Em Israel, a cúpula militar é mais “pomba” do que “falcão”

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Daniela Kresch
Especial para o IBI
 
TEL AVIV – Muitos acham que os militares israelenses falam em uníssono e defendem posições duras – típicas do estereótipo dos generais de filmes de Hollywood. Seriam líderes rígidos, inflexíveis e interessados em utilizar a força bruta sempre que der. Mas a realidade não podia ser mais distinta. Os soldados e oficiais israelenses têm opiniões diversas, refletindo as da população como um todo. Afinal, o serviço militar é obrigatório (com algumas importantes exceções) e o exército é como um microcosmo do país. E a liderança militar tende, surpreendentemente, a ser mais “pomba” do que “ falcão”.
 
A rigor, o exército israelense é uma instituição apolítica: não deveria apoiar governo ou opinião política alguma. Os militares são chamados a dar opiniões quando há decisões a serem tomadas. Mas, mesmo quando são voto vencido, realizam o que a cúpula política decidiu. É o que garante o general da reserva Hasson Hasson, parte da minoria drusa do país:
 
“O exército está fora da política. Não misturamos o exército e o establishment de segurança com política”, disse Hasson, tentando evitar que militares drusos se rebelassem depois da recente aprovação da polêmica Lei da Nacionalidade.
 
“Apesar da fragmentação e da permeabilidade entre as esferas civil e militar, a última permanece inerentemente subordinada à primeira”, escreveu Moshe Lissak no livro “Paradoxos das relações civis-militares israelenses”.
 
Mas, como se pode imaginar, a influência da cúpula do Exército de Defesa de Israel em decisões políticas – mesmo que sutil e complexa – não pode ser ignorada.
 
“Sempre houve envolvimento dos oficiais na política, mesmo de forma sutil. No momento em que se decidem assuntos importantes, o governo precisa dos militares para apoiarem ou refutarem planos. Mas, em geral, os militares se colocam do lado moderado, não no de levar Israel a uma guerra”, diz o jornalista e escritor Ben-Dror Yemini. “A força dos generais é totalmente oposta ao clichê de outros países. Os generais, em Israel, ou 80% deles, têm uma posição mais moderada, contrária à apertar o gatilho rapidamente”.
 
Segundo Yemini, há muitos generais que, ao deixarem a caserna, optam por entrar na política por partidos de centro-direita ou direta, como no caso do ex-primeiro-ministro Ariel Sharon, que foi líder do partido conservador Likud antes de fundar o centrista Kadima. Mas a maioria se une a partidos de centro ou centro-esquerda. Yitzhak Rabin e Ehud Barak são os maiores exemplos. Antes de serem líderes do Partido Trabalhista, do espectro mais à esquerda da política israelense, e premiês, foram generais.
 
O fenômeno, segundo Yemini, acontece porque a cúpula do exército é formada, em geral, por membros da elite do país, que se desenvolve em paralelo a outras elites e frequenta os mesmos fóruns acadêmicos. Os oficiais são expostos às mesmas posições críticas que outros alunos. Como a maioria das elites em Israel têm tendência de “pombas” (mais liberais ou à esquerda no espectro político), eles também acabam adotando essa posição.
 
“Na maioria dos países, a classe política supervisiona o sistema de defesa e impede que seus líderes violem os direitos humanos ou sigam políticas perigosas e agressivas. Em Israel, o oposto está acontecendo. Aqui, os políticos espezinham os valores e as leis do Estado e buscam soluções beligerantes, enquanto os chefes das Forças de Defesa de Israel e os chefes das agências de inteligência tentam acalmá-los e restringi-los”, escreveu o jornalista e escritor Ronen Bergman em artigo no jornal The New York Times.
 
O artigo foi escrito logo depois do polêmico caso do sargento Elor Azariá, em 2016, que matou um terrorista palestino depois que ele já estava desarmado. Políticos de direita apoiaram Azariá, entre eles o ministro da Defesa, Avigdor Liberman, do partido de Israel Beteinu (Israel Nossa Casa). E o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, chegou a telefonar para a família do sargento para oferecer o seu apoio.
 
No entanto, toda a cúpula do exército condenou o sargento e pediu que fosse punido exemplarmente, afirmando que matar alguém desarmado, mesmo que seja um terrorista, não está de acordo com os valores do exército israelense.
 
Nem sempre foi assim. Segundo Ronen Bergman, comandantes do exército e os chefes das agências de inteligência já defenderam o uso da força e, em muitos casos, demonstraram desprezo pela lei e pelos direitos humanos. Em 1954, por exemplo, a inteligência militar iniciou, sem que o primeiro-ministro Moshe Sharett soubesse, uma série de ataques terroristas no Egito com o objetivo de causar um racha entre aquele país e os Estados Unidos e a Grã-Bretanha.
 
Bergman acredita que, nas últimas três décadas, o exército e as agências de inteligência tornaram-se mais cautelosos em violar a lei por causa da ameaça de processos no Tribunal Penal Internacional. Além disso, as agências de defesa são motivadas apenas por interesses nacionais, não ideologia, religião ou considerações eleitorais.
 
Por tudo isso, é possível entender porque um ex-general pode adotar um discurso considerado liberal ao enviesar pela vida política. É o caso do ex-chefe das Forças Armadas Benny Ganz (2011-2015), uma das figuras mais cotadas para assumir o cargo de primeiro-ministro, num futuro próximo. Ele tem defendido mais verbas para setores como educação e bem-estar social.
 
“Não podemos comprometer a nossa segurança. Mas as prioridades nacionais de Israel devem ser, em primeiro lugar, a educação. Em segundo, infraestrutura nacional. Minimizar a corrupção seria a terceira prioridade. A quarta: o bem-estar social. E só em quinto lugar, a segurança”, disse Ganz numa recente conferência.

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