A aproximação de Bolsonaro com Israel não é nenhuma novidade, e é muito evidente desde a época das eleições presidenciais. A relação com o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu é de intensa aproximação. Bolsonaro prometeu a Netanyahu uma “política de grande parceria” com Israel em um encontro poucos dias antes de assumir a presidência. O governo brasileiro também aceitou a ajuda humanitária de soldados israelenses na tragédia de Brumadinho e o novo presidente chegou a prometer uma visita a Israel o mais rápido possível, assim que se recuperasse do atentado a faca que sofreu durante a campanha eleitoral.
Mais do que uma convicção pessoal, Israel é para Bolsonaro um poderoso instrumento político e eleitoral. O discurso “pró-Israel” foi de fundamental importância para a consolidação da candidatura de Bolsonaro entre o eleitorado evangélico brasileiro mais alinhado com uma visão de “sionismo-cristão”. Quando Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, declarou seu apoio à candidatura de Bolsonaro, o fez muito por causa da adoção de muitas simbologias judaicas em sua liturgia, tendo Israel como um grande símbolo religioso para a sua Igreja. A aliança de setores da comunidade judaica com o ainda candidato do PSL, por razão da aproximação com Israel, também ajudou a reforçar o apoio de Macedo a Bolsonaro.
Eleito presidente, Bolsonaro também conta com a bancada evangélica para ter governabilidade na Câmara e no Senado, que obteve aumento de representação nas eleições de 2018. Com toda essa força eleitoral evangélica, é natural que o alinhamento automático com Israel continue. Isso fez o presidente empossado do Brasil em 2019 declarar já nos primeiros dias de governo o plano de mudança da embaixada brasileira e Israel de Tel Aviv para Jerusalém, reconhecendo Jerusalém como capital de Israel e agradando a bancada e o eleitorado evangélico, consolidando a imagem bíblica da cidade como centro de poder e de fé do povo judeu. A decisão, entretanto, não foi tão bem aceita dentro da própria base do governo.
A transferência da embaixada brasileira para Jerusalém afeta diretamente os interesses do agronegócio, afetando diretamente outro importante pilar de sustentação do governo: a bancada ruralista. Isso acontece porque há a grande possibilidade de perda de mercado brasileiro entre os países árabes, contrários à mudança, principalmente na exportação de frango halal.
Frango halal é aquele que é produzido respeitando a Sharia, a Lei Islâmica. Dentre as obrigações para o abate estão, por exemplo, a obrigação que o abate do animal seja em direção à Meca, sem sofrimento e certificado por religiosos muçulmanos. O Brasil é, há alguns anos, o maior exportador de frango halal do mundo. As exportações de frango brasileiro de 2018 totalizaram 3,425 milhões de toneladas e US$ 5,4 bilhões em 2018, apenas no período entre janeiro e outubro. Dessa quantidade, metade tem como destino os países muçulmanos.
Este mercado pode estar em risco concreto com a agenda “pró-Israel” de Bolsonaro. Isso se torna concreto depois da decisão do Egito de suspender a visita do ex-ministro de Relações Exteriores do Brasil, Aloysio Nunes, por conta das declarações de Bolsonaro para a mudança de embaixada israelense para Jerusalém, ainda em novembro de 2018. A retaliação egípcia, na época, fez Bolsonaro recuar de sua posição tão enfática em relação ao tema e declarar: “Pelo que eu vi também é questão de agenda, agora eu acho que seria prematuro um país anunciar uma retaliação em função de uma coisa que não foi decidida ainda”.
Se a retaliação dos países árabes pode irritar os produtores de frango e de açúcar (que, no caso específico do Egito, também é um produto relevante na pauta de exportações brasileiras) e a bancada ruralista, a volta atrás da decisão de Bolsonaro também seria traumática para o governo. No dia 30 de dezembro de 2018, dois dias antes da posse de Bolsonaro e um mês depois da retaliação egípcia, Silas Malafaia, da Assembléia de Deus, declarou sobre uma possível não transferência da embaixada brasileira em Israel para Tel Aviv:
“Eu avalio que ele vai perder crédito para caramba, muito. Ninguém pediu para ele fazer nada, ninguém pôs faca na garganta. Então, agora é melhor ele cumprir, ou então vai ficar chato. Vai ficar muito ruim para ele com a comunidade evangélica. Ele vai perder muita coisa.”
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Após pouco mais de um mês empossado o presidente, a atenção política ainda não recaiu sobre a mudança de embaixada. A posse dos novos deputados, senadores e ministros, eleições das casas legislativas e a tragédia da Barragem de Feijão em Brumadinho ocuparam os noticiários e o tempo dos políticos e da opinião pública. Entretanto, na medida em que o tempo passa, a questão da mudança da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém vai voltar invariavelmente para os noticiários de novo. O conflito de interesses entre a bancada evangélica e a bancada ruralista colocará o presidente do Brasil em uma difícil encruzilhada política no centro da base de sustentação de seu governo. A embaixada ou os frangos?
Foto: Daniel Castelo/Branco Agência O Dia/Estadão Conteúdo