Há um mês (no dia 23 de novembro de 2018), o portal israelense YNET, do jornal Yedioth Aharonoth (Últimas Notícias) publicou o que parecia ser um furo de reportagem: o primeiro-ministro israelense, Benjamin “Bibi” Netanyahu, não iria comparecer à posse do novo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, no dia 1º de janeiro de 2019, em Brasília. Segundo a reportagem, a crise interna da coalização de governo liderada pelo Likud, o partido conservador de Netanyahu, seria tão extrema que Bibi não poderia se dar ao luxo de se ausentar nem por 24 horas do país.
A notícia – que estava errada – talvez tenha sido apenas um balão de ensaio vazado por algum assessor de Netanyahu para colocar pressão sobre os membros da coalizão. O governo de direita estaria tão frágil que ninguém poderia ficar longe do Knesset (o Parlamento, em Jerusalém), sob perigo de algum desastre político como aprovação de leis apresentadas pela oposição ou, pior ainda, rejeição de leis importantes para o governo.
Afinal, depois que o partido “Israel Nossa Casa”, do ex-ministro da Defesa Avigdor Liberman, deixou a coalizão – em meados de novembro –. Netanyahu passou a contar com apenas 61 das 120 cadeiras do Knesset. É o que se chama, por aqui, de “coalizão estreita”. Qualquer parlamentar que vá ao banheiro na hora de uma votação importante e pronto: a oposição pode vencer votações.
Mas, apesar da preocupação, é impossível saber se Bibi realmente cogitou em desistir de viajar ao Brasil. A realidade é que ele será o primeiro premiê israelense a pisar em solo brasileiro – durante seu mandato – em mais de 70 anos de existência do Estado de Israel. E mais: não será uma visita relâmpago de “bate-volta”, como também chegou a ser anunciado. Netanyahu embarca dia 27 de novembro e … e volta, ao que parece, no dia 02. É possível, no entanto, que volte mais cedo, dia 30. É uma viagem de pelo menos três dias, mesmo tempo dispensado por Netanyahu, no ano passado, a Argentina, Colômbia e México juntos”.
A atenção ao Brasil é justificada, pelo ponto de vista de Netanyahu. Não é todo dia que um líder de um país continental como o Brasil revela tanta apreciação em relação a Israel. Para o primeiro-ministro, a importância é múltipla: o Brasil pode, segundo ele, encabeçar uma ondo “pró-Israel” na América Latina, uma espécie de “backlash” a quase duas décadas de governos de esquerda que se afastaram, criticaram e até mesmo boicotaram o país. Netanyahu busca votos na Assembleia Geral da ONU, onde não conta com o veto americano (como no Conselho de Segurança). O Brasil, quem sabe, pode levar a um efeito dominó latino.
Netanyahu também quer muito que a promessa de Bolsonaro de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém seja realmente cumprida. Seria uma excelente maneira de fortalecer sua imagem como um primeiro-ministro que conseguiu convencer parte do mundo a reconhecer Jerusalém como capital de Israel. Isso é particularmente importante porque, como se diz em Israel, “há cheiro de eleições no ar”. As próximas eleições gerais devem acontecer no primeiro semestre de 2019, segundo os principais analistas políticos. Uma melhora no status internacional de Israel será a base da campanha eleitoral do premiê.
“Em termos das relações exteriores, esta é uma viagem muito importante para Israel”, escreveu a blogueira política Tal Schneider no Twitter. “Há anos, os presidentes do Brasil são hostis a Israel. Lembro-me dos discursos na ONU de (Lula) da Silva com manchetes contra nós. Trata-se de um poder econômico classificado como 9º no mundo”.
Schneider escreveu uma série de tuítes sobre a viagem de Netanyahu ao Brasil, nos últimos dias. Num deles, defende o relacionamento próximo de Bibi com Bolsonaro – evidenciados pela conversa telefônica entre os dois logo após o 2º turno das eleições e pelos encontros com o embaixador israelense em Brasília, Yossi Shelley.
“Eu também li as críticas que apontam o vencedor, Jair Bolsonaro, como anti-LGBT, anti-mulheres, anti-LGBT, hostil a minorias e tudo o que é anti-liberalismo. Mas, se esta é a principal medida das relações exteriores de Israel, então não teríamos relações com a China, o país número 1 no mundo em execuções (de pena de morte)”, escreveu Tal.
Obviamente, Netanyahu também busca oportunidade de negócios no Brasil. O país, com seus mais de 200 milhões de consumidores, é uma oportunidade e tanto. Não se sabe o quanto Netanyahu sabe sobre as entranhas da crise econômica nacional. Mas, certamente, enxerga uma das 10 maiores economias do mundo como possível importadora da tecnologia israelenses (incluindo tecnologia militar).
Empresários entendem a relevância do relacionamento com o Brasil. Mas, para a maioria dos israelenses, no entanto, não parece clara a importância da viagem. O Brasil ainda é visto, por aqui, apenas como um destino exótico para jovens pós-serviço militar. Justamente há alguns dias, o Rio de Janeiro foi a estrela do programa “Passeio depois do exército” do canal de TV Kann 11. As belezas do Rio – mulheres na praia e escolas de samba – foram apresentadas lado a lado dos perigos – favelas, traficantes e drogados.
Na imprensa israelense, a viagem de Netanyahu para a posse de Bolsonaro ainda não recebeu análises mais profundas ou criou manchetes (a não ser uma entrevista com Bolsonaro no jornal Israel Hoje, pró-Netanyahu).
Oposicionistas não perderam a oportunidade de criticar a viagem de seis dias ao Brasil. O jornalista Anshel Pfeffer, por exemplo, questionou a ausência de quase uma semana de Bibi depois que o próprio premiê avaliou este momento como “um período sensível” por causa da revelação de quatro (até agora) túneis clandestinos subterrâneos do Hezbollah na fronteira Norte.
“Uma das duas: ou estamos em um período sensível de segurança, que justifica que Netanyahu esteja servindo também como ministro da Defesa, ou não há problema algum e o primeiro-ministro pode estar ausente do país por quase uma semana para ir ao Brasil. Ambas as coisas não podem ser verdadeiras”, escreveu Pfeffer.