Legislação e Honestidade

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A Declaração de Independência de Israel, conforme escrito no documento solenemente lido por Ben Gurion em 14 de Maio de 1948 na histórica sessão de fundação do Estado, afirma de maneira absolutamente clara e explícita a formação deste como a entidade nacional territorial do povo judeu. O direito desse povo  a uma tal prerrogativa é sancionado por séculos de sua história; pelo legado cultural contido na Bíblia por ele dada à humanidade, e na literatura litúrgica ou leiga que desde sempre colocava a volta a Sion como o centro das permanentes esperanças de redenção; e não menos do que isso, pela premente necessidade de dar abrigo aos sobreviventes da recente catástrofe da Shoá.

O texto da Declaração também define o carácter democrático da nascente nação, e a igualdade de direitos de todos seus cidadãos, sem diferenciação de origem étnica, religião, sexo, estado civil, opinião política etc.

Evidentemente, ao lado da outorga automática a cada judeu do direito de emigrar para o país (posteriormente enunciado de forma específica pela Lei do Retorno), ela reconhece o das minorias – e em especial da árabe – de conservar como cidadãos seu legado, sua língua, seus costumes.

Não havia então qualquer necessidade de levar à aprovação da Knesset (Parlamento de Israel) uma lei intitulada “Lei da Nacionalidade”, que supostamente esclarece ou “completa” a declaração original.

Mas há que lembrar que Israel é regida hoje por um governo de extrema direita, visivelmente voltado para um nacionalismo ostensivo, para tendências de racismo e segregação, para obsoletas regras  de separação dos sexos, para uma crescente imposição  da intolerante ordem religiosa ortodoxa.

A lei recentemente aprovada estabelece por definição a supremacia judaica como fato legal, com isto relegando outras comunidades da cidadania israelense a uma situação de inferioridade jurídica e material. Ela anula o “status” da língua árabe como língua oficial do país, transmitindo assim à população árabe (em sua maioria disciplinada partícipe da sociedade israelense) uma mensagem de injustificada discriminação.

A lei também se pronuncia quanto ao tratamento preferencial a ser dado a centros urbanos ou rurais de estrutura exclusivamente judaica, garantida por mecanismos de seleção claramente pejorativos para a população árabe. Os defensores desse propositado ou inconsciente obscurantismo encorajado pela direita procuram encontrar um paralelo em manifestações no campo da esquerda, e trazem à tona o exemplo dos kibutzim no passado, onde a aceitação de novos membros à comunidade era sujeita a uma seleção preliminar e aprovação da Assembleia de todos os membros. Mas tal seleção se referia à capacidade dos candidatos de se enquadrarem na peculiar estrutura coletivista do Kibutz e de se identificarem com suas visões ideológicas – já que uma vez aceitos passavam a gozar de todo o apoio igualitário que o kibutz dava a qualquer de seus membros.

Muito diferente é a intenção contida na lei agora aprovada, que – mantendo-se ambígua quanto aos limites territoriais do Estado – possibilita legalmente o assentamento judaico em terras palestinas, o confisco de solo e o afastamento (expulsão…) da população árabe.  Ademais, o intuito de dar um substrato legalístico a manifestações de xenofobia mascaradas de fervor patriótico, desvirtua o espírito de igualdade da Declaração de Independência, que – na impossibilidade de estabelecer uma Constituição (impossibilidade devida à multiplicidade de interesses setoriais antagônicos presentes na sociedade israelense), faz dessa declaração o esqueleto sobre o qual se apoiam leis básicas de abrangência humana e universal, que em outros países democráticos são o fundamento da Constituição.

Há quem procure tranquilizar quanto à nociva natureza dessa lei, e de numerosas outras leis antidemocráticas e antiliberais que este governo vem sistematicamente patrocinando, alegando ser o demônio menos assustador do que parece, pois se trata de medida “declarativa” que não poderá resistir às exigências da realidade. Mas até que essas desnecessárias “leis declarativas” muito a gosto do Likud e de seus governos de coalisão direitista venham a ser abolidas, o preço a pagar e os prejuízos a remediar serão muito fortes. Enquanto isto, deixa-se de dar atenção aos verdadeiros problemas (políticos, sociais, educativos, culturais, estratégicos, militares etc.) a que um governo realmente responsável deveria se dedicar.

Mas o que esperar de uma liderança preocupada somente com sua sobrevivência eleitoral, que a ignorância e o preconceito ajudam a assegurar, e a corrupção movimenta com insolente desrespeito dos valores legítimos da experiência sionista (agora perigosamente ameaçada pela falsificação de sua inigualável justificativa ética)?

Quem levantará a bandeira da vital mudança que este país merece?

Não é silenciando os defeitos do atual governo que Israel poderá a longo prazo manter o prestígio e o apoio de que goza junto às comunidades judaicas no mundo, nem a simpatia que seus sucessos científicos e tecnológicos despertam no estrangeiro.

Aos jovens, herdeiros da límpida tradição do Movimento Obreiro israelense e suas anti-demagógicas pragmáticas realizações, cabe a não-retórica resposta e a urgente tarefa.

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