, em Washington. Assim estava selado o tão aguardado acordo de paz entre israelenses e palestinos em 1993, os chamados Acordos de Oslo, que renderam o Prêmio Nobel da Paz no ano seguinte para Rabin, Arafat, e ainda Shimon Peres, chanceler israelense que participou ativamente das negociações para a paz.
O otimismo gerado pela assinatura dos acordos de paz na época, entretanto, não se traduziu em um processo de paz sólido e duradouro. As negociações começaram a vacilar desde o assassinato de Yitzhak Rabin por um extremista israelense, e esfriaram de vez no ano 2000, quando começou a chamada Segunda Intifada na Palestina. De lá para cá, o que se tem é uma volta da hostilidade entre os povos e indefinição política.
Muitas são as dadas justificativas para a destruição das pontes construídas pelo processo de paz. Normalmente, elas são individualizadas, responsabilizando acontecimentos com indivíduos específicos e motivações políticas próprias. Nesta longa lista de motivações está, primeiramente, o assassinato de Rabin, em 1995. Também está uma mudança de postura do novo governo israelense a partir de 1996, a provocativa visita de Ariel Sharon ao Monte do Templo em 2000, uma possível ajuda ou leniência de Arafat com grupos violentos na Palestina e a crescente influência do Hamas.
É fato que a conturbada política palestina e israelense a partir da assinatura dos Acordos de Oslo e algumas decisões individuais foram absolutamente determinantes para a fratura social que aconteceu poucos anos depois de o mundo enxergar, pela primeira vez, construção de paz na região. O que não se discute normalmente são os próprios termos dos acordos, vistos muitas vezes como de maneira simplificada como se fossem termos técnicos isentos para o início da construção da Palestina enquanto Estado. Também é fato que algumas importantes ausências atrapalharam, como a questão dos refugiados e de Jerusalém. Mas será que haviam termos incluídos nesse acordo que dificultassem em si a consolidação da paz? Para isso, primeiramente, precisamos voltar para alguns anos antes dos Acordos.
A estrada para os acordos de paz foi pavimentada com uma violência sem precedentes entre israelenses e palestinos. A Intifada de 1987 chocou o mundo e colocou a política israelense contra a parede para a solução definitiva para o problema palestino. Israel passava por um processo de recuperação econômica após a grave crise econômica dos anos 1980 e ainda via a população aumentar enormemente com a migração em massa de judeus oriundos da antiga URSS, em 1991, e precisava gerar crescimento e trabalho.
A OLP, o outro lado nas negociações, tinha objetivos ainda mais complexos: pacificar os palestinos e se consolidar de fato como o único e legítimo representante do povo depois de uma revolta que nasceu de forma espontânea. Se o lado israelense precisava resolver vários problemas internos além da Questão Palestina, para a OLP, a solução era ainda mais importante e, principalmente, mais urgente. Na hora das negociações de paz, isso fez toda a diferença para os resultados.
Os Acordos de Oslo assinados em 1993 foi seguido pelos Acordos de Gaza-Jericó no ano seguinte e Oslo II em 1995. Os principais acordos econômicos que passaram a vigorar desde então são do Gaza-Jericó, que valeria apenas para essas duas regiões. Quando Oslo II foi assinado, os termos econômicos deles passaram a valer para todo o território da Palestina sob controle da também criada Autoridade Nacional Palestina. A OLP conseguiu sua autonomia política, e passou a se chamar ANP, representar a Palestina em Israel e nos territórios, com o controle civil sobre algumas das principais cidades, embora a questão territorial ainda estivesse complexa e nebulosa. Assim, a elite da organização, composta por muitos palestinos que viveram a vida fora de seu lugar, voltava ao território como a elite política plenamente consolidada e aceita.
Contudo, o preço para isso não era baixo. Primeiramente, Israel impôs a criação de um Mercado Comum com a Palestina, com a obrigatoriedade do livre comércio e tarifas para produtos importados iguais para ambos. Dessa maneira, garantiria o mercado consumidor palestino para ajudar na recuperação econômica, já que era uma economia muito mais forte, produtiva e dinâmica. Se a circulação de bens e serviços era livre, a de pessoas, todavia, foi muito restrita. Isso teve um enorme impacto para a sociedade palestina, porque grande parte da riqueza que circulava nos territórios eram gerados por palestinos que iam trabalhar em Israel e voltavam para casa. Esse número chegou a estar entre 20 e 30% da PEA palestina meses antes da Intifada de 1987, e caiu gradativamente até 1995, quando entrou em vigor os acordos de paz.
O número de palestinos trabalhando em Israel diminuiu drasticamente, e o desemprego permaneceu em alta por todos os anos depois dos Acordos de Oslo, nunca chegando a menos de 16% da PEA. Os israelenses, por sua vez, mantiveram um desemprego menor que 10% por todo o período, mesmo contando com a grande migração de judeus vindos da ex-URSS. Na verdade, o perfil de trabalho que a maior parte desses novos imigrantes ocupavam era de trabalho braçal de baixa produtividade, principalmente na construção civil. Não por acaso, o mesmo perfil de emprego da mão-de-obra palestina em Israel no mesmo período.
Podemos pensar a Intifada palestina de 1987 como não apenas ume revolta nacional pelo direito da autodeterminação, mas uma revolta contra a miséria a falta de perspectiva geradas pela situação de ocupação e, com a mesma importância, pela crise econômica que assolou Israel em meados da década de 1980. Dessa maneira, também podemos pensar que a Segunda Intifada do ano 2000 veio pela perpetuação dessa situação de pobreza, a despeito de possíveis desenvolvimentos das relações internacionais para a criação de um Estado.
A esperança palestina com a sequência de acordos assinados na década de 1990 não deu apenas pela criação do Estado, e sim pela melhoria da qualidade de vida e diminuição da pobreza. A maior parte dos palestinos viu nos acordos a consolidação de uma elite política e econômica palestina que substituiria parcialmente o poder militar israelense. Parte do crescimento econômico registrado na Palestina nesse período é fruto de doações internacionais para viabilizar a criação do novo país, e foi gasto em sua maioria para a formação de uma burocracia protoestatal de políticos e funcionários públicos de elite. A incipiente geração de novos empregos e oportunidades, as questões de Jerusalém e dos refugiados e até mesmo a descontinuidade territorial do território acordado, que obrigava os palestinos a continuar passando por check points, deram a nítida impressão que nada havia mudado. De fato, para o palestino comum, pouca coisa mudou.
Entender o processo dos Acordos de Oslo, portanto, significa entender a solução de problemas imediatos de ambos os lados. Pela OLP, a consolidação na liderança palestina e o ganho de autonomia de maneira mais rápida possível e, pelo lado israelense, pacificar os palestinos e ainda ajudar a resolver os problemas econômicos que ainda assolavam e pressionavam o governo do país. De certo modo, para questões momentâneas, pode-se dizer que Oslo teve seu sucesso, para a OLP e, principalmente, para Israel. A insatisfação do povo palestino se seguiu até o ano 2000, quando explode a Segunda Intifada. A paz tornou-se apenas um sonho fulgaz dentro de um longo e interminável período de beligerância entre israelenses e palestinos, tão frágil e curto quanto um simples aperto de mãos.