Eu era uma jovem soldada quando ele chegou em Israel no dia 19 de novembro de 1977. Lembro-me bem da empolgação que contagiou a todos nós. A imagem inacreditável de Anwar Sadat, presidente do Egito, firme e digno na porta do avião egípcio, no coração do aeroporto israelense, enquanto o presidente de Israel, Yitzhak Navon, o Primeiro Ministro, Menachem Begin, e todos os ministros e autoridades o recebiam. Foi uma experiência que jamais será esquecida por qualquer israelense que viveu aquela época.
Dezesseis meses depois dessa primeira visita, e após intensas negociações em Camp David, nos EUA, o tratado de paz entre Israel e Egito foi assinado. Encerrando 30 anos de guerra entre os dois países, a assinatura se deu no dia 26 de março de 1979, há exatos 40 anos, na Casa Branca, tendo sido testemunhado pelo então presidente dos EUA, Jimmy Carter.
Mesmo antes da assinatura do Tratado de Paz, foi conferido a Begin e a Sadat o Prêmio Nobel da Paz (Oslo, 10 de dezembro, 1978), outorgado por suas contribuições para os dois acordos de Camp David – um que tratou da paz entre o Egito e Israel, e o segundo, parte integrante do primeiro, que lidou com a paz no Oriente Médio e a questão palestina.
Esta história pode parecer simples, mas está longe de ser.
A fim de entender a grandeza, a importância e as consequências do Tratado, vamos dar uma rápida olhada na realidade israelense vivenciada por minha geração (dos anos sessenta) até a assinatura, que tornou-se um marco histórico no cenário israelense, regional e até geopolítico mundial.
Nascidos e crescidos em Israel dos anos 60, o Egito era, para nós, um sinônimo de inimigo, o mais duro e intimidador de todos os países árabes que cercavam o jovem Estado judeu do Oriente Médio.
Adultos e até crianças pequenas, costumávamos ouvir a Rádio do Cairo – Voz dos Árabes (Sawt al-‘Arab), fundada no início dos anos 1960 sob o governo do presidente egípcio Gamal Abdel Nasser. Este não era apenas um “canal de rádio”, mas um mecanismo de propaganda, que transmitia diariamente, em hebraico, discursos de ódio e informações falsas que tinham como objetivo prejudicar a moral do público israelense.
A paz era um conceito sob o qual crescemos, um desejo, uma esperança, um sonho. Ainda assim, longe de ser tangível. E por que? Porque a realidade era exatamente o oposto, com diversas guerras e confrontos sangrentos com o Egito posteriores à guerra de Independência de 1948, à Guerra do Sinai (1956), à Guerra dos Seis Dias (1967), à Guerra do Desgaste (1969-1970) e, por último, à Guerra do Iom Kippur (1973), que deixou a sociedade israelense de luto e ferida, apesar do eventual sucesso militar.
O Egito era um inimigo e a paz apenas um sonho. Mas essa situação mudou completamente de um momento para outro. Quando Sadat decidiu, em 1977, estender publicamente sua mão para a paz e declarou, diante dos membros da Assembléia do Povo do parlamento egípcio, “estou pronto para ir ao Knesset (parlamento israelense) e discutir com eles”, Israel estava pronto, desejoso e apto. Foi assim que Sadat se transformou no primeiro líder árabe a visitar Israel.
Sua declaração provocou reações tempestuosas no mundo árabe, principalmente na Síria, Líbia, Iraque e Argélia, e mais tarde levou o Egito a ser expulso da Liga Árabe. Também internamente, no Egito, Sadat enfrentou uma forte oposição, mas permaneceu determinado a trazer a Península do Sinai (parte dos acordos de paz), ocupada por Israel na Guerra dos Seis Dias, de volta para o seu país.
