‘’Terroristas de terno’’: como o tratamento dado ao BDS pode indicar mudança de vias para a construção da paz?

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O ministro de segurança interna Gilard Erdan divulgou um relatório chamado ‘’Terroristas de
terno’’. De acordo com o The Algemeiner e Middle East Monitor, esse relatório
analisa 13 organizações internacionais do BDS e estipula que posições de alto
escalão nas organizações eram preenchidas por ativistas com antecedentes
terroristas ou que ainda atuam nessas organizações terroristas. O relatório
conclui que o BDS é empregado como um instrumento ou estratégia para
organizações terroristas como o Hamas e FPLP conseguirem, já que não são
capazes pelas vias violentas, avançar em seu objetivo de aniquilar o Estado de
Israel.

 Em março, um mês depois da divulgação do
relatório, de acordo com o The Algemeiner, O prefeito de
Frankfurt, Alemanha, desenvolve uma coalizão com prefeitos de outras partes do
mundo para estipular medidas de contenção do BDS com a prerrogativa de ser um
movimento “Anti-Israel” e que por impregnar o ódio a sociedade israelense
seria antissemita. Ademais, a aprovação do Senado americano de medidas anti-BDS e o julgamento de 3 ativistas do BDS,
conhecidos como The Humboldt 3, na Alemanha pelo protesto contra um político
israelense, acusados de invasão e agressão. Essa série de acontecimentos
estimulam a criação de algumas reflexões: O BDS falhou em tornar-se uma
alternativa pacífica para a resolução do conflito? O afastamento do BDS do
cenário político israelense e internacional representa uma aversão a esse
movimento em particular ou a uma guinada do governo israelense a desconsiderar
os movimentos sociais internacionais como vozes legítimas para ajudar na busca
pela coexistência?

De acordo com o site oficial do movimento, o BDS
(Boicote, Desinvestimento e Sanções) possui como objetivo a defesa dos direitos
humanos do palestinos: a seu acesso a liberdade, justiça e igualdade. De forma
objetiva, o BDS trata-se de uma organização política centrada na defesa dos
palestinos a seu direito de retorno a suas terra e o fim da discriminação dos
palestinos dentro do território israelense, no âmbito político, econômico e
social. A fundação do BDS é inspirada no movimento de boicote ao regime de
Apartheid na África do Sul, originado em 1959. Na carta intitulada “Convite da
sociedade civil palestina pelo BDS”, é reforçada a necessidade de pressionar o Estado israelense em cumprir os tratados internacionais a partir de medidas
punitivas não-violentas. Sua atuação ao redor do globo é percebida a partir das
manifestações públicas contrárias a referências do Estado de Israel, possuindo
maior eminência na Europa e nos EUA.

Objeto de controvérsias, a atuação do BDS tem sido alvo de críticas tanto dos setores
mais radicalizados da direita israelense quanto de setores progressistas.
Fundado com a premissa de se tornar um legado do bem sucedido movimento de
boicote sul-africano, o BDS, entretanto, recebe críticas progressistas a
respeito de sua atuação, a começar pelo boicote acadêmico, que produziria o
isolamento de setores progressistas da sociedade israelense enquanto fortalece
internamente setores conservadores. Do outro lado, a conjuntura política
israelense pressupõe um maior espaço de atuação para a crítica de linha mais
conservadora: A ideia de que o BDS é um grupo terrorista antissemita.

Os
processos migratórios atuais reacenderam discursos do imaginário reacionário
responsáveis por gestar uma perspectiva negativa sobre a alteridade, como por
exemplo, refugiados e imigrantes tornam-se potenciais agressores e sabotadores
da hegemonia nacional. Esse fenômeno foi conhecido no meio acadêmico como
Orientalismo, tendo como precursor Edward Said: povos estrangeiros se infiltram
na sociedade para desmantelar a ordem existente. Em Israel, na qual
historicamente passou por momentos de aversão com seus vizinhos, além do uso da
shoá como sentimento nacional integrador da identidade dos cidadãos judeus,
críticas ao Estado israelense podem ser percebidas como “ameaças familiares” a proteção nacional nutrida desde o final da Guerra dos Seis Dias por setores
sionistas de direita e do próprio sentido da fundação de Israel, um país seguro
para os judeus depois de séculos de perseguição.

 A questão do terrorismo e do antissemitismo
definem, desta forma, não somente a pauta das campanhas políticas, mas a
própria relação entre Israel e a Palestina. Netanyahu, depois do assassinato de
um israelense, reforça a lei aprovada pelo parlamento com a prerrogativa de “(…) deduzir os salários dos terroristas será completo”. Portanto, quanto mais próximo está a imagem
dos palestinos como terroristas, mais a possibilidade do governo israelense
vetar medidas assistencialistas para essa região e, por conseguinte, menor a
chance de diálogo. Terrorismo é utilizado, portanto, como uma categoria de
intransigência e a sua utilização indica um maior afastamento de potenciais
negociações entre a Autoridade Palestina e o Estado de Israel pela paz.

O fato de que o BDS como um movimento de maior proeminência internacional, apesar
de suas nítidas debilidades como ações antissemitas e uma perspectiva histórica
pouco sensível às singularidade da questão palestino-israelense, pode representar
uma guinada a uma posição irascível do governo israelense a futuros acordos: se
há uma defesa clara da existência de terroristas no BDS, até onde essa tese
poderá ser utilizada para deslegitimar outros caminhos de diálogo desenvolvidos
pela e para a sociedade palestina? O governo israelense tratará de forma
diferenciada o surgimento de novas organizações que critiquem a atuação
estatal? De acordo com Netanyahu em seu discurso na ONU, a recusa
para a uma resolução pacífica é palestina, então nessa lógica, resta somente
esperar do outro lado iniciativas violentas.

Pesquisa e texto: Olga Christina Zunino.

 

A imagem é a capa do relatório divulgado por Gilard Erdan

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