Durante meus estudos sobre radicalização e internet, uma frase do especialista em educação juvenil Henry Giroux me chamou a atenção: “a América está virando a terra do esquecimento”. De fato, os avanços tecnológicos que tornaram o acesso à informação mais rápido e prático parecem não ter estimulado nossos adultos e jovens a pesquisarem sobre fatos passados que têm impacto no nosso presente.
É nesse contexto que se multiplicam os discursos de ódio que negam a existência do holocausto, que negam os direitos aos muçulmanos e incitam uma violência que parece não ter mais fim.
Fico assustada como parece que, de repente, os mais de 6 milhões de judeus mortos na 2ª Guerra Mundial foram esquecidos a medida em que grupos neonazistas começam a tomar as ruas e a internet – sim, porque na Europa, a extrema-direita não é classificada como um movimento terrorista. A mesma Europa que guarda até hoje os campos de concentração como registro de um tempo vergonhoso da nossa história – um tempo que tem relação direta com a ascensão da extrema-direita ao poder. E aí me vem a pergunta: qual é a diferença entre os neonazistas e os jihadistas? A tática usada por eles parece ser diferente, já que jihadistas usam métodos violentos e espetacularizados para chamar a atenção das autoridades e incitar medo. No entanto, ambos guardam a mesma narrativa de ódio e segregação. Ambos, tem tirado proveito da internet para persuadir jovens. Ambos estão por trás dessa nova onda de radicalização.
A pesquisadora Julia Ebner identificou uma relação que beira a cumplicidade entre esses movimentos, principalmente se focarmos no discurso. Grupos jihadistas como ISIS e Al-Qaeda pregam a incompatibilidade entre o Islã e o Ocidente e reforçam a figura violenta do muçulmano. Quando esse discurso chega aqui, grupos de extrema-direita só precisam dar uma nova roupagem, digamos assim, para reforçar ainda mais o discurso de que os muçulmanos são bárbaros, violentos, selvagens.
Dados revelados pelo Governo dos Estados Unidos no ano passado confirmam essa tendência. Desde 12 de Setembro de 2001 – quando o discurso de ódio contra os muçulmanos começou a se intensificar em virtude dos ataques de 11/9 – até 2017, grupos de extrema direita foram responsáveis por 73% dos 85 ataques extremistas registrados no pais. Grupos islâmicos estavam por trás de 27% desses ataques. Apesar dessa discrepância, os atentados articulados pela extrema-direita foram silenciados.
Além de mirar nos muçulmanos, uma parte desses grupos de extrema-direita também reacendeu o discurso de ódio contra os judeus. Um discurso que circula livremente na internet e ganha cada vez mais adeptos. No Reino Unido, de acordo com a Campanha Antissemitismo,
36% dos adultos britânicos acreditam em algum tipo de estereótipo antissemita. Ainda de acordo com a ong, em 2016 crimes antissemitas bateram recorde no país: foram registrados 1.078 crimes contra judeus.
Apesar de alarmantes, esses dados continuam silenciados na medida em que não estão nas manchetes dos jornais. Islamofobia e antissemitismo têm crescido e se espalhado pela Europa e América. No entanto, pouco se discute sobre a perseguição aos judeus. Uma explicação pode ser a relativa ausência de sociedades civis que usam as redes sociais para alertar a população sobre isso. Mas esse não é um problema que pertence apenas à comunidade judaica. Esse é um problema de todos nós. O silêncio de milhões de pessoas na Europa na década de 40 custou a vida de 6 milhões de judeus. 6 milhões!!!!! E naquela época, a propaganda nazista contava com veículos bem menos articulados e de menor alcance do que hoje.
A internet é ótima para integrar pessoas e facilitar o acesso à informação. No entanto, ela também facilita a circulação de discursos de ódio e o silêncio só aumenta o poder desses discursos. Na Alemanha nazista, aqueles que eram contra o regime eram proibidos de falar e não tinham acesso a um médium que possibilitasse a comunicação livre e instantânea. Hoje nós temos esse médium: a internet. E ainda assim, vamos permanecer calados?
Imagem: Felipe Lima/Gazeta do Povo