Em uma noite fria de inverno, em 11 de janeiro de 2014, exatamente cinco anos atrás, e oito anos depois de sofrer um derrame e ter entrado em coma, o coração de uma das pessoas que mais marcaram o Estado de Israel, parou. Ariel Sharon, que foi o primeiro ministro de Israel entre 2001 e 2006, e que antes de ingressar na política, foi considerado um dos líderes militares mais proeminentes da história do país, morreu, aos 85 anos de idade.
Entre todas as muitas interseções da história do Estado de Israel, nas quais ele era o líder ou um dos principais jogadores , o último, e o menos esperado dele, foi sua decisão histórica de “desengajamento”. Pouco mais de um ano antes de fechar os olhos e nunca mais acordar, Sharon, o falcão político, que era considerado “o pai dos assentamentos”, decidiu evacuar os assentamentos israelenses da Faixa de Gaza. (08/2005) Até hoje, quase 14 anos depois, e por muitos anos à frente, esta será uma das questões mais polêmicas que a sociedade israelense passou, cujas ramificações ainda não estão plenamente finalizadas.
O que o levou a essa decisão?
Além do aspecto de segurança, ao qual me referirei mais tarde, houve várias motivações que se fundiram e levaram Sharon a dar esse passo. Originalmente, o desengajamento de Israel da Faixa de Gaza no verão de 2005 pretendia acabar com o fardo dessa área, onde hoje vivem perto de 2 milhões de habitantes, desafiar os palestinos a construir um Estado responsável e funcionando, e trazer uma mudança fundamental na natureza do conflito em curso entre Israel e os palestinos. Mais ainda, Sharon entendeu que, se Israel não tomasse medidas para mudar a realidade, colocaríamos em risco nosso próprio desejo de permanecer um Estado judeu e democrático. Ele acreditava piamente que esse passo unilateral, resultado também da “estagnação”; no diálogo entre Israel e os palestinos, criaria um avanço positivo na situação, que beneficiaria Israel, primeiro e principalmente.
Lembrando aos nossos leitores, nesse contexto, que em contraste com a região da Cisjordânia, Israel e o povo judeu nunca tiveram alegações históricas ou bíblicas sobre a área de Gaza e, portanto, Sharon acreditava que sua decisão seria mais fácil de ser “engolida” pela ala direita da sociedade israelense.
Antes de tentarmos analisar se a decisão foi certa ou errada, sinto uma obrigação moral de dizer umas palavras sobre os colonos e de me relacionar ao aspecto humano do desengajamento. Eu respeito e entendo a dor humana de pessoas que foram forçadas a deixar suas casas e começar tudo de novo, contra a sua vontade, bem como a grande ruptura que isso causou para as crianças que lá nasceram , que não conheciam outra realidade. A tristeza dos colonos pela perda do que eles viam como uma missão de vida é clara para mim. Eu tenho minhas próprias opiniões, e pessoalmente, eu nunca teria considerado tal movimento, porém, considero que não é a arena para debater a decisão original daqueles que se estabeleceram ali quando lhes foi permitido, ou mesmo oferecido. O governo lhes permitiu fazê-lo em primeiro lugar, e este aspecto – certo ou errado – deve ser discutido dentro das regras democráticas, e nas urnas.
Então, será que a atual e complexa situação entre Israel e os palestinos em Gaza é um resultado direto do desengajamento?
No debate político entre coalizão e oposição, é muito comum de afirmar que, na verdade, essa é a razão da situação atual e pintar a decisão de desengajamento em cores escuras e em palavras duras como “desastre” ou “insensatez”. Essas palavras também servem a um futuro interesse político: embora elas não expressem realmente a intenção de que Israel retorne a Gush Katif (A área do assentamento israelense no sul da Faixa de Gaza, que foi evacuada), elas pretendem evitar qualquer futura evacuação de assentamentos, se e quando surgirem. Mas, como sempre, a realidade é muito mais complexa, e a tendência humana é esquecer o que aconteceu na região às vésperas do desengajamento, o que empurrou-o mais do que qualquer outra coisa a tomar essa decisão.
