Pipas e balões: tecnologias infantis, mas efetivas no ataque a Israel

Daniela Kresch
Especial para o IBI

FRONTEIRA DE ISRAEL COM FAIXA DE GAZA – Há dois meses, o bombeiro Yigal Zohar parece mais uma barata tonta. Se tornou perseguidor de incêndios criminosos, que têm pipocado em todos os 60 km da fronteira entre Israel e a Faixa de Gaza. Como chefe dos bombeiros da parte norte da fronteira, Zohar tenta apagar um foco aqui, um fogo descontrolado ali, tudo ao mesmo tempo. A imprevisibilidade é fruto da mais recente tecnologia palestina para atacar Israel: pipas e balões de hélio – desses de festas de aniversário – com artefatos incendiários que caem do lado israelense da fronteira, causando queimadas propositais.

 O método é simples e parece infantil. Mas têm funcionado, principalmente com a proximidade do verão na região e a consequente secura da vegetação.Pipas de plástico de quase dois metros de extensão são manufaturadas especialmente para levar, em suas rabiolas, pedaços de pano encharcados com material inflamável. Aí é só botar fogo nos panos e soltar as pipas (ou balões de hélio), esperando que caiam e provoquem incêndios.

 Desde o começo de maio, mais de 700 pipas e balões já conseguiram queimar mais de 20 km² de campos agrícolas, principalmente de kibutzim e moshavim (pequenas comunidades com cerca de mil habitantes) ao redor da fronteira com Gaza. Os bombeiros tiveram que deslocar carros e aviões pipa para a região, além de criar uma espécie de sala de controle de emergência, com câmeras ligadas 24 horas por dia. Foram, em média, 11 focos por dia.

 “Demoramos mais dez horas para conseguir acabar com um dos incêndios”, contou ao IBI o porta-voz dos bombeiros, Yoram Levy. Você tem que agir muito rápido porque tudo é muito seco. Há muitos moradores que nem ligam para nós porque correm para apagar o fogo sozinhos. Nem podem esperar. Não se trata de ataques sofisticados, mas são efetivos”.

 “É muito triste ver campos que cultivamos por meses sendo destruídos em segundos. Vivemos da agricultura”, contou a IBI o agricultor israelense Daniel Rahamim, que mora no kibutz Nahal Oz há 40 anos, ajudando o kibutz a plantar batatas, cenoura, repolho, girassois e trigo. “Só de trigo, perdemos mil dunams (1 km²). Fora isso, é terrível ver animais como cobras, tartarugas e répteis queimados”.


 Rahamim explica que os ventos do Mar Mediterrâneo, que quase sempre circulam na direção de Gaza para Israel, ajudam as pipas e balões a alcançarem o objetivo. Alguns já chegaram a 6 km da fronteira. Um caiu a 200 metros da Facudade Sapir, com 8 mil alunos. Outro, a 300 metros das casas do Kibutz Or Haner, chamado de “kibutz argentino” pela grande quantidade de “hermanos” morando lá.

 O agricultor de 64 anos aponta para o outro lado da fronteira, onde se pode ver claramente o bairro de Shudja’iya, na Cidade de Gaza, um dos palcos mais intensos das batalhas entre o exército israelense e o grupo islâmico palestino Hamas, no conflito de 2014 chamado por Israel de “Operação Margem Protetora”.

 Desde 2001, 17 mil foguetes (do tipo Qassam), mísseis (do tipo Grad) e morteiros foram lançados contra israelenses por militantes de grupos radicais de Gaza como Hamas e Jihad Islâmica, matando 44 pessoas e ferindo centenas. Em 2005, Israel retirou os 8 mil moradores de vilarejos israelenses (os chamados “assentamentos” ou “colônias”) de Gaza – além de esvaziar todas as bases militares por lá. Apesar de, na época, a medida ter sido aprovada pela maioria dos israelenses, muitos acreditam que o então primeiro-ministro, Ariel Sharon, errou em conduzí-la de forma unilateral, sem negociar com a liderança palestina.

 Em 2007, o vácuo de poder e a disputa interna entre as facções palestinas rivais Hamas e Fatah levou o Hamas a tomar o controle, à força, da pequena faixa de terra que faz fronteira com Israel e Egito. Desde então, o grupo islâmico controla com mão de ferro Gaza.

 No Kibutz Nahal Oz, que fica adjacente à fronteira internacionalmente reconhecida com Gaza, todo esse processo foi sentido na pele. O kibutz já foi alvo de centenas de foguetes e morteiros. Em 23 de julho de 2014, um deles matou o menino Daniel Tregerman, de 4 anos. Não só no kibutz como em toda a região em torno de Gaza, crianças são periodicamente tratadas por psicólogos.

