O plano de Netanyahu parece estar saindo dos trilhos

Análise de Anshel Pfeffer:

Uma das conquistas de maior orgulho do primeiro ministro Benjamin Netanyahu foi a cerca na fronteira com o Egito. Ele pode ter exagerado quando a descreveu, em 2013, como “uma das maiores proezas de engenharia já alcançadas em Israel”. Ainda assim, certamente funcionou, e, na verdade, provou-se uma de suas ações menos controversas.

Substituindo a antiga cerca de arame farpado, a nova barreira de aço, de 5 metros de altura, tornou muito mais difícil para os grupos islâmicos cometerem ataques terroristas fora de suas fronteiras, como o ocorrido em Eilat, em agosto de 2011, quando oito israelenses foram mortos e, então, surgiu ímpeto de construir a cerca. Também dificultou severamente o contrabando de armas e drogas e, o mais importante, cortou a rota de tráfico humano do Sinai. Desde a conclusão da cerca, em 2013, as gangues beduínas que traficavam mulheres da Europa do Leste (para prostituição) e refugiados africanos – fugindo do repressores Sudão e Eritreia – tiveram que procurar outros lugares.

Mas cortar os canais de contrabando não era suficiente. Nos sete anos anteriores à conclusão da barreira, cerca de 50 mil refugiados africanos pagaram as taxas exorbitantes dos beduínos e chegaram a Israel. Negados os  status e incapazes de trabalhar legalmente, a maioria deles acabou em acomodações apertadas no sul de Tel Aviv, local em que havia empregos ocasionais e onde, assim, emergiu uma espécie de comunidade. 

Uma combinação tóxica de queixas legítimas e alegações infundadas de crime e epidemias fizeram com que a situação dos residentes veteranos do sul de Tel Aviv fosse um ponto de encontro para os ativistas de extrema direita – incluindo membros de grupos kahanistas fora da lei – e Netanyahu, que há anos tenta desenvolver uma solução de deportação.

Com baixas taxas de desemprego e uma crescente demanda por trabalhadores estrangeiros, um plano abrangente para “legalizar” os requerentes de asilo e reassentá-los em Israel teria sido uma solução saudável e humana. Mas a incitação contra os “infiltrados” – como o governo os chama – por políticos nacionalistas e especialistas transformou a questão em um desafio da direita que Netanyahu não conseguiu evitar. A deportação era a única saída. Qualquer coisa a menos seria vista como um sinal de fraqueza.

Não havia nenhuma chance de a Suprema Corte de Justiça permitir que o governo deportasse os sudaneses e eritreus de volta às suas terras. Negociações tranquilas foram realizadas com países africanos para que servissem como “países terceiros” e, finalmente, acordos secretos com Uganda e Ruanda foram feitos.

Alguns milhares de requerentes de asilo foram persuadidos a deixar o país “voluntariamente”, com alguns milhares de dólares em seus bolsos. Mas as notícias de como eram maltratados quando chegavam em seus países de origem, logo fez com que voltassem atrás – e, então, ninguém mais estava disposto a se voluntariar. No entanto, encorajado por seus líderes de torcida, Netanyahu recusou-se a voltar atrás e, juntamente com o Ministro do Interior, Arye Dery, que detém o relatório de imigração, fez visitas dramáticas, no ano passado, ao sul de Tel Aviv, onde foi recebido com entusiasmo.

O principal problema era não ter influência suficiente contra os refugiados. O Tribunal Superior recusou-se a deixar o governo encarcerá-los por mais de 60 dias. Mas uma descoberta chegou até Netanyahu, em dezembro passado, quando o Tribunal Superior aprovou a deportação para “países terceiros” de qualquer refugiado cujo pedido de asilo não estivesse pendente. O fato de o Ministério do Interior ter dificultado muito o pedido de asilo – e, de 12.000 pedidos, apenas um terço foi superficialmente processado, dos quais apenas 10 foram aprovados – não influenciou os juízes.