O período antes de sairmos de Gaza estava longe de ser pacífico. Dezenas de soldados e civis israelenses pagaram com suas vidas em centenas de ataques a tiros, morteiros e outros incidentes violentos. Gush Katif, estava longe de ser uma área de “boa vizinhança”. O incêndio de Qassam em Israel começou em abril de 2001, quatro anos antes do desengajamento. Apenas em 2004, por exemplo, enquanto Israel ainda estava bem fundo na Faixa de Gaza, 1.528 foguetes foram disparados de Gaza contra as cidades, kibutzim e comunidades israelenses. O número de mortes israelenses entre 2001 e 2005 foi grande e pesado (e maior do que o número de fatalidades desde então). A saída de Gaza pretendia dar uma resposta de segurança ao alto custo da vida humana. Em outras palavras, um dos principais motivos por trás do Plano de Desengajamento veio de considerações frias de segurança.
No contexto do processo de tomada de decisões, também deve ser lembrado que Sharon queria deixar Gaza, mas não estava disposto a conduzir negociações sobre isso com os palestinos. Era um “segredo público” que Sharon não confiava nos palestinos, nem em Arafat e seus sucessores. Sua suspeita natural levou-o a decidir sair de Gaza unilateralmente e sem discutir o processo com os elementos moderados da região.
Algumas das decisões anteriores de Sharon provocaram o ódio dos palestinos, a irritação da comunidade internacional e muitas críticas em Israel (Como, por exemplo, sua visita polêmica à mesquita Al Aqsa em Jerusalém, em 2000, quando ele ainda era o líder da oposição israelense.)
Mas com a retirada de Gaza, ele recebeu muitos elogios, não incluindo, naturalmente, a ala direita da sociedade, que considerou esta decisão um erro colossal. Na arena internacional, essa decisão do governo de Israel (da qual o nosso atual primeiro-ministro, Netanyahu, resistiu, mas votou a favor), foi percebida como mensagem corajosa e positiva que também rendeu a Israel “pontos a favor”; significativos na época, mas acabou criando outros problemas.
Deve-se ter em mente que o confronto violento entre Hamas e Fatah (OLP) em 2006-2007, que terminou com a tomada da Faixa de Gaza pelo Hamas, toca, antes de mais nada, no conflito interno entre as duas facções palestinas. O conflito entre o Fatah e o Hamas está enraizado em uma competição de longa data pela hegemonia nacional palestina, que estourou na época, como resultado da influência da morte de Yasser Arafat em 2004 e das eleições do Conselho Legislativo Palestino de janeiro de 2006. Será que o desengajamento contribuiu para isso? Aparentemente, sim. Mas não seria correto atribuir o status atual do Hamas em Gaza ao desengajamento apenas. No entanto, durante os preparativos para a implementação do plano de desligamento, foram feitas tentativas para prever a situação na Faixa de Gaza após a implementação do plano.
Embora o Comando Sul das forças de defesa de Israel, tenha levantado a possibilidade de que o Hamas conquistasse o poder, passasse a controlar a Faixa de Gaza controlada então pelo Fatah (OLP) e exacerbar os combates em Israel, as fontes da Inteligência Militar acreditavam que, no final do plano de retirada, a ameaça do terrorismo iria diminuir e a tranquilidade e segurança prevaleceria. Infelizmente e, eventualmente, essa avaliação não se concretizou.
As consequências do desengajamento não corresponderam às expectativas – meio ano após sua implementação, o Hamas venceu as eleições parlamentares palestinas e, um ano depois, a organização assumiu o controle da Faixa de Gaza. Projetos econômicos e civis planejados para serem executados como parte do processo de construção de um Estado palestino fracassaram, a violência e o terrorismo da Faixa de Gaza contra Israel não só que não pararam, mas muito pelo contrário… eles eventualmente cresceram.
