Nada me assusta mais do que o preconceito, a discriminação e o racismo. Quando testemunho ataques a uma minoria, qualquer que seja ela, procuro reagir. Reajo por compromisso de cidadania, por compromisso com os direitos humanos e por compromisso histórico com minha identidade judaica.
Sim, porque sei que o que possibilitou o genocídio judaico na Europa não foi o ódio, ou mesmo a violência: judeus foram perseguidos, internados e assassinados por causa da indiferença. Não fosse a indiferença, os nazistas não teriam subido ao poder, não haveria as leis de Nuremberg, não seriam construídos os guetos e Auschwitz não passaria de um terrível pesadelo.
Tudo isso ocorreu somente porque pessoas viam o que acontecia e se calavam. A indiferença dessa gente é tão responsável pela matança quanto o ódio dos nazistas às suas vitimas. Não fosse a indiferença, o ódio não teria consumado seu objetivo final.
A ópera bufa em que se transformou a política brasileira fez com que experimentássemos a indiferença na semana que passou. Depois da tragédia de Brumadinho, as redes sociais foram inundadas de comentários preconceituosos sobre a chegada de uma equipe israelense para apoiar o resgate. Vejam bem: o debate não era sobre a responsabilidade da empresa no acidente, não era sobre as histórias das pessoas que morreram soterradas ou sequer sobre a flexibilização das leis ambientais que o governo propõe.
Centenas de pessoas decidiram usar as redes sociais para acusar a equipe de Israel, o governo de Israel, o sobrenome judeu do presidente da Vale. Por cima dos corpos e das casas destruídas, surgiram teorias conspiratórias – do nióbio à Venezuela – e teses antissemitas típicas dos discursos nazistas dos anos 1930. Em torno disso, indiferença. Poucos foram os que gritaram e muitos foram os que viram sentido nas insinuações absurdas. A facilidade como narrativas dessa natureza circularam pela rede foi assustadora, a cumplicidade e a indiferença de como elas foram recebidas, também.
Ademais, não foram os socorristas israelenses os responsáveis pela tragédia, não foi o Estado judeu que rompeu a barragem e sequer foi o governo de Israel que produziu o desastre: foi a falta de fiscalização, o descuido com a natureza e a inocuidade de nossas leis. O antissemitismo, como sempre, desvirtua o debate e recoloca o foco em um bode expiatório. Antes eram os judeus, hoje são os israelenses. A dinâmica é a mesma. Eu acuso!
Eu acuso! A utilização de um sobrenome judeu para vincular o presidente da empresa a “interesses sionistas” é digno do antissemitismo de tipo mais rasteiro.
Eu acuso! O surgimento de caricaturas do judeu imaginário nos remete ao pior momento da história europeia.
Eu acuso! A proliferação de teorias da conspiração judaica aproximam o discurso do Brasil a discursos típicos da Alemanha nazista.
Eu acuso! O silêncio e a indiferença de muitos que viram isso acontecer representa cumplicidade ao racismo e ao antissemitismo.
Sim, há uma Israel imaginária que campeia a imaginação do novo governo brasileiro. Mas há outra Israel imaginária que existe na consciência de setores da oposição. Ambos são perigosos e corrompem o compromisso com uma sociedade plural, democrática e aberta.
Na tragédia de Brumadinho nossa única preocupação deve ser com as vítimas, os parentes das vítimas, os animais soterrados na lama fétida e o meio ambiente, inapelavelmente afetado na tragédia. Além disso, devemos homenagear os bravos representantes das corporações que ajudaram nas buscas, sejam os bombeiros de Minas, os voluntários do Brasil inteiro ou, (e por que não?), os socorristas israelenses que vieram prestar ajuda em um momento de tragédia.
Foto: Márcia Foletto/ Agência O Globo