“Tá na hora de dizer ‘eu existo e sou tão judeu quanto você’”: três jovens trans compartilham sua vivência na comunidade judaica brasileira

O Instituto Brasil-Israel, a União do Judaísmo Reformista e o grupo ARZENU organizam juntos uma série de webinars para celebrar o mês do orgulho LGBTQ+. Ga’avah em hebraico significa “orgulho”, e o primeiro episódio, na última quinta-feira, 25, falou sobre a questão da transgeneridade na comunidade judaica brasileira. Os encontros irão reunir pessoas LGBTQ+ de setores progressistas da comunidade judaica, no Brasil e em Israel, no decorrer dos meses de junho e julho.

Três jovens judeus participaram do primeiro encontro e compartilharam sua vivência e luta dentro e fora da comunidade judaica. André Liberman, um dos organizadores e idealizadores, começou lembrando a importância de trazer o tema à tona, não só para a comunidade judaica, mas também para que quem é de fora conheça a pluralidade entre judeus e judias, desconstruindo estereótipos enraizados na sociedade.

Assucena Assucena, cantora e compositora do grupo As Bahias e a Cozinha Mineira, Nicholas Steinmetz, mediador do Museu do Holocausto de Curitiba, e Lilyth Esther, antropóloga norte-americana que veio para o Brasil estudar as relações entre gênero, sexualidade e judaísmo, relataram suas histórias de afastamento e reaproximação com o judaísmo. Nicholas, apesar de relutar em falar sobre sua experiência na comunidade judaica, disse ser importante que pessoas LGBTQ+ ocupem cada vez mais esses espaços, porque, apesar de não ter se sentido acolhido durante sua fase de transição na adolescência, o judaísmo forjou muitos dos seus valores e identidade.

“Grande parte das comunidades judaicas aqui do Brasil, são formadas por pessoas que não têm problemas de serem incluídas nesses espaços: são pessoas brancas, cis, hétero, de classe média alta, classe média, enquanto o judaísmo em si é extremamente diverso. A gente não tem só esse pequeno nicho de judeus do Brasil (…) Então, tá na hora da gente ocupar esses espaços. Tá na hora de dizer, ‘não, eu existo e sou tão judeu quanto você’.”

Lilyth Esther compartilhou o quão interessante foi explorar um novo cenário judaico quando veio para São Paulo fazer seu mestrado sobre um assunto tão próximo de sua identidade. Filha de mãe judia e pai não judeu, cresceu em um contexto de grande assimilação, nos EUA. Sua vivência no judaísmo foi completamente diferente da dos outros participantes, “Meu judaísmo sempre foi um judaísmo LGBTQ+, um judaísmo queer. Então, eu não entendia os judeus heterossexuais, cis. Eu ficava, ‘Ah, existem? Verdade’.” A antropóloga disse ter tido muita sorte nesse sentido, porque aprendeu desde o início que o judaísmo é “você quem faz”, e que sentiu muita diferença quando chegou no Brasil. Para ela, que frequentava uma sinagoga LGBT em São Francisco, aberta para todos, o judaísmo sempre foi um lugar de acolhimento. “A comunidade judaica no Brasil é muito difícil, porque se você não tá dentro da comunidade, é muito difícil entrar.” No entanto, reconheceu que a comunidade brasileira tem feito um esforço para construir espaços de discussão do tema e incluir cada vez mais as vozes trans.

Tanto Lilyth Esther quanto Assucena reconheceram a importância de suas avós na formação de sua identidade judaica. A cantora lembrou também que até pouco tempo a transsexualidade estava listada no catálogo de “doenças mentais”, e que até hoje transsexuais não são bem vistos na sociedade, com a diferença de que agora há organizações que, aliadas ao movimento feminista, negro e LGBT lutam por ações políticas e civis que garantam o direito de ser e estar de pessoas trans. Segundo ela, esses são três movimentos fundamentais para entender o que significa o corpo LGBT dentro de uma sociedade, “Não existe uma sociedade que se sustente como justa ou democrática sem os nossos corpos.” Além disso, contou que o vínculo com seu judaísmo e ancestralidade foi imprescindível para que ela pudesse se compreender como “alguém no mundo”.

A busca pela espiritualidade sempre foi algo presente na vida da artista, e a mudança que fez para estudar em São Paulo e o contato com a vida universitária, que ao mesmo tempo fez com que se afastasse do judaísmo, possibilitou a ela se revelar como Assucena, “A poesia me trouxe para fora”, disse. “Todo mundo que é trans sabe o quão difícil é a transição (…) A nossa experiência de dor e de se afastar do seio da comunidade judaica (…) Para mim, foi muito doloroso, principalmente porque eu amava estar, eu amava ir num Cabalat Shabat, eu amava estar presente durante as festas, eu amava discutir judaísmo, uma coisa que eu amo até hoje (…) E eu tive que me afastar desse processo por um medo de rejeição.”

Além da experiência de dor, mas também de autodescoberta enquanto pessoa trans, os jovens responderam perguntas do público que acompanhava a transmissão e compartilharam a importância de terem decidido se reaproximar da comunidade judaica para reivindicar espaço e levantar a bandeira da pluralidade. “Acho relevante deixar claro que a comunidade judaica é diversa. Quando a gente sai da nossa bolha, a gente descobre que tem comunidade judaica preta, comunidade judaica LGBTQ, essas pessoas existem”, afirmou Lilyth Esther, contrariando a visão de que judeus são pessoas estritamente brancas, heterossexuais e cisgênero.

O webinar foi transmitido pelas redes sociais do Instituto Brasil-Israel e continua disponível para acesso no YouTube.

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