As ordens foram dadas para acelerar o plano de deportação em massa. Dezenas de aviões deveriam ser fretados, os refugiados receberiam a opção de sair voluntariamente, com US$ 3.500 em dinheiro, ou enfrentar uma detenção indefinida. O governo ruandês deveria receber US$ 5.000, ou alguma outra forma de de compensação, na forma de bens ou armas, para cada refugiado que aceitassem.

Há apenas algumas semanas atrás, parecia tudo acabado. O pequeno grupo de ativistas que lutaram pelos direitos dos refugiados estavam sendo derrotados e tentando, pelo menos, salvar as crianças desacompanhadas de serem deportadas.

Mas mesmo quando os primeiros avisos foram emitidos para os refugiados, o plano já estava saindo dos trilhos. Tudo havia sido elaborado com muita pressa, sem a devida consulta com as várias agências envolvidas. O Serviço de Prisão de Israel, que já sofria de superlotação maciça, deixou claro que não tinha espaço para os milhares de detidos esperados. Os grupos de refugiados deixaram claro que não aceitariam os incentivos financeiros e, quando o governo ameaçou expulsá-los à força, os conselheiros jurídicos deixaram claro para o Tribunal Superior que quase certamente aceitariam uma petição contra deportações forçadas.

Não menos importante, o pequeno círculo de ativistas que já apoiavam os refugiados começou a crescer rapidamente. Uma série de petições circularam, com os signatários se comprometendo a esconder refugiados em suas casas, se necessário.

No início, estava fácil para os apoiadores do governo na mídia ridicularizarem esses grupos como antissionistas, de extrema-esquerda e opositores elitistas que não se preocupavam com os pobres residentes do sul de Tel Aviv. Ainda assim, os protestos cresceram, com petições assinadas por mais de 1.000 médicos e outros membros das equipes médicas; 100 tripulantes recusaram-se a pilotar voos de deportação e solicitaram aos seus colegas que não o fizessem também; e, talvez mais prejudicialmente, uma carta pessoal foi enviada para Netanyahu, assinada por 36 sobreviventes do Holocausto.

Tamanha notoriedade fez com que Ruanda anunciasse que não tinha nenhum acordo “secreto” com Israel e que não aceitaria refugiados deportados contra sua vontade. Seja qual for o acordo que o governo do presidente Paul Kagame tenha com Netanyahu, não parece valer a pena a publicidade contrária na África.

O timing não poderia ter sido pior. A carta dos sobreviventes é agora a principal notícia relacionada ao Holocausto em Israel, justamente  na data em que a maioria dos meios de comunicação globais está procurando histórias sobre a questão: o Dia Internacional em Memórias das Vítimas do Holocausto é celebrado neste sábado.

Não parecia necessário, mas, aparentemente, até mesmo o embaixador de Israel nos Estados Unidos e um dos conselheiros mais próximos de Netanyahu, Ron Dermer – certamente não liberal –, advertiu o primeiro-ministro do desastre causado por relatos sobre as deportações.

O vazamento das preocupações de Dermer seria o prenúncio de uma mudança no governo? É muito cedo para dizer. De qualquer forma, Netanyahu procurará culpar o sul de Tel Aviv, repudiando a esquerda por sabotar seu plano “humano e justo” de deportação e por inundar Israel com alienígenas.


Há aqui lições valiosas para os grupos israelenses de direitos humanos sobre como realmente ganhar uma campanha que parece, à primeira vista, com baixíssimas chances, enfrentando a indiferença pública.


Ainda é muito cedo para declarar a vitória. Mas, mesmo que Netanyahu consiga salvar seu plano, o dano autoinfligido foi feito e as deportações, se acontecerem, serão acompanhadas de uma péssima publicidade para ele. O que parecia iminente há algumas semanas agora parece improvável.

Leia a análise original no Haaretz.

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