Em tempos de notícias falsas, fake news, somos inundados por informações que precisam ser verificadas antes de ser difundidas por nós. Em todos os campos surgem notícias falsas, desde questões cotidianas até temas de política internacional. Notem, me refiro a notícias produzidas de forma proposital. São informações intencionalmente erradas, feitas para confundir, semear o caos e o ódio.
As fake news acabam por produzir um universo paralelo, onde o debate se desloca dos fatos para a propaganda, a desinformação e a produção de bolhas investidas de intenções claras. Da noite para o dia surgem “especialistas”, “analistas”, gente com opiniões formadas, enfim, um exército de desinformantes, de falseadores. Tudo muito rápido, a jato. Ninguém nesse universo quer informar, o objetivo é outro, basicamente o contrário disso. Redes sociais, grupos de WhatsApp, e-mails, tudo se transforma em armas no intuito de difundir, no mundo virtual denúncias ou notícias que tem pouca ou nenhuma relação com a verdade.
Se isso acontece em temas cotidianos (reunião de condomínio, eleição municipal etc.), imaginem o que acontece quando o tema avança para difíceis questões nacionais ou de política internacional. Imaginem, pois, quando isso acontece em temas considerados de difícil análise. Imaginem, o que acontece quando as fake news estão relacionadas a uma das mais complexas questões da política contemporânea: O conflito palestino israelense. Pois bem, sobre isso que gostaria de falar aqui. Como as fake news afetam a percepção do conflito palestino israelense. Não faltariam exemplos essa semana, de lado a lado são produzidas notícias falsas para demonizar o outro lado, mas gostaria de falar sobre um viés brasileiro da história: o cancelamento do show do Gilberto Gil em Israel.
Há dois grupos que investiram bastante em analisar o cancelamento do show. De fato, dois grupos que supostamente estariam em lados opostos do conflito, mas que na prática se encontram, de maneira surpreendente, do mesmo lado: o grupo que defende o completo boicote a Israel e a extrema direita sionista. Ambos aproveitaram o fato para afirmar que a não ida de Gil a Israel era parte do tal boicote. O primeiro grupo dizia isso claramente, para eles “Gil tinha entrado no movimento do boicote a Israel”, o segundo grupo dizia que Gil “havia se tornado “aliado do Hamas”.
Vejam bem, sem nenhuma verificação, sem nenhuma conversa com a fonte, nada. Um lado “denunciava” Gil e o outro “aclamava” Gil. Os dois faziam isso por algo que o cantor não tinha feito. Os dois grupos concordavam: Gilberto Gil Havia boicotado Israel. E a partir dessa compreensão lançavam notícias, mensagens… criavam uma verdade baseada em suas respectivas crenças.
Mas o que há por trás disso? O que justifica que grupos tão contraditórios invistam na mesma mentira falsa? Ora, ambos compartilham um axioma: é impossível ser de esquerda e apoiar Israel. É impossível ser sionista e ser de esquerda. Sobre esse falso axioma, aqueles que boicotam e membros da extrema direita tem todo interesse em provar que um cantor progressista boicota Israel. Mesmo que não seja verdade. Aliás, a verdade é realmente uma referência pouco relevante nesse caso, o importante é impor suas agendas, sua doutrina. Nesse caso a direita e a esquerda estavam no mesmo campo, ignorar a possibilidade de ser isso e aquilo. Sim, é estranho, mas é o que acontece no discurso sobre conflito palestino-israelense, aqueles que defendem o boicote e aqueles que atacam quem faz qualquer crítica ao governo de Israel tem um inimigo comum: progressistas que reconhecem a legitimidade de Israel e que são, ao mesmo tempo, contra a ocupação dos territórios palestinos e contra determinados tipos de boicote. Ambos os grupos não aceitam que alguém possa ocupar esse lugar.
Tudo isso se mantem até que Gilberto Gil diz que pretende retornar a Israel – coisa que, diga- se, estava indicado nas primeiras notas da produção do show à imprensa, mas passou despercebida por muita gente… e aí, quando isso é reafirmado, a verdade faz uma visitação perturbadora. Mas a verdade, a relativização, a complexidade não cabe nas narrativas extremadas. No caso do conflito palestino–israelense, evite as bordas, há um oceano de informação para você nadar nos meios do caminho.