Begin acolheu imediatamente a disposição de Sadat de ir a Jerusalém, mas rejeitou a exigência de retirada das fronteiras pós-1967. Se Sadat decidir vir a Jerusalém, Begin disse, ele será recebido com o devido respeito. Além disso, Begin emitiu uma mensagem especial para o povo egípcio, dizendo “vamos confiar um no outro, e façamos um juramento silencioso entre os dois povos, Egito e Israel: não mais guerras, não mais derramamento de sangue, não mais ameaças… mas paz”, e convidou oficialmente o Presidente Sadat para visitar Jerusalém.
E Sadat aceitou!
Bastou uma proposta séria de paz do Presidente Anwar Sadat para inverter a atitude pública israelense em relação ao Egito. Na expectativa de que uma luta de décadas entre os dois países terminasse, o apoio à iniciativa de paz expandiu em Israel. A paz foi alcançada e permanece desde então.
É importante notar que o acordo para a paz no Oriente Médio foi fundamental para todos os processos que ocorreriam na região desde então, e provavelmente também aqueles que virão no futuro (sim, sou otimista, mesmo que demore muito tempo para que isso aconteça). As resoluções 242 e 338 do Conselho de Segurança da ONU foram as bases para o acordo de paz.
Sobre os termos dos acordos, quanto aos palestinos, um plano de autonomia para Gaza e para a Cisjordânia deveria ser implementado e um acordo permanente deveria ser alcançado dentro de cinco anos. Quanto a Jerusalém, Begin declarou que a cidade unida não seria mais dividida e continuaria sendo a capital de Israel, e Sadat declarou que Jerusalém árabe era parte da Cisjordânia, e deveria ser devolvida à soberania árabe. Por outro lado, Israel concordou em desmontar suas bases aéreas grandes e sofisticadas no Sinai, abdicar dos direitos às reservas de petróleo descobertas na região, e abandonar a importante e estratégica região.
Embora o acordo de paz tenha aberto uma nova era no Oriente Médio, a realidade nesta região nunca foi simples. Sadat pagou por esse passo histórico e corajoso com sua vida. Em 6 de outubro de 1981, enquanto assistia ao desfile anual que marca a vitória do Egito na Guerra do Yom Kipur, foi assassinado pela Jihad egípcia. A razão para o assassinato foi uma Fátua (um pronunciamento legal do Islã) emitida pelo Sheik egípcio, Omar Abd al-Rahman, na qual Sadat foi definido como um herege por se recusar a aceitar a Sharia (leis islâmicas). Ele foi morto, mas seu vice, Hosni Mubarak, que também estava no palco do desfile, conseguiu escapar e tornou-se o novo líder do Egito.
O que trouxe Sadat ao caminho da paz?
A iniciativa de paz do presidente deve ser vista como parte integrante de sua política anti-nasserista. Sadat virou as costas ao pan-arabismo nasserista que seu antecessor havia concebido e liderado. Em vez disso, concentrou-se em interesses concretos que, acreditava ele, retirariam o Egito da lama em que Abd al-Nasser deixou o país, tanto na política quanto na economia.
Sua posição em relação ao Estado de Israel também deve ser vista como parte integrante dessa nova política. Enquanto Abd al-Nasser se recusou a reconhecer a existência do Estado de Israel, que considerava um implante estrangeiro que deveria ser removido do Oriente Médio árabe-islâmico, Sadat, ao contrário, aceitou a realidade. Esse reconhecimento ajudou a tecer os laços e começar a desenvolver um novo nível de relações entre o Egito e os EUA. Numa retrospectiva, fica claro que o conceito de Sadat se mostrou correto.
Deve-se lembrar que, ao estender a mão para a paz com Israel, Sadat estava determinado a trazer de volta ao Egito cada grão de solo conquistado por Israel, restaurando a honra perdida de seu povo, ferida desde a Guerra dos Seis Dias. Esse aspecto foi parte importante da nova estratégia da Sadat. A única exceção foi a Faixa de Gaza, que ele não quis recuperar por não ser considerada, originalmente, terra egípcia. Assim, este pedaço de terra permaneceu nas mãos de Israel até o desengajamento de 2005.
