“O cinema é um reflexo cultural do que ocorre na sociedade”

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Bruno Szlak, doutor em Letras pelo programa de Estudos Judaicos e Árabes da USP, começa a ministrar, dia 24 de outubro, um curso de extensão sobre cinema israelense, na unidade da Rua Maria Antônia, com apoio do IBI. Saiba os detalhes do curso aqui.

Segundo o professor, o objetivo das aulas é aproximar o público brasileiro de problemáticas israelenses por meio de filmes e séries.


Bruno Szlak

Abaixo leia a entrevista concedida pelo professor. 
 
Em que medida o cinema israelense é reflexo das ideologias hegemônicas em Israel em cada período histórico e em que medida, por outro lado, ele desafia essas perspectivas dominantes?
O cinema é, sem dúvida, um reflexo cultural do que ocorre na sociedade em geral. Reflete conflitos tanto no campo dominante, como em cada diferente movimento histórico. Mas também funciona como veículo de questionamento e contestação de campos periféricos que não estão no centro, no domínio. Eu não diria que há uma influência direta de uma ideologia. Mas uma conversa, uma troca entre os vários movimentos, os problemas e aquilo que é construído e apresentado na tela do cinema ou da televisão. 

Quais os principais pontos de inflexão na história do cinema israelense que revelam guinadas ideológicas no âmbito da própria sociedade israelense?  
Inflexões ocorrem com mudanças de momentos históricos na sociedade. O fato é que até a formação do estado e até mais ou menos uns 15 anos anos após essa formação, no começo dos anos 60, a gente tem o domínio claro do que se podemos observar de um cinema sionista, cujo o objetivo é a construção do sabra, pioneiro, o novo judeu, em contraposição ao judeu da diáspora, fraco e afastado dos valores da terra. A estética desse cinema é muito influenciada pelo cinema socialista russo. E a construção é sempre heróica e de sacrifícios. Alguns anos depois, com a chegada principalmente dos imigrantes orientais, os “mizrahim”, que acabam se tornando quase maioria na população israelense, ocorre um claro conflito étnico, que é dominado ainda pela ideologia sionista ashkenazi. Ou seja, o ashkenazi, procura transformar toda a população mizrahi neste novo judeu, deixando toda a cultura oriental para trás. 

E o cinema, neste caso, retrata muito bem. Com filmes chamados “burekas”, eram comédias que retratavam exatamente esse judeu mizrahi, meio atrasado, chegando na sociedade israelense mais adiantada, cultural e de maneira geral são comédias e mostra muito bem esse conflito. Esse filmes mais ou menos vão de meados dos anos 60 até começo dos anos 70.

Depois, começa outro momento histórico importante, a guerra de 1967, a Guerra dos Seis Dias. Com a conquista dos territórios palestinos há uma guinada eufórica da sociedade israelense. São anos nos quais se começa uma americanização da sociedade, em contraposição anteriormente ao que era uma cultura muito mais europeia. E uma prosperidade que Israel, até então, não tinha vivenciado. Inicia-se especialmente, depois de 1973, da guerra de Yom Kipur, um movimento de derrocada do sionismo socialista no poder e a ascensão de uma sociedade mais capitalista e liberal. Isso culmina com a vitória do Likud, um partido de direita em 1977.

O cinema passa a refletir esse momento histórico de um jeito muito mais intimista, mais individualista, exatamente porque aqueles valores que anteriores que permeavam a sociedade – do pioneiro e da coletividade e tudo mais –  praticamente se perdem e praticamente quase nada fica no seu lugar, fica um vazio ideológico e existencial. Ao final do século XX, o que a gente vê jea é uma sociedade muito mais multicultural e diversa. Com isso, deixa-se a construção sionista, ashkenazi, hegemônica para trás. O cinema passa a apresentar na tela essa multiculturalidade. Então, você começa ter filmes sobre religiosos, etíopes, a problemática palestina começa aparecer na tela, porque até então parecia que não existia o palestino, que ele não fazia parte da paisagem. Então, basicamente esse é o quadro até o final do milênio. A partir daí, você tem um cinema mais inserido nessa conjuntura do multiculturalismo e da diversidade e apresentando muito mais essas culturas diferentes. 

Historicamente, a maioria dos diretores de cinema em Israel fazem parte da elite secular ashkenazita. Em que medida essa característica contribuiu para a representação mais ou menos precisa dos demais setores da sociedade, principalmente árabes, judeus orientais e judeus ortodoxos?
O fato de até principalmente quase até o fim do século passado, haver o domínio no campo do ashkenazi na vida cultural israelense, sem dúvida nenhuma que o fato desses diretores, produtores atores, tudo que gira em torno da vida cultural do cinema israelense até então, ter origem ashkenazi, influenciou, fortemente, nessa representação. No principio até, ela é muito interessante, porque os atores que representavam judeus orientais nos filmes, eram judeus ocidentais. E os judeus orientais representavam os árabes. Então, os árabes não existiam nesse espectro como atores, trabalhando no cinema. Mas isso mudou bastante nesses últimos 15 anos. Você tem vários diretores de  origem não ocidental, caso da Ronit Elkabetrz atriz e diretora que já faleceu, mas é de origem marroquina, o próprio Amos Gitai, apesar de ser ashkenazita… já é historicamente de família israelense imiscuída nessa questão, Eran Riklis…. Ou seja, de fato, até um determinado período de tempo sim, toda essa construção foi baseada nessa visão ashkenazi do mundo, da cultura ocidental. Mas isso já não é mais uma verdade hoje.

Atualmente, diversas séries de televisão israelense adquiriram destaque no mercado internacional do entretenimento. A que você atribui esse sucesso?
Eu acho que o destaque que as séries israelense, na medida da sua produção, que não vai competir nunca com a quantidade de produções americanas principalmente e francesas, adquiriu um destaque. Em primeiro lugar, pelo que acontece em Israel, a questão do conflito com os palestinos, que está permanentemente na mídia, é um fator que faz com que haja interesse no mundo inteiro. É o caso da temática de “Chatufim”, “Fauda”, que basicamente tratam da questão do conflito, então este é um ponto. Você tem outras séries, por exemplo, Be Tipul, ou “In Treatment”, talvez tenha sido a primeira série que a HBO comprou e não tem nada a ver com a questão do conflito, diretamente falando. Mesma coisa com “Seruguim”, uma série sobre judeus religiosos modernos em Jerusalém, é tipo um “Friends” judaico religioso, que também fez muito sucesso, principalmente nos Estados Unidos. Mas eu atribuo principalmente a qualidade técnica, a qualidade de roteiro, ou seja, a gente vê aqui questões de qualidade. Uma série de televisão no mercado em geral, que hoje compete no mercado global, com séries americanas, francesas, suecas, finlandesas… Compete no mercado de qualidade. Então eu penso que a relevância ou destaques que as séries israelenses adquirem hoje no cenário global, é porque elas tem qualidade e as produções são muito, muito bem feitas. 

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