Jornalista palestina tem carro queimado e acusa governo de Mahmoud Abbas

Nadia Harhash (Foto: Reprodução de conversa por Zoom)

TEL AVIV – Em uma demonstração de coragem pouco comum, uma jornalista palestina está acusando abertamente a Autoridade Palestina (AP) de ter colocado fogo em seu carro como retaliação a uma série de reportagens com críticas ao governo palestino. Nadia Harhash, moradora de Jerusalém Oriental, decidiu expor os problemas com a liberdade de imprensa enfrentados por jornalistas palestinos, que, segundo ela, estão piorando desde o começo do surto de coronavírus.

Na noite do dia 30 de junho, uma das quatro filhas de Nadia, Sirina, observou que um homem mascarado estava fazendo voltas em torno do carro, que estava estacionado em frente à casa. Às 2h45 da madrugada, ela acordou com latidos de um cachorro e quando olhou pela janela, viu o veículo em chamas. Nadia ligou para a polícia israelense, que chegou em sete minutos. Ninguém se feriu. Mas o carro ficou totalmente queimado.

As câmaras de segurança da vizinhança registraram um homem mascarado jogando duas bombas caseiras dentro do veículo. Mas, infelizmente, não dá para identificar quem é pelas imagens. “Felizmente o carro não explodiu. Se tivesse explodido, poderia ter machucado a mim e aos meus filhos”, diz Nadia.

Ela afirma que, há uma década, escreve para a mídia palestina. Nunca se sentiu tolhida porque toma cuidados básicos em seus textos, evitando difamações ou informações falsas. Mas a situação ficou crítica, nos últimos meses. Com a chegada do coronavírus, o governo palestino fechou o cerco a jornalistas críticos na tentativa de evitar reclamações quanto à maneira como lida com a pandemia: “Pouco a pouco, o estado de emergência tolhe a liberdade de expressão. As só podem falar o que o governo quer”, afirma a jornalista.

Nadia começou a receber ameaças justamente no final de março, com a chegada do surto e os passos de emergência tomados pelo governo do presidente palestino Mahmoud Abbas. Ela publicou um artigo criticando a maneira como o porta-voz da AP, Ibrahim Milhem, estava se referindo ao surto de coronavírus na Cisjordânia em um site de notícias palestino baseado em Ramallah, sede de governo palestino. Imediatamente, recebeu uma enxurrada de reações raivosas online e, em seguida, foi informada de que o site teve que retirar o texto do ar por pressão da AP. 

“O porta-voz passou a me atacar como nunca”, diz Harhash. “E aí recebi infomações de que membros da AP ligados a ele decidiram retaliar de forma violenta”. 

Ela não acreditou que realmente isso aconteceria. Mesmo assim, decidiu não escrever mais sobre o tal porta-voz na imprensa, reservando assuntos políticos para sua página pessoal no Facebook. Há cerca de um mês, ela publicou um post criticando o nepotismo dentro da AP em reação a uma série de reportagens da mídia palestina revelando que três parentes de funcionários públicos, ligados ao partido Fatah, haviam sido nomeados para cargos importantes no governo palestino. 

Ela comentou as revelações, reclamando que a AP diz não poder pagar salários a seus funcionários enquanto “o filho de um alto funcionário é nomeado para uma alta posição”: “Vemos corrupção em toda parte. A Autoridade Palestina está caminhando para a autodestruição? Ou está apenas destruindo o povo [palestino] para que seus próprios filhos e parentes possam subir ao poder?”, indagou ela.

Foi depois disso que seu carro foi incendiado. Segundo Nadia, ela estava apenas refletindo a opinião de muitos palestinos: “As pessoas reclamam da corrupção no governo, mas muitos têm medo de se manifestar. Algumas têm até medo de dar ‘like’ nas minhas postagens”.

Depois do incidente, Nadia Harhash publicou uma carta aberta ao presidente Abbas, na qual escreveu: “Houve uma tentativa de assassinato contra mim e a minha família enquanto estávamos dormindo. Um terrorista incendiou meu carro. Se não fosse a resposta rápida da polícia e dos bombeiros, minha família teria enfrentado um verdadeiro desastre. Não temos liberdade de expressão. Qualquer pessoa que critique o desempenho da Autoridade Palestina está sujeita