Mulheres em Israel – uma revolução interrompida?

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Durante uma única semana
de junho passado, quatro mulheres foram assassinadas em Israel, todas
alegadamente por pessoas que as conheciam. A violência provocou clamores, planos
de manifestações e acusações de que o governo e as agências legais não protegem
suficientemente a vida das mulheres. Os índices globais mostram que Israel tem
uma taxa mais elevada de vítimas de homicídios como parte de todos os
assassinatos, do que Paquistão, Indonésia, Irã, México e EUA, embora
menores do que alguns países da Europa Ocidental.

Para um país que costumava orgulhar-se de avanços para as mulheres, e ainda se vê como um líder na região em relação aos direitos das mulheres, os incidentes são um desagradável lembrete de que nem tudo está bem.

Uma das imagens românticas mais populares dos primeiros anos de Israel foi um nível impressionante de igualdade de gênero para a época. Homens e mulheres bronzeados que trabalhavam juntos nos campos dos kibutzim irradiavam de fotos em preto e branco que circulavam por todo o mundo. O serviço militar das mulheres era um ponto de orgulho particular: tornava-as partícipes integrais no projeto da redenção nacional judaica, enquanto fazia de Israel uma sociedade de vanguarda. E os homens se divertiram com a sensualidade de “garotas com armas”.

Em 2017, esses mitos encontram-se esvaziados de significado. A igualdade revolucionária foi suplantada por hierarquias de gênero geradas por uma guerra perene; em uma sociedade obcecada militarmente, o homem é o rei. Garotas com armas transformaram-se em adolescentes com grampeadores no filme Zero Motivation, que fez sucesso em 2014, sobre mulheres soldadas tão entediadas que lentamente se esgotam. Além disso, a principal fonte do mito da igualdade de gênero emergiu dos campos agrícolas e do serviço militar, arenas judaicas que deixaram completamente de fora as cidadãs árabes de Israel.

O mito da igualdade de gênero parece ter ficado para trás, da mesma forma que a noção ultrapassada de Israel como um valente David, vitorioso sobre um mar de Golias assustadores. Um artigo de opinião do New York Times de Michael Oren comemorando o quinquagésimo aniversário da Guerra dos Seis Dias, de junho de 2017, repetiu esse enredo grosseiro. Talvez não seja coincidência que o artigo tenha sido ilustrado com uma foto de mulheres soldadas tirada em ângulos sensuais, quase fetichizados – destacando a obsolescência de ambos.

ONDE ESTÃO AS MULHERES?

Atualmente, o número de mulheres na vida pública e social em Israel é pouco significativo, na melhor das hipóteses. Além disso, há pouco avanço feminino na política. Os dias de uma primeira-ministra mulher estão há muito esquecidos; mensagens feministas da liderança de Golda Meir foram ofuscadas pela memória de um desastre militar, a Guerra de Iom Kippur, em 1973. Até hoje, o domínio das questões de segurança confere autoridade; a FDI [Forças de Defesa de Israel] é, de longe, a instituição mais confiável em Israel entre os judeus, todos os anos. E como os homens predominam no mundo militar, os homens – particularmente os mais velhos – possuem um ar de autoridade e muitas vezes um senso de direito.

As
mulheres representam apenas 27% do Knesset [Parlamento] israelense, e esse é um
recorde. Na representação parlamentar, Israel se aproxima de Bolívia, Cuba,
África do Sul, Espanha, Bielorrússia e Afeganistão, da média da OCDE e também do
Reino Unido (embora ainda à frente dos EUA). Em relação ao número de ministros-chave
e líderes municipais, o desempenho de Israel é ainda pior.

Como
muitos países ocidentais, a força de trabalho de Israel é caracterizada por
lacunas salariais de gênero. Isso não se deve apenas às mulheres que trabalham
menos horas, mas refletem valores médios menores pagos por hora para o trabalho
feminino e masculino – o que, por sua vez, reflete a sobre-representação das
mulheres em empregos de baixa remuneração, de acordo com um relatório de 2014
do Centro Adva, um respeitado think tank. As lacunas são ainda maiores entre os
níveis educacionais e gerenciais mais elevados em Israel. Mas o que realmente
diferencia Israel dos outros países ocidentais que se deparam com tais lacunas
é apresentado na primeira linha do relatório: “Há pouco debate público em
Israel sobre as disparidades salariais entre homens e mulheres”. Vale
ressaltar que os debates que acontecem incluem “mansplaining” à exaustão. Um
artigo em janeiro de 2018 no portal de direita Mida declarou categoricamente
que as diferenças salariais são inexistentes, e o opor-se a elas é o verdadeiro
chauvinismo. O escritor é um homem de 36 anos de idade, cujo perfil do Twitter
afirma apenas “escrevo o que penso”.

