O plano de anexação: Colonos e Netanyahu não se entendem

Cisjordânia

TEL AVIV – Não há absolutamente nada que seja consenso em Israel, talvez só que a cor do céu é azul (talvez nem mesmo isso). Mais um exemplo da falta de consenso crônica é o apoio ou rejeição dos israelenses ao chamado “Plano de anexação” de partes da Cisjordânia por Israel, assunto explosivo que o governo Benjamin Netanyahu promete começar a discutir no Knesset (o Parlamento em Jerusalém) a partir de 1° de julho. E que, certamente, será repudiado e rejeitado (talvez com sanções) por ONU e a União Europeia.

Uma pesquisa, do Instituto de Democracia de Israel, conclui que metade dos israelenses apoia a “anexação” (mais uma declaração de soberania do que anexação mesmo física, até porque Israel já controla a Cisjordânia). 

Já outra pesquisa, da Iniciativa de Genebra, concluiu que menos da metade apoia o plano: apenas 41,7%. E mais: que só 3,5% dos entrevistados consideram que assumir a soberania sobre assentamentos israelenses na Cisjordânia – considerados ilegais pela maior parte da comunidade internacional – é uma prioridade neste momento de crise econômica e de pandemia do Coronavírus.

Mas, se alguém pensa que os próprios colonos israelenses na Cisjordânia (cerca de meio milhão espalhados em dezenas de assentamentos) concordam entre si com a medida, pode pensar novamente. Nem eles se entendem e tem líderes entre os colonos fazendo campanha contra a “anexação”. Por que, se tudo o que querem é que Israel estenda suas leis também aos assentamentos (hoje controlados por lei marcial, já que a Cisjordânia não é realmente parte de Israel)?

O Plano de Anexação (vamos chamar assim, na tradução literal do hebraico para o português) está previsto no efêmero “Plano do século” do presidente americano Donald Trump. Grosso modo, sugere que Israel estenda sua soberania nacional a algumas partes da Cisjordânia – território que é controlado por Israel desde 1967, mas que nunca foi realmente anexado ao país (ao contrário de Jerusalém e das Colinas de Golã).

Em troca dessa anexação – e aí mora o “problema”, para alguns líderes colonos –, o plano de Trump exige que Israel se comprometa a aceitar a criação de um Estado palestino no restante da Cisjordânia. Os palestinos não aceitam, o que era de se esperar. Mesmo com a “promessa” de que receberiam finalmente um Estado independente, a liderança do presidente Mahmoud Abbas rejeita peremptoriamente. Não aceita um país em território menor e desmilitarizado.

E os colonos israelenses? Muitos estão felizes com a oportunidade aberta por Trump de “anexar” alguns assentamentos a Israel, mesmo que a anexação não seja de toda a Cisjordânia (o que os colonos realmente querem). Um deles, Pinchas Wallerstein (veterano ex-presidente do Conselho Yesha, que reúne as colônias), disse à TV israelense: “Temos de aceitar o que nos derem. Depois vemos”. 

Ele comparou a situação de agora à decisão de David Ben-Gurion de aceitar a Partilha de Palestina, em 1947, mesmo que, segundo ele, a liderança sionista quisesse toda a “Terra de Israel” e não apenas metade. A Partilha previa dois Estados lado a lado: um judeu e um árabe e se baseou em mapas populacionais da ONU.

Já o advogado Nadav Haetzni, colunista do jornal Maariv e uma das maiores vozes da direita israelense, disse que a comparação com Ben-Gurion é uma falácia: “Os americanos nos dizem: ‘vocês se comprometem conosco a seguir no caminho da criação de um Estado palestino’. É algo que não podemos aceitar. É diferente de Ben-Gurion. Ele estava em uma situação na qual ele não tinha nada e disse: ‘vamos aceitar e depois vemos’. Hoje, temos tudo. Controlamos o território. Por que temos que nos comprometer a repassar 90% da Judeia e da Samária se para a OLP (Organização para Libertação da Palestina)”? 

Outro líder colono que faz campanha contra o Plano de Anexação é David Elhayani, presidente do Conselho Regional do Vale do Jordão. “Se alguém trouxer um bolo para eu comer enquanto aponta uma arma contra a minha cabeça, vou apenas pegar um bolo e ir embora?”, perguntou. “Meu dever é nos salvar das ameaças existenciais”, alegou.

“É lamentável que, em vez de gratidão (a Trump), haja alguém que esteja tentando negar essa amizade, que nunca foi tão boa”, reclamou Netanyahu aos opositores ao plano.

A falta de consenso entre os próprios colonos e a falta de interesse dos israelenses comuns quanto a essa questão (estão muito mais interessados na saúde, na economia, no bem-estar social do que em anexar a Cisjordânia) podem e devem ser levadas a sério pelo primeiro-ministro. Se há algo que todos concordam é que Netanyahu quer, acima de tudo, se manter no cargo e aumentar o quanto puder sua popularidade. Ele lê pesquisas, observa tendências. Sabe também que seu patrono americano, Donald Trump, periga não ser reeleito. Quem sabe ele decida adiar os debates sobre a “anexação” para 2021 – após o coronavírus, após a crise econômica, após as eleições americanas?

Para a liderança de centro e centro-esquerda de Israel, toda essa discussão do “Plano de Anexação” é um mistério. Por que teria Netanyahu – cada vez mais à direita no espectro político e apoiado pelos colonos – aceitado, em troca de uma anexação parcial da Cisjordânia, a criação de um Estado palestino? Que legado ele pretende deixar caso realmente deixe o cargo de primeiro-ministro daqui a um ano e meio (segundo o acordo com o partido Azul e Branco)? 

A direita está ainda mais confusa. Quem é Netanyahu? O que ele realmente quer? Talvez queira apenas que Mahmoud Abbas carregue a culpa sozinho por um plano americano natimorto. Ou queira talvez estender a soberania sobre assentamentos já planejando não cumprir a promessa da segunda parte do plano: a da criação de um Estado palestino.

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