Há 40 anos, Israel e Egito mantêm relações pacíficas. Durante esses anos, as relações experimentaram altos e baixos, momentos complexos de tensão e até crises, que puseram à prova o tratado de Paz.
Mubarak, que assumiu a cadeira presidencial após o assassinato de Sadat, adotou uma abordagem única em relação à paz com Israel. Devido ao envolvimento americano, ele acreditava que não poderia mexer no acordo que havia sido assinado, mas vinculou a normalização das relações com Israel ao fim do conflito israelo-palestino.
Ao longo dos 30 anos da presidência de Mubarak, as relações bilaterais foram caracterizadas por sua frieza, por um lado, e por serem “adequadas e ajustadas”, por outro. O tratado de paz em seu mandato foi preservado, apesar dos obstáculos que enfrentou, incluindo a primeira e a segunda guerra do Líbano, a Guerra do Golfo e as duas intifadas palestinas.
A revolução da primavera árabe (25 de janeiro de 2011), cuja primeira fase terminou com a demissão do presidente Mubarak, a ascensão da Irmandade Muçulmana e a eleição de Mohamed Morsi para presidente, foi vista como uma ameaça real e imediata ao acordo de paz entre os dois países.
Naquele mesmo ano, as relações entre Israel e Egito atingiram seus níveis mais baixos e perigosos, quando uma multidão enfurecida atacou a embaixada israelense no Cairo e ameaçou os diplomatas que lá estavam. Apesar das exigências americanas e israelenses, o exército egípcio, que governava o país, não interveio para impedir o ataque, embora fosse possível em seus estágios iniciais. Como resultado, a equipe da embaixada foi obrigada a evacuar no meio da noite para Israel, em uma operação especial. Apesar da ira de Israel, o governo optou por agir com moderação, a fim de não deteriorar ainda mais as relações já frágeis entre os países.
Então, onde estamos hoje neste contexto? De Anwar Sadat a Ahmed al-Sisi, o atual Presidente do Egito (desde 2014), qual é a natureza das relações Israel-Egito 40 anos depois?
Em muitos aspectos, podemos considerar al-Sisi como o sucessor dos Presidentes Sadat e Mubarak em termos de seu compromisso com a paz com Israel e sua abordagem estratégica nas questões de segurança e políticas de nossa região.
Com al Sisi, essas relações deram um grande passo a frente. Ao contrário de seus predecessores, ele não hesitou em declarar a paz como um interesse egípcio e, mais importante, em falar claramente sobre seus benefícios. Já em 2016, na assembléia geral da ONU, ele implorou a Israel e aos palestinos que olhassem para o “exemplo maravilhoso” moldado por Israel e Egito e o considerassem “uma oportunidade real de abrir um novo capítulo na história de nossa região”.
Estas palavras fortes e positivas são certamente incomuns no cenário do Oriente Médio e do mundo árabe e, portanto, altamente significativas. Mas o que importa é que elas não são apenas palavras, mas sim, “substância concreta”. Desde 2014, as relações Israel-Egito estão em uma nova era, sendo conduzidas entre os governos de maneira muito próxima, permitindo colaboração mesmo nas questões mais delicadas, tais como a luta do Egito na península do Sinai contra as células terroristas do Estado Islâmico (que fez de Israel um parceiro crítico), a cooperação regional no campo do gás natural, e muito mais.
Por outro lado, as relações entre os dois povos são muito limitadas. A cooperação cultural e turística é mínima, assim como as relações comerciais. Livros didáticos em escolas egípcias estão cheios de incitações contra Israel, e o governo não faz nada para impedi-lo. Mas, no Oriente Médio você precisa de paciência e otimismo, e devemos esperar que esta situação mude com o tempo.
E ainda, não podemos esquecer sequer por um momento que há 40 anos não há guerra e derramamento de sangue entre Israel e o Egito. Talvez seja uma paz “fria” ou uma paz “estável”, mas certamente há paz.