Lei que impede restituições a sobreviventes do Holocausto coloca Israel contra Polônia

O sobrevivente de Auschwitz, Leon Greenman, prisão número 98288, exibe sua tatuagem com o número em 9 de dezembro de 2004, no Museu Judaico de Londres. (Foto: Ian Waldie / Getty Images)

TEL AVIV – Israel está quase em uma “guerra diplomática” com a Polônia. O motivo: uma nova lei aprovada pelo Parlamento em Varsóvia que restringe a restituição de bens roubados dos judeus poloneses durante ou antes do Holocausto. Uma lei que muitos consideram ser fruto da intenção do atual governo ultranacionalista polonês de reescrever o passado e lançar uma sombra sobre a responsabilidade dos poloneses por atos contra judeus cometidos durante a Segunda Guerra Mundial.

Embora não diga nada especificamente sobre o Holocausto ou a Segunda Guerra, a nova lei, aprovada em 14 de agosto e que ainda precisa ser assinada pelo presidente Andrzej Duda, afirma que qualquer luta jurídica para restituições que dure mais de 30 anos será descontinuada. Isso significa, na prática, o fim de qualquer tentativa de indenização por sobreviventes do Holocausto ou de confiscos da era comunista por pessoas que há mais de três décadas tentam rever os bens da família. 

“Certamente, é muito difícil para nós aceitar esse tipo de decisão, que fecha a porta a qualquer tipo de indenização aos idosos que já sofreram tanto”, diz a ex-parlamentar pelo Partido Trabalhista e ex-embaixadora Collete Avital, presidente do Centro de Organizações de Sobreviventes do Holocausto em Israel, que representa 58 associações de sobreviventes.

Para muitos, é uma medida antissemita. Para outros, espelha mais a onda ultranacionalista que só aumenta na Europa e no resto do mundo, até porque não afeta apenas judeus que perderam tudo no Holocausto. Ao que parece, 85% das ações que serão prescritas são de poloneses não-judeus que perderam bens confiscados pelo regime comunista após a guerra.

“Não acho que a lei seja antissemita, embora ache que o antissemitismo pode ser uma motivação para a extrema direita”, diz Collette Avital. “A lei pode ter mais a ver com sentimentos de nacionalismo que estão em ascensão na Europa e em outros lugares”.

Andrzej Duda é considerado um dos líderes mundiais populistas da nova onda ultranacionalista e conservadora que conta como nomes como Donald Trump, Viktor Orbán, Narendra Modi, Recep Tayyip Erdogan e Jair Bolsonaro. Todos pregam medidas duras contra críticos de seus regimes e em geral concordam com ações contra minorias como gays, refugiados e imigrantes. Todos apelam para um suposto passado monumental de seus povos, culpando inimigos políticos e minorias por todos os males.

A ideia de voltar a um passado de glória que nunca realmente existiu, reescrever a História e varrer para debaixo do tapete atrocidades cometidas parece ser algo que une a Polônia de Duda a esses regimes.

A reação de Israel à nova lei foi severa. O ministro das Relações Exteriores, Yair Lapid, chamou de volta o encarregado de negócios da Embaixada de Israel em Varsóvia por tempo indeterminado e adiou o envio de um novo embaixador. Lapid – que é filho de um sobrevivente do Holocausto, o falecido ex-ministro Tommy Lapid – gravou um vídeo alertando o embaixador da Polônia em Israel a não voltar a Tel Aviv depois de suas férias:

“O Ministério das Relações Exteriores recomenda que o embaixador da Polônia em Israel permaneça de férias em seu país. Este tempo deve ser usado para explicar ao povo da Polônia o significado do Holocausto para os cidadãos de Israel e até que ponto nos recusaremos a tolerar qualquer desprezo pela memória do Holocausto e suas vítimas”.

“A Polônia aprovou – e não pela primeira vez – uma lei antissemita e antiética”, continuou Lapid no vídeo. “A Polônia se tornou um país antidemocrático e iliberal que não honra a maior tragédia da história da Humanidade. Nunca devemos permanecer em silêncio. Israel e o Povo Judeu certamente não permanecerão em silêncio”. 

A visão do governo polonês é de que a Polônia foi apenas vítima do nazismo, assim como os judeus. Não foi algoz de ninguém. O primeiro-ministro polonês Mateusz Morawiecki rejeitou as acusações de Lapid em um post no Facebook, escrevendo que “a decisão de Israel de rebaixar o posto de representação diplomática em Varsóvia é infundada e irresponsável”. Ele continuou: “As palavras de Yair Lapid aumentam a indignação de todas as pessoas honestas”.

Existe até mesmo a possibilidade de que o governo da Polônia proíba visita de jovens israelenses aos campos de concentração que existem em solo polonês, uma tradição em Israel, alegando que essas viagens incitariam “ódio aos poloneses”.

A Polônia já coloca dificuldades burocráticas e legais há muito tempo diante dos judeus que buscam recuperar propriedades roubadas pelos nazistas e posteriormente nacionalizadas pelo regime comunista. Ao jornal Times of Israel, o ex-embaixador de Israel na Polônia, Zvi Ravner, disse que os esforços para recuperar a propriedade são frequentemente complicados não só por “exigências legais draconianas e muitas vezes injustas”, mas também por tribunais locais que barram casos que os reclamantes venceram. 

Segundo o parlamentar Yoray Lahav-Hertzanu (Há Futuro), trata-se de mais uma tentativa de reescrever a História e redimir os poloneses de sua participação no Holocausto. Em fevereiro de 2018, o presidente Duda já aprovara uma emenda à lei sobre o Instituto de Memória Nacional, tornando ilegal acusar “a nação polonesa” de cumplicidade no Holocausto e outras atrocidades nazistas alemãs. Quem acusar, pode ser preso e ficar três anos na cadeia.

“Esta é mais uma tentativa direta da Polônia de desconsiderar os crimes cometidos em solo polonês, por cidadãos poloneses. Isso é perigoso”, diz Lahav-Hertzanu. “É uma vergonha. Em vez de assumir responsabilidade – como a Alemanha, a França e outras nações europeias – a Polônia opta por ignorar as atrocidades e crimes cometidos em solo polonês por cidadãos poloneses. É a institucionalização do antissemitismo”.

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