Com a sabedoria da retrospectiva, talvez fosse possível prever o desenrolar dos acontecimentos, mas mas isso é apenas um “palpite educado”. É verdade que antes do desligamento não havia Grads em Ashdod, Ashkelon, Beer Sheva e Tel Aviv e que hoje em dia a vida dos assentamentos israelenses próximos a Gaza, que estão dentro da Linha Verde, sofre com uma realidade difícil, complexa e inaceitável, de terrorismo de balão e ataques periódicos e intensos de mísseis. No entanto, os túneis estavam na área antes mesmo do desengajamento, e o Qassam apareceu pela primeira vez bem antes, e ao longo dos anos melhorou seu alcance e a qualidade do fogo.
Isso teria sido evitado se não tivéssemos saído?
As rodadas de violência em Gaza não começaram com o desengajamento, e aparentemente, teriam acontecido sem a evacuação dos assentamentos, o que tornaria as operações militares na Faixa de Gaza muito mais complicadas para as FDI e muito mais perigosas para a população israelense que vivia lá. A que preço humano, civil e militar ? Não se sabe, e talvez nesta fase seja melhor não tentar adivinhar.
A direita israelense fala quase nostalgicamente sobre o período anterior ao desengajamento, mas, mesmo depois de quase 14 anos – dos quais quase uma década sob Netanyahu – nenhum primeiro-ministro propôs uma reocupação de Gaza e nem um único ministro da Defesa derrubou o Hamas . Ouvimos muito sobre os danos causados pelo desengajamento, mas, infelizmente, nenhuma solução alternativa foi encontrada para melhorar a situação até agora. E o que aconteceu na linha de confronto entre a Faixa de Gaza e a fronteira israelense desde o desengajamento? Vou anotar apenas pontos principais, porque este é um tópico muito maisamplo, que pode e deve ser discutido separadamente.
– A crise humanitária em Gaza está se deteriorando dia a dia. Pobreza, nível extremo de desemprego e privações são as piores e mais negativas ferramentas no serviço da tranquilidade desejada. O seja: Isso em si é uma ameaça para Israel.
– Lembrando, neste contexto, o caso de Gilad Shalit, o soldado israelense que foi capturado na fronteira com a Faixa de Gaza por militantes palestinos (6/2006), e feito refém pelo Hamas. Com a mediação do Egito, Israel chegou a um acordo com o Hamas, (10/2011), para a libertação de 1.027 prisioneiros palestinos em troca do retorno de Shalit a Israel.
– Houve três rodadas de confrontos entre Israel e Hamas, nos quais Israel lançou três operações: Operação Chumbo Fundido em 2009, Coluna de Nuvem em 2012 e Margem Protetora em 2014. A interrupção de cada uma dessas rodadas de conflito sem um acordo foi na verdade a base para o próximo confronto.
– O terrorismo de balão, demonstrações em massa dos palestinos contra a cerca de separação, incêndios de vastas terras agrícolas e pastagens e enormes quantidades de mísseis atirados em direção às cidades, kibutzim e aldeias fronteiriças a se tornaram a dura e sombria realidade do ano passado (2018).
– As consequências destrutivas destas rodadas encorajaram o Hamas a se rearmar, com ênfase no desenvolvimento de foguetes de longo alcance, o reforço das capacidades de produção independente de armas e munições e o escavamento de túneis para infiltração, contrabando para a fronteira egípcia e infiltrando Israel em ataques terroristas. Uma parte significativa dos túneis foi destruída por Israel e, com todas as tentativas de regulamentação, a próxima campanha é apenas uma questão de tempo.
Apesar da recusa de Israel e do Hamas em reconhecerem-se mutuamente, negociações não-diretas estão em andamento entre as partes, que visam alcançar uma calma acordada (Tahdia), sob os auspícios do Egito, e sem a integração da Autoridade Palestina )Uma questão complexa, por si). Tal acordo, se e quando for alcançado, também pode permitir o alívio da crise e a implementação de projetos civis para o benefício da população da Faixa de Gaza. Nesse estágio, ambos os lados negam a existência de qualquer tipo de diálogo, e a chance de que isso aconteça em um acordo está longe de ser realista. Há intervalos curtos nas confrontações, de tempos em tempos, que vêm depois de uma sequência difícil de enfrentamentos, mas ainda estamos longe de ver para onde tudo isso está indo.
