Um artigo publicado pelo The New York Times revela embates sobre as prioridades do Estado de Israel nas décadas seguintes ao Holocausto: “acertar contas” com os nazistas ou centralizar os esforços exclusivamente na segurança nacional?
Leia abaixo um trecho do texto de Ronen Bergman, colaborador do jornal, sobre os esforços de Israel para capturar o médico nazista Josef Mengele, que revelam algumas dimensões dessas disputas.
Durante décadas, a agência de espionagem de Israel (Mossad) manteve um dossiê sobre Josef Mengele, o médico nazista responsável por, entre outras atrocidades, selecionar entre os novos internos em Auschwitz quem morreria imediatamente nas câmaras de gás e quem seria antes posto para trabalhar ou para ser submetido a terríveis experimentos “médicos”.
O dossiê contém milhares de páginas e documenta os esforços do Mossad para capturar ou assassinar este criminoso de guerra: incontáveis horas de labor, imensas quantias de dinheiro, grande quantidade de agentes e de fontes, escutas, fotos tiradas secretamente e tudo que existe em matéria de truques e ardis do ferramental da espionagem, inclusive a cooptação de nazistas e de jornalistas.
Tudo isso resultou em nada. Mengele nunca encarou a justiça.
A captura, julgamento e execução, no início da década de 1960, de Adolf Eichman, o burocrático organizador do Holocausto, fez muita gente acreditar que o Mossad ia querer, em seguida, pôr as mãos em Mengele. Muitos, em Israel e em todo o mundo, imaginaram que, para o Mossad, não seria difícil fazer isso. Mas a verdade é que, durante anos, os líderes do governo e a agência simplesmente não estavam tão interessados assim.
O Mossad começou a perseguir Mengele em 1960, com base em indicações de Simon Wiesenthal, o famoso caçador de nazistas. Em 1962 a agência recrutou Wilhelm Sassen, ex-nazista e conhecido de Mengele, cujas informações indicavam que Mengele tinha encontrado refúgio num grupo de nazistas e simpatizantes nas proximidades de São Paulo.
O chefe da base do Mossad na América do Sul telegrafou para o quartel-general em Israel: “Zvi Aharoni avistou na fazenda de Gerhard uma pessoa que no aspecto, na estatura, na idade e no modo de se vestir se parecia exatamente com Mengele.” Constatou-se depois que realmente era Mengele. Numa fala em 1999, Aharoni disse: “Estávamos num excelente humor. Era certo que em pouco tempo estaríamos aptos a trazer Mengele a Israel para ser julgado.”
Meio ano depois, Harel, chefe da base do Mossad, foi substituído por Meir Amit, que ordenou ao Mossad que “parasse de caçar fantasmas do passado e dedicasse todos os seus recursos humanos às ameaças à segurança do estado.” Mandou que a agência cuidasse de nazistas “apenas na medida em que fosse capaz de fazê-lo como acréscimo às suas principais missões” e enquanto “não afetasse as outras operações.”
Em julho de 1977, o comitê de segurança do governo aprovou secretamente uma proposta para “instruir o Mossad a retomar sua busca por criminosos de guerra nazistas, particularmente Josef Mengele. Se não fosse possível trazê-los para serem julgados, matá-los.”
A perseguição foi retomada com uma vingança. Em 1982, a agência chegou a considerar sequestrar um menino de 12 anos de idade e ameaçar matá-lo a menos que seu pai, Han-Ulrich Rudel, devotado nazista e amigo de infância de Mengele, provesse alguma informação que levasse a sua captura.
Tarde demais. Mengele tinha morrido como homem livre em 1979, afogado em uma das praias do Estado de São Paulo.
Leia a íntegra do texto publicado pelo The NEw York Times: https://www.nytimes.com/2017/09/06/sunday-review/israel-mengele-auschwitz-holocaust.html?mcubz=0