Sobre acusações de apartheid e libelos de sangue

Vacinas contra o coronavírus (Crédito: Daniel Schludi)

TEL AVIV – A questão da suposta obrigatoriedade de Israel em vacinar todos os palestinos (defendida pela Anistia Internacional e outras ONGs) está surfando na nova acusação, pela ONG israelense B’Tselem, de que Israel seria um Estado de “apartheid”. São duas acusações graves, que se misturam na ideia de criar uma imagem de Israel como um país intrinsecamente e estruturalmente racista, que não se importa com suas minorias internas e externas.

Para discutir esses dois assuntos, conversei com o Prof. Eugene Kontorovich e a advogada Anne Herzberg. Abaixo, destaques da conversa, que esclarecem alguns detalhes sobre essas novas acusações. Já sei de antemão que quem não gosta de Israel (novamente, não quem critica o governo atual, o que é mais do que legítimo) vai descartar tudo o que está escrito abaixo e vai dizer que os especialistas que entrevistei são “enviesados”. Mas quem quer mesmo discutir esse assunto precisa escutar argumentos de todos os lados.

Eugene Kontorovich é professor da Escola de Direito Antonin Scalia de George Mason, especializado em direito constitucional e internacional. É reconhecido como um dos maiores especialistas mundiais em direito internacional e no conflito árabe-israelense. Já Anne Herzberg é consultora jurídica da ONG Monitor e especializada em direito internacional dos direitos humanos e jurisdição universal;

IBI: Israel foi recentemente acusado de “apartheid” pela ONG B’Tselem, que divulgou um relatório tentando provar o que diz. Israel é um Estado “apartheid”?

Eugene Kontorovich: Não. É como discutir um relatório acusando Israel de usar órgãos de bebês palestinos ou que os judeus mataram Jesus. É uma acusação de crime grave, extremamente inflamada e totalmente falsa. E uma vez que você começa a discussão, de certa forma você está obtendo crédito para alegações completamente infundadas.

IBI: Por que o B’Tselem, então, fez a acusação?

Eugene Kontorovich: O B’Tselem escolheu usar a palavra “apartheid” com muito cuidado. Você certamente pode criticar a ocupação israelense. Você pode dizer “não gostamos das políticas em relação aos palestinos” e isso é totalmente consistente com o discurso democrático. Já dizer “apartheid” é acusar Israel de um crime muito particular. Apartheid é um sistema de subjugação racial e separação. Foi implementado pelo governo sul-africano, que estabeleceu um sistema extraordinariamente complicado e rígido de manter as raças separadas em todas as áreas públicas e manter todas as raças subjugadas à minoria branca. Mas, nem o Tribunal Penal Internacional, que está investigando Israel por vários crimes, investiga algo assim.

IBI: É a primeira vez que o B’Tselem usa essa palavra?

Eugene Kontorovich: Não. Não é a primeira vez que eles usam a palavra apartheid. Por exemplo, em seu relatório de 2004, o B’Tselem publicou que “o regime de estradas proibidas na Cisjordânia” seria “uma prática de apartheid”. Mas agora eles estão usando isso de uma maneira mais ampla. Eles estão dizendo que todo Israel é apartheid.

Anne Herzberg: Este relatório não traz nada de novo. O B’Tselem, nos últimos anos (datando de, pelo menos, 2003) têm jogado o termo apartheid em seus textos. O relatório deles está repleto de retórica altamente ofensiva e, francamente, em minha opinião, calamidades antissemitas.

IBI: O que é apartheid?

Eugene Kontorovich: É um crime definido como o que realiza “atos desumanos cometidos no contexto de um regime institucionalizado de opressão e dominação sistêmica por um grupo racial sobre outros grupos raciais”. É tão terrível que a comunidade internacional não encontrou nenhum outro país como esse tipo de regime. Nem a China com suas políticas contra os uigures, nem o Irã com suas políticas contra os baha’i e os zoroastrianos. O rótulo de apartheid nunca foi aplicado a nenhum outro país, nem ao Iraque de Saddam. nem ao Sri Lanka.

E o que era o apartheid, na prática? A essência era a separação física dos povos com base em uma hierarquia racial. Em Israel, não há distinções raciais ou étnicas na lei, seja dentro de Israel ou em áreas de controle israelense nos territórios. Na África do Sul, locais públicos eram separados por raça. Ônibus, hospitais, praias, tudo era separado. Em Israel, não há separação desse tipo. E nem na parte da Cisjordânia controlada por Israel,onde israelenses e palestinos podem tomar um café na mesma cafeteria do shopping de Gush Etzion.

Aos negros sob o regime do apartheid na África do Sul nunca foi oferecido um Estado independente. Já os palestinos rejeitaram várias ofertas para obter um Estado. Pode-se discutir se elas eram generosas o suficiente, mas foram consideradas ofertas legítimas pelo presidente Clinton e seus sucessores em várias ocasiões.

