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A nova lei passada pelo parlamento israelense (Knesset) tem causado alarme e contenda, como não poderia ser diferente com qualquer tema que envolve Israel. De um lado acusam-na de racista, e, do outro, exaltada como a primeira consolidação formal da autodeterminação da nação judaica. A realidade comporta uma análise um pouco mais detalhada do que meros rótulos.
Antes de tudo, é bom já destacar que este texto não pretende ser isento, pois o ser humano, por natureza, é incapaz dessa virtude – e já declaro meu desapontamento com essa decisão do legislativo israelense. Ou seja, o tom que permeia essas palavras sem dúvida é de crítica, e não defesa, à lei. No entanto, em primeiro lugar, essa impugnação merece um “disclaimer”.
A religião judaica, enquanto expressão de uma cultura pelos costumes históricos que ela carrega, é parte integrante da identidade judaica que compõe o povo judeu, ainda que dissociada de seus dogmas religiosos. Nem por isso, tal característica torna Israel um Estado teocrático por assumir símbolos religiosos como a Menorah, a Magen David e por estabelecer feriados nacionais pautados em datas como Rosh Hashana que possuem uma origem de cunho religioso.
Temos democracias liberais que também elegem identidades pautadas em uma religião, sem que isso as torne Estados segregadores e intolerantes. Nossa própria nação brasileira instituiu com feriado, por exemplo, o dia de Nossa Senhora Aparecida, e o dia de descanso no domingo. A Inglaterra, outro exemplo, tem como chefe de Estado a Rainha Elizbeth a qual encontra sua legitimidade nos preceitos da Igreja Anglicana.
Para ser sincero, vejo mais intolerância em países que tentam extirpar por completo a religiosidade da cultura, como, por exemplo, a ex-União Soviética, e a República Popular da China, do que em países que reconhecem a origem religiosa de seus costumes e culturas sem impô-las como dogmas à população – como é o caso, por exemplo, da República Islâmica do Azerbaijão -, de forma que precisamos tomar cuidado para, no afã de não nos tornarmos fundamentalistas, passarmos de um Estado laico para um Estado ateu, igualmente intolerante.
O problema surge com a imposição de um modo de vida, seja religioso ou anti-religioso, circunstância essa a qual não vejo nessa nova lei. É verdade, por outro lado, que em Israel, como também no Brasil e na Inglaterra, há normas específicas que caminham para uma imposição (leve ou tácita), no entanto, dessa lei, no todo, não se extrai essa crítica, pois ela, na parte que trata do descanso no Shabat, do calendário e feriados, dos símbolos, de fato consagra o que a qualquer nação é garantido: o Direito de preservar e exaltar sua identidade e, com isso, seus símbolos e costumes.
Apesar disso tudo, como já disse, esse preâmbulo é uma ressalva, pois a lei, no todo, merece duras críticas e me causa, pessoalmente, muito desapontamento, em específico as seguintes cláusulas:
“3 – A capital do estado
Jerusalém, completa e unida, é a capital de Israel.
4 – Idioma
A. O idioma do Estado é hebraico.
B. A língua árabe tem um status especial no Estado; A regulamentação do uso do árabe nas instituições do Estado ou por elas será definido em lei.
C. Esta cláusula não prejudica o status dado à língua árabe antes desta lei entrar em vigor.
7 – Assentamento judaico
A. O Estado vê o desenvolvimento do assentamento judaico como um valor nacional e atuará para encorajar e promover seu estabelecimento e consolidação”
Jerusalém e Cisjordânia.
Não há tema mais complexo do que a capital do Estado de Israel e a Cisjordânia. Sem hipocrisias, é muito seguro afirmar que Yerushalaim é sim o centro cultural do povo judeu, e, por esse motivo, correto tal pronunciamento.
O problema é incluir o termo “unida”.
Após as diversas guerras que culminaram no atual mapa político da região, alguns pontos, se não expressam unanimidade, certamente firmaram-se como contendas já definidas e superadas durante o processo de paz. Passamos uma régua para trabalhar daqui para frente.
A primeira delas é sobre o status de Jerusalém do Leste, e dos territórios incorporados (tomo o cuidado de não usar termos como “anexado” ou “ocupado”, propositadamente, e explicarei mais adiante o motivo) à administração israelense (também um termo “isentão”) após a Guerra dos 06 (seis) dias.