Além
da política e da economia, as mulheres estão rotineiramente ausentes da
cultura: painéis de notícias e conferências em que só há homens são comuns.
Nem uma única mulher foi nomeada na lista recentemente publicada de vencedores
do prestigiado Prêmio Emet 2017 para artes, ciências e cultura (nem árabes).

Em
2018, o papel simbólico das mulheres na causa nacional judaica (apenas) da
construção do Estado tornou-se atrofiado em torno da maternidade. Certamente,
em tempos de crise (embora não exclusivamente em crises), as mulheres são muito
comumente retratadas como as mães e esposas preocupadas ou aflitas dos soldados
– uma imagem e uma realidade que não se limita de forma alguma à direita.
Alguns acreditam que Israel simbolicamente transformou as mulheres no
reabastecedor do povo judeu, seguindo o passado. Shira Richter é uma ativista
feminista (em suas palavras, uma “artivista feminista matricêntrica”);
ela acredita que as mulheres em Israel são vistas como o baluarte contra
futuras ameaças existenciais, em grande parte demográficas.

A
veneração social da maternidade é reforçada por um apoio excepcionalmente
generoso do Estado para a fertilização in vitro, incluindo subsídios a partir
de idades em que as chances diminuem. As mulheres judias israelenses têm a
maior taxa de fertilidade total na OCDE, incluindo aumentos moderados entre mulheres
judias seculares – de modo que o crescimento não pode ser atribuído somente à
influência estatística das taxas de natalidade religiosa e ultra-ortodoxa. Mães
solteiras são cada vez mais aceitas mesmo entre os judeus religiosos. Embora
seja louvável que as mulheres tenham mais opções e se tornem cada vez mais
aceitas por suas escolhas, o reconhecimento social da maternidade ainda coloca
uma carga sobre as mulheres que preferem seguir outras direções, ou as afasta
de outros caminhos da vida.

As
normas sociais não escritas da maternidade em Israel começam com a suposição de
que todas as mulheres com cerca de 20 anos têm filhos e, se não, elas são
consideradas envergonhadas e desesperadas, provavelmente na necessidade de
conselhos não solicitados, dos homens.

POR
QUE O FEMINISMO ISRAELENSE ESTAGNOU?

“Eu
irei mais longe: estamos ficando para trás”. Frances Raday me disse sem
rodeios. Professora Emerita da Universidade Hebraica, Raday é uma estudiosa das
leis especializada em direitos humanos e aspectos econômicos da igualdade de
gênero em Israel e em todo o mundo, com foco na religião e no gênero. Na sua
opinião, Israel não está apenas experimentando uma desaceleração natural do
progresso no gênero. Ela traça as raízes do problema na tensão original entre a
religião judaica e a democracia secular em Israel. Um compromisso fatídico nos
primeiros dias de Estado deixou dimensões da vida pessoal – casamento,
divórcio, incluindo custódia e pensão alimentícia, enterro e herança – nas mãos
de autoridades judaicas rabínicas (ou instituições das outras religiões principais
de Israel).

“Relegar
mulheres às comunidades religiosas é um buraco negro enorme”, diz ela, a
respeito do progresso feminino desde os primeiros anos de Israel. “Prejudicou
muitas das vitórias das mulheres. Eles vêem o direito das mulheres à igualdade
como secundário perante todos os outros objetivos do Estado. Quem são “eles”?
O Rabinato, certamente, mas é o governo eleito que impõe o que é conhecido como
o “status quo”. Raday acredita que a população – incluindo as
mulheres – internalizou a noção de que a igualdade é menos importante do que
outros objetivos nacionais. “Essa deferência para com o judaísmo religioso
étnico em vez da autodeterminação dos judeus” é vista por ela como “mazela geral
[que] absorveu os outros valores de justiça na sociedade e, principalmente, a
igualdade”.

Se
Raday acha que a religiosidade étnica judaica plantou as sementes da
desigualdade de gênero desde o início – Richter, a artista feminista, culpa a
cultura em curso em torno do conflito militar ativo. Na sua opinião, as guerras
são responsáveis pela discriminação física, emocional e material que as
mulheres consideram como seu destino.

“Na
maioria desses anos, tivemos a atitude do ‘cale a boca, estamos atirando’ [uma
expressão bem conhecida em Israel]. Homens vão à guerra, e outros cinco anos de
progresso vão para o ralo”. As razões são múltiplas, e começam com as mulheres
preenchendo espaços enquanto os homens estão servindo. “É preciso atenção,
tempo, energia, recursos. Mulheres perdem seus empregos… [ou] perdem dias no
trabalho, não recebem compensação ou reconhecimento e, quando o homem chega em
casa, ela o ajuda com seu trauma. A violência doméstica sempre aumenta durante
as guerras”. De fato, um depoimento do Knesset em 2002 citou o fenômeno global
que liga a guerra à violência doméstica, e as estatísticas durante a última
Guerra de Gaza sustentam o ponto de Richter. Além disso, o machismo militar e a
dominação religiosa desembocam nas crescentes tentativas de segregação de gênero
em um exército cada vez mais religioso – eliminando até mesmo os vestígios da
antiga imagem de igualdade nos meios militares.