IBI: Se é realmente tão fácil mostrar que Israel não pratica apartheid, por que o B’Tselem fez a acusação?

Eugene Kontorovich: O B’Tselem deseja é criar manchetes. Eles querem que os jornalistas escrevam sobre eles. Acho que isso apenas banaliza o apartheid. É um insulto a quem sofreu com ele.

Anne Herzberg: Trata-se apenas de um exercício para angariar publicidade. Publiquei um artigo há alguns anos intitulado “Campanha sobre apartheid em Israel é deliberadamente imoral ou intelectualmente preguiçosa”, que inclui uma análise legal detalhada do apartheid e explicação farta de como essa acusação é espúria no que se refere a Israel. Criar esta acusação contra Israel é realmente um insulto às vítimas do apartheid na África do Sul.

O relatório de B’Tselem carece de qualquer análise jurídica. Não apenas em termos das atividades que constituem o apartheid, mas também do direito internacional aplicável relevante. Grande parte da conduta que B’Tselem busca acusar Israel é praticada por quase todos os países do mundo. A “Lei do Retorno”, por exemplo, foi criada para promover a segurança dos judeus após centenas de anos de perseguição. Ela está totalmente dentro dos limites do Direito Internacional e não constitui discriminação de acordo com a Convenção Internacional sobre a Eliminação do Racismo.

Mas o pior do relatório é que ele ignora completamente o pano de fundo histórico do conflito. Ignora as guerras, a disputa territorial, o terrorismo, ignora os Acordos de Oslo, que foi acordado pelos dois lados e reconhecido pela comunidade internacional. Também ignora as muitas tentativas de Israel de negociar e as recusas dos palestinos. Ele também está repleto de falsidades, como a afirmação de que apenas os judeus podem migrar e se tornar cidadãos de Israel.

IBI: Por que o B’Tselem decidiu, então, divulgar esse relatório agora?

Anne Herzberg: É politicamente conveniente para tentar fazer um paralelo com o que está acontecendo nos Estados Unidos, com o “Black Lives Matter”. Quer definir Israel como um país racista, na esteira da infame resolução da ONU de que sionismo é racismo (1975), que foi refutada depois (1991). O momento da publicação é particularmente irônico. Há poucos dias, a UE publicou seu manual sobre a definição de antissemitismo. Uma das definições no manual é “acusar o Estado de Israel de ser racista”. O manual explica que afirmar que um país é racista é uma tentativa de minar a legitimidade internacional desse país.  

IBI: E quanto à questão da vacinação dos palestinos? Várias ONGs sustentam que Israel está deliberadamente negando vacina a eles. Isso está sendo usada para fomentar a acusação de apartheid.

Eugene Kontorovich: Este é um verdadeiro libelo de sangue.  É realmente um olhar de difamação dizendo que os judeus estariam “deixando as crianças palestinas ficarem doentes”. Quando começou a ficar claro que Israel estava à frente em sua campanha de vacinas, meu pai, que nasceu na ex-URSS, disse que era uma pena, porque o país imediatamente iria ser acusado de algo. Eu não acreditei, mas ele estava certo.

É pegar o fato de os palestinos terem seu próprio governo, com seu próprio Ministério da Saúde, e usar contra Israel. Eles têm seu próprio governo e negociam vacinas de forma independente, como estabelecido pelos Acordos de Oslo II de 1995. Fora isso, as Convenções de Genebra claramente não têm em mente essa exigência de que Israel deve vacinar os palestinos. Deixe-me ler um trecho para provar. É do comentário do Comitê Internacional da Cruz Vermelha sobre as Convenções de Genebra. O trecho diz: “Não se deve colocar a questão de responsabilizar sozinha a potência ocupante pelo ônus da organização dos hospitais e dos serviços de saúde e das medidas de controle das epidemias. A tarefa é sobretudo dos serviços competentes do próprio país ocupado”. 

No caso da Autoridade Palestina, eles têm um Serviço de Saúde em pleno funcionamento e é sua tarefa vacinar. A noção de que Israel teria responsabilidade, significa que também teria o poder de executar a política de Saúde Pública na Palestina. Mais um trecho, dessa vez do artigo 56 da Quarta Convenção de Genebra: “Quando a potência ocupante quiser se envolver para importar insumos necessários como medicamentos, vacinas etc., poderá exercer o direito de requisitar e exigir a cooperação, não só das autoridades nacionais e locais, mas também da população para combater as epidemias”. 

Então, se Israel fosse vacinar os palestinos, teria o direito de impor regras de distanciamento social e quarentenas domésticas nos territórios palestinos. É isso que alguém pensa que é a situação real? É isso que as pessoas querem, quando invocam a Convenção de Genebra?

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