Como parte desse processo, o governo israelense permitiu a entrada de dinheiro do Catar em Gaza, destinado a pagar os salários dos funcionários públicos do Hamas, que por meses não haviam sido pagos. O ato foi percebido em Israel da maneira mais controvertida, porque também foi feito unilateralmente e sem qualquer “compensação”; a Israel. Até o momento da escrita, dois “pulsos” do dinheiro já entraram, e transferências de dinheiro adicionais são esperadas.
Quo Vadis?? Para onde estamos indo daqui?
Suleiman Demirel, o lendário primeiro-ministro da Turquia, disse na época que no “Oriente Médio, se você não é convidado para jantar, você faz parte do cardápio”. Isso nunca foi tão verdadeiro, especialmente nos últimos anos, quando o Oriente Médio sofre choques tectônicos e o equilíbrio de poder entre as superpotências, países, e atores não estatais que começaram a desempenhar um papel decisivo nos desenvolvimentos na região, como o Hamas, o Hezbollah etc. mudou os valores de sua conduta e suas regras de jogo. Nada do que era verdade na época continua a sê-lo, e as avaliações da situação estão mudando quase na mesma velocidade dos desenvolvimentos tecnológicos do nosso tempo. O nível de ameaças em todo o Oriente Médio aumentou e o nível de segurança pessoal diminuiu. O mapa de ameaças e com ele o mapa de interesses está mudando.
Naturalmente, o desengajamento faz parte do mesmo quebra-cabeça e não poderia escapar das transformações que afetam a região. A realidade que prevaleceu quando Sharon tomou essa decisão e a situação geopolítica regional e global atual são completamente diferentes do que conhecíamos em 2005. Se a decisão que foi tomada há quase 14 anos era justa ou equivocada, permaneceu principalmente uma questão da política interna israelense , e de fato, muito menos relevante, porque toda a realidade mudou.
O que resta, na minha opinião, é que, uma vez que Israel, com certeza, não quer e não pode permitir “tornar-se parte do cardápio …” , ele deve liderar o caminho e “tentar ser o próprio chef”. Mas mesmo isso não é simples no momento, já que Israel entrou em um período eleitoral. Isto coloca a situação atual vis-à-vis o Hamas, a meu ver, em uma posição ainda mais sensível. Posso apenas estimar que o Hamas certamente não hesitará em explorar a situação, enquanto Israel tentará se conter e evitar o confronto direto que pode se tornar complicado em si e até afetar os resultados das eleições. (Para aqueles que se lembram, durante a campanha eleitoral entre Peres e Netanyahu em 1996, nós tivemos um caso semelhante, quando Peres, aprovou a operação “Vinhas da Ira” no Líbano, durante a qual muitos civis morreram, e isso afetou negativamente a natureza da votação e os resultados.)
Na prática, estamos falando de pelo menos meio ano – desde o atual período pré-eleitoral até a formação do próximo governo, no qual o governo de Israel, não importa qual governo seja, pode realmente lidar com a questão, formular e implementar estratégia e realizar movimentos significativos. Isso não significa que Israel “vai ficar sentado de lado” e permita que o Hamas faça o que quiser. Israel, é claro, responderá tanto quanto precisar e da maneira que achar melhor, mas provavelmente continuará a evitar um confronto mais sério, que é complexo de qualquer maneira.
Assim que “a batata quente” está esperando o próximo governo, que deve definir e formular sua política, não apenas vis-à-vis o Hamas, mas claro – vis-à-vis o conflito palestino como um todo, e todas as outras questões regionais e internacionais. O desafio é enorme, mas acredito que podemos conseguir isso, apesar dos muitos obstáculos esperados e menos esperados. Por quê? porque não podemos permitir a continuação da situação como está, nem sua deterioração. Deveríamos, de fato, nos esforçar para que a ideia original por trás do desengajamento, com todas as adaptações necessárias, se torne real e tão positiva quanto possível.