Discorde ou concorde com a solução adotada pelos tomadores de decisão durante as negociações de Paz da década de 90, fato é que por acordos internacionais firmados, tanto Jerusalém do Leste, como também a Cisjordânia, pertencerão ao almejado Estado Palestino.
Daí o grande problema com o termo “united”, referindo-se a Jerusalém, e a visão acerca dos assentamentos – os quais, hoje, são construídos e mantidos predominantemente em territórios palestinos -, pois estamos num momento histórico em que essa discussão já foi superada por acordos já firmados.
Claro, é bom lembrar, que as primeiras Aliyot foram formadas por meio de assentamentos judaicos, como, por exemplo, Petah Tikva, que são símbolos nacionais importantes, pois expressam valores de coragem e pioneirismo, bem como o ideal sionista de estabelecer, com pessoas, a nação judaica. Não há Estado sem um povo, naturalmente.
No entanto, hoje o termo “assentamentos” carrega um peso semântico complexo que se dissociou do seu significado original, já que remete às colônias na Cisjordânia, julgadas ilegais pela comunidade internacional, e daí o problema de explorar essa ambiguidade da Lei, a qual, considerando a linha ideologia do atual governo e suas coalizões, certamente não foi despropositada.
Portanto, denomine tais pedaços de terra de áreas em disputa (que é o termo mais técnico do ponto de visto do direito internacional e de guerra), de área anexada ou terra ocupada (minha escolha, pois, ainda que um termo tecnicamente errado, estamos mantendo um povo sob nossas botas, e ele carrega uma cobrança moral importante na minha visão de mundo), fato é que eles foram objeto de um acordo que está sendo irresponsavelmente desmerecido, embora não direta e manifestamente violado, com essa Lei Básica.
Enfim, o que é combinado não sai caro, e os itens 3 e 7 da Lei Básica vão sair caros para a paz israelense e palestina.
O item 4 é, acima de tudo, muito triste.
Acho que temos um espaço grande entre um racismo formal (como acontecia no “Apartheid” Sul-africano) e a desvalorização de uma cultura rica e importante para o contexto histórico e cultural do Estado de Israel.
Os árabes (como são chamados todos os árabes não judeus de Israel, apesar de possuir árabes judeus) é uma de tantas minorias que vivem lá, mas é a maior e mais representativa delas (15 da população).
Mais importante do que isso, a cultura árabe está imbricada na cultura israelense por meio de seus costumes, gastronomia e modos. Coloque um “sabra” (“israelense raiz”), um palestino, um judeu ortodoxo do Brooklin, e um judeu liberal da Califórnia numa mesa de bar e veja quem vai compor a maioria naquela mesa.
Portanto, ainda teremos Juízes da Suprema Corte árabes, e soldados árabes muçulmanos na IDF, mesmo com essa Lei e tudo mais – por outro lado, tirar o valor da participação que o Árabe tem em Israel como pilar fundamental de sua construção cultural (leia-se: ser oficial), é tirar, simbolicamente claro, uma parte bonita e importante de sua identidade cultural.
E não só de Israel, veja, mas inclusive da própria cultura judaica, pois os judeus que vieram do Oriente Médio (Mizrahi) têm o árabe como sua língua-mãe – e não o hebraico. Seria o mesmo que tirar o Yiddish dos Ashkenazim (judeus provenientes da Europa Central), e o Ladino dos Sefaradim (em sentido estrit, da Península Ibérica).
Sou a favor de manter o Árabe, e incluir o Yiddish e Ladino, pois o judaísmo é muito mais do que Israel, e se o atual governo a pretende firmar, por meio uma Lei Básica, como a nação do nosso povo, deve incluir todas as manifestações subculturais que ele carrega.
Enfim, a lei é apenas simbólica na parte que formaliza pontos importantes para afirmação de Israel como centro cultural do povo judeu, e, portanto, desnecessária. Por outro lado, expressa, como política de Estado, a inclinação ao desrespeito aos acordos que viabilizarão a paz na região, e desqualifica a cultura árabe de forma injusta não só com os árabes, mas também com Israel, como país, e com o próprio povo judeu.
Melhor que não tivesse sido editada.
*Foto: Praça Itzhak Rabin, em Tel Aviv. Crédito: Ricardo Reichhardt
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