Ainda
assim, Israel tem, de fato, um passado feminista vibrante, que legou sucessos
importantes. Os primeiros anos de Estado viram a criação de organizações de
apoio às mulheres, como a Rede de Mulheres de Israel que está, agora, bem
estabelecida. As mulheres têm sido proeminentes nos movimentos anti-guerra e
anti-ocupação através de organizações como Women in Green, Four Mothers,
Machsom Watch e, mais recentemente, Women Wage Peace. A legislação de assédio
sexual de 1998 iniciou o longo caminho para aumentar a consciência acerca de um
problema denso e generalizado. Ainda assim, Richter pensa que apenas
recentemente a palavra “feminista” se tornou legítima – inclusive na
visão das mulheres – o que, se for verdade, coloca Israel psicologicamente
décadas atrás de seus homólogos americanos.

NOVAS
VOZES

Se
o espírito revolucionário do feminismo na sociedade israelense judaica
dominante parece estar em perigo de estagnar, novas tendências estão emergindo com
força em lugares surpreendentes. Por alguns anos, mais de metade dos estudantes
árabes de ensino superior foram mulheres – chegando a 66% em 2015, de acordo com a
Rede de Mulheres de Israel. Um relatório de 2015 do Ministério da Ciência,
Tecnologia e Espaço observou que as meninas árabes se qualificam para o ensino
médio em matemática, tecnologia, engenharia com taxas mais elevadas do que
os meninos e estudam créditos adicionais de matemática e ciência a taxas mais
elevadas do que as meninas judias, às vezes do que os meninos judeus. Elas estão
participando de programas de treinamento profissional em taxas mais elevadas
que os homens. Mulheres árabes têm elevado a consciência do problema da
violência na sociedade árabe, muitas vezes dirigidas contra elas –
aproximadamente metade das mulheres vítimas de assassinato são árabes – e
lutando contra o assédio sexual cada vez mais através de campanhas públicas. O
filme recente In Between é um retrato eletrizante dos dilemas enfrentados pelas
mulheres árabes que habitam uma variedade de novos papéis; um forte contraste
com o tédio das mulheres judias em Zero Motivation.

Outro
lugar surpreendente de atividade é a comunidade Haredi – o mesmo grupo que
mantém controle total sobre o Rabinato. Em um mundo conhecido por rígidos
papéis de gênero e isolamento de instituições estatais (para além do sistema
nacional de bem-estar social) e da sociedade em geral, as mulheres comumente
trabalharam para sustentar as famílias nas quais o homem estuda a Torá. Mas,
nos últimos anos, algumas mulheres Haredi têm avançado em campos mais
profissionais: contabilidade, direito, arquitetura, alta tecnologia. Quinhentas
mulheres empreendedoras Haredi se inscreveram para um setor de mulheres em um
campus local perto de Mea Shearim, de acordo com um artigo de 2015, acima das 37
de apenas dois anos antes. Ali, também, mulheres estão se organizando para
expor e conscientizar sobre o assédio sexual nesse mundo profundamente insular.
O ativismo político está borbulhando e, em 2015, as mulheres Haredi formaram
seu próprio partido político, que obteve poucos votos, mas muito burburinho.

E,
dentro da sociedade mais ampla, tem havido algo como um discurso revivido
que emana principalmente da mídia. O Women’s Journalist Caucus foi formado em
2012, e um dos primeiros resultados foi expor os casos de assédio sexual entre
as principais personalidades da mídia israelense. Em 2016, tantas mulheres revelaram
publicamente casos de agressão sexual e assédio – no exército, na polícia, nos
clubes, bares e tribunais – que eu escrevi sobre essas mulheres como a
“História do Ano”. E no final de 2017, é claro, a campanha #MeToo não
passou despercebida em Israel, abrindo discussões poderosas sobre recalibrações
há muito atrasadas nas relações de gênero.

Algumas dessas
tendências ainda são incipientes. Não está claro se as mulheres são a vanguarda
levando suas comunidades e instituições conservadoras a um momento
transformador, ou parte de mudanças lentas, avançando. Mas talvez essas
tendências mais novas tragam o impulso e o ativismo para a igualdade de gênero – muito necessários em todas as partes da sociedade israelense.

Artigo publicado originalmente na revista Fathom.

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