 “Minha filha treme dos pés à cabeça quando escuta qualquer som que se parece a um alerta antibomba, mesmo que seja uma ambulância. Demora tempo até que ela se acalme”, conta Daniel Rahamim, um ex-ativista pela paz que participou de muitas manifestações em prol de um acordo com os palestinos.

 O agricultor conta que acompanha, do outro lado da cerca de fronteira, como os palestinos têm preparado, com ajuda de crianças e adolescentes, as pipas incendiárias e ensinam a soltar, orientando exatamente para que lado eles devem mirar.

O agricultor israelense Daniel Rahamim em um dos pontos queimados no Kibutz Nahal Oz, na fronteira com Gaza (crédito: Daniela Kresch)

 O lançamento das pipas e balões é apenas a mais recente metodologia dos palestinos de Gaza com o intuito de atacar Israel. Primeiro, foram morteiros, seguidos de foguetes e mísseis. Depois, os túneis subterrâneos por um dos quais foi sequestrado o soldado Guilad Shalit, em 2006. Recentemente, foi descoberto um túnel subaquático, que levaria militantes do Hamas até a praia das comunidades israelenses de Netiv Haassará e Zikim (onde também há muitos brasileiros).

 O exército israelense desenvolveu tecnologias contra tudo isso. A principal delas é o sistema antiaéreo Domo de Ferro, que intercepta no ar mísseis, foguetes e até morteiros. Quase todas as casas na região têm um “espaço protegido”, espécie de quartos com paredes reforçadas. Também há abrigos antiaéreos públicos nas ruas e paradas de ônibus. Sirenes e alertas soam a cada ataque e as pessoas têm algo entre 10 e 15 segundos para buscar umbunker. Fora isso, está sendo construída uma espécie de vala na fronteira entre Israel e Gaza para evitar a ameaça dos túneis.

 Mas contra pipas e balões de hélio pouco pode ser feito. São pequenos demais para serem detectatos por sistemas antiaéreos. Sob pressão da população local, os militares colocaram em uso drones para tentar abater as pipas. É o que explica Nadav Livne, comandante da Unidade Matmon do exército israelense, responsável pelo desenvolvimento de tecnologia para fins operacionais.

 “Desenvolvemos muitas tecnologias contra as pipas e os balões. Estamos tentando derrubá-los no ar, mas nossas ordens são de derrubar apenas quando atravessam a fronteira internacionalmente reconhecida de Gaza com Israel. Não derrubamos do lado de lá”, garante. “Já conseguimos derrubar mais de 500”.

Yoram Levy, porta-voz do Serviços de Incêndio e Resgate de Israel, na Sala de Controle da cidade de Sderot, no Sul de Israel (Crédito Daniela Kresch)

 O IBI acompanhou o treinamento com drone de um dos oficiais da reserva do exército, que não podia ser fotografado de frente para não ser reconhecido. O drone utilizado também parecia ser de brinquedo – talvez realmente o mais apropriado para lidar com pipas e balões, brincadeiras infantis utilizadas de forma séria.

 O lançamento das pipas começou em meados de abril, pouco depois do “Dia da Terra” para os palestinos (30 de março), quando o Hamas começou a patrocinar a chamada “Marcha do Retorno”, para chamar a atenção mundial para a situação na Faixa de Gaza, que enfrenta uma crise humanitária. O desemprego gira em torno dos 65%, há blecautes diários e falta água potável.

 Abominado por Israel, pelo Egito e pelos próprios palestinos do Fatah, o partido político do presidente Mahmoud Abbas, que governa a Cisjordânia, o Hamas mantém sua posição contra tudo e todos, apontando Israel como único culpado por todas as suas mazelas e exigindo o “retorno” de parte dos 2 milhões de moradores de Gaza para a Palestina – entidade que, para o grupo, engloba toda a região, incluindo Israel.

 Para isso, decidiu promover, então, manifestações violentas e maciças com milhares de palestinos na cerca que separa Gaza de Israel como intuito de invadir o país. Em 2 meses e meio, mais de 100 palestinos morreram na tentativa, alvejados pelo exército israelense, também pressionado internamente para evitar a infiltração, que os israelenses temem poder resultar em mortes e sequestros de civis e de militares.

 Depois de dezenas de fatalidades palestinas e milhares de feridos, o Hamas chegou a um beco sem saída”, diz o colunista Alex Fishman, do jornal Yedioth Aharonoth. “Não tem respostas para dar ao seu público. Tentou uma reconciliação com a Autoridade Palestina e fracassou. Virou-se para o Egito – e foi decepcionado. Tentou uma “hudna” (calmaria) com Israel – mas não recebeu resposta. Está até perdendo o apoio do Qatar. Ele também tentou as ‘Marchas de Retorno’ sobre a cerca, mas a medida não produziu nenhum fruto diplomático”.

 

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