O que a guerra na Ucrânia tem a ver com um novo voo direto entre Israel e Egito?

TEL AVIV – Os governos do Egito e de Israel anunciaram que, em abril, será inaugurada uma nova rota de voos diretos entre os dois países. Não entre Tel Aviv e o Cairo, que já existe. A rota será entre Tel Aviv e o balneário de Sharm el-Sheikh, no Sul da Península do Sinai, uma espécie de “Las Vegas” do Oriente Médio. A cidade egípcia vive do turismo – principalmente internacional – com seus cassinos, hotéis 5 estrelas, clima ameno, praias paradisíacas e águas transparentes perfeitas para mergulho com 250 recifes de corais e mil espécies de peixes. 

E daí? Para um brasileiro, pode parecer banal um anúncio de uma nova rota aérea turística. Mas, para Israel, é uma novidade e tanto. É um sinal de muitos desenvolvimentos interessantes no Oriente Médio, tanto econômicos quanto políticos. E, por incrível que pareça, também é uma consequência direta da invasão russa da Ucrânia. Isto é: não se trata apenas de um anúncio menor, mas sim da consequência de diversos fenômenos geopolíticos que acontecem paralelamente e que têm Israel como foco.

Vamos por partes. Os israelenses podem ir a Sharm el-Sheikh, mas não há voo direto. Para chegar lá, podem voar para o Cairo e, depois, para Sharm – o que torna a viagem mais cara e longa (de menos de 2 horas sem a parada para 4 horas com escala). Outra opção é viajar de carro até Eilat e cruzar a fronteira com o Egito a pé, seguindo para Sharm de táxi por mais de 200 km. Quer dizer: 4 horas de carro só de Tel Aviv até Eilat e mais 3 horas, de Eilat a Sharm.

Trocando em miúdos: poucos israelenses viajam atualmente a Sharm el-Sheikh para um feriado ou férias. É complicado e leva tempo. Fora isso, por anos o governo israelense alertava para possíveis atentados terroristas. Por anos, os israelenses que visitavam as praias do Sinai, como Dahab e Nuweiba, eram considerados loucos. 

Mas agora, esse alerta contra atentados não está mais em vigor, já que o braço do Estado Islâmico no Sinai está enfraquecido. E mais do que isso: o relacionamento entre Israel e Egito esquentou muito, nos últimos tempos. De uma “paz fria” vivida desde o acordo de paz entre os dois países, em 1979, o relacionamento – pelo menos diplomático – vive um momento idílico. (Só um parênteses: Sharm el-Sheikh esteve sob controle israelense de 1967 até a devolução do Sinai ao Egito como parte desse acordo de paz). 

O presidente egípcio Abdel-Fattah el-Sissi, se encontrou publicamente com o primeiro-ministro de Israel, Naftali Bennett, duas vezes em menos de um ano. Foi nesse último encontro, em 22 de março, que a nova rota Tel Aviv-Sharm el-Sheikh foi anunciada. Os egípcios querem muito facilitar que os turistas israelenses lotem os hotéis e os cassinos da cidade, neste verão. 

Mas por que agora? É aí que entra a conexão com a guerra na Ucrânia. Os egípcios estão acostumados em receber, a cada verão, milhares de famílias russas e ucranianas em Sharm el-Sheikh. Os turistas desses dois países são os que lotam, em geral, os hotéis da cidade. Mas, este ano, os russos não poderão viajar porque seus cartões de crédito não funcionam mais internacionalmente como parte das sanções mundiais contra a Rússia. E os ucranianos? Dá para imaginar que eles também não irão passar as próximas férias num balneário egípcio.

Os russos e ucranianos não são apenas os maiores grupos de turistas em Sharm. Eles também são donos de hotéis, agências de turismo, cassinos e etc por lá. Quer dizer: essa guerra pode causar muito dano ao turismo no Egito, que significa 15% do PIB do país.

Daí o interesse em atrair os turistas israelenses, sempre ávidos por destinos próximos e baratos. Em Israel, viajar nas férias e nos feriados é um esporte nacional. O segredo é encontrar um bom lugar para a família numa região nem sempre amigável. Os israelenses já não podem visitar países limítrofes como Líbano e Síria. E quase nenhum se aventura na Jordânia – onde a hostilidade contra o país é alta. Certamente, não há como ir para Iraque, Arábia Saudita ou, muito menos, Irã. Então, os destinos mais populares acabam sendo no Mediterrâneo, principalmente Grécia, Chipre e Turquia.

Aliás, a Turquia também está tentando atrair mais turistas israelenses como substituição pelos russos e ucranianos. Não foi à toa que o presidente turco Recep Tayyip Erdogan – que passou uma década xingando Israel – recebeu recentemente o presidente de Israel, Isaac Herzog, em Ancara. Erdogan precisa de Israel para melhorar a economia do país e o turismo é um dos motivos.

A aproximação de Israel com Emirados Árabes, Bahrein e Marrocos (com os Acordos de Abraão, de 2020) foi fundamental para essa mudança de status de Israel no Oriente Médio e nos países mediterrâneos. De repente, Israel passou a ser visto como parceiro legítimo para questões econômicas regionais.

Tudo isso mostra como uma simples rota aérea é mais complexa do que parece. E isso pode ser dito, também, sobre as consequências dos voos baratos e rápidos de Tel Aviv para Sharm el-Sheikh. Quem está mais preocupado com isso são os hoteleiros de Eilat, o balneário israelense preferidos das famílias do país, mas que é super caro, com diárias de hotel simplesmente 10 vezes mais caras do que Sharm el-Sheikh. Eilat também não tem cassinos e nem aeroporto (o mais próximo fica a 20 minutos de viagem).

Quer dizer: a nova rota de turismo pode ser um terremoto para Eilat, que também vive do turismo. A cidade israelense terá que se reformular para concorrer com a competidora egípcia. E isso é difícil. Afinal, os salários dos funcionários dos hotéis e os impostos são muito maiores do que no Egito. O governo israelense talvez tenha que entrar na roda para ajudar nessa reformulação, abaixando impostos e melhorando a infraestrutura de Eilat (que carece de atrações turísticas). 

Enfim, uma nova rota aérea, por aqui, é sinal de movimentação geopolítica e pode levar a consequências internas. Como tudo o que tem a ver com Israel, não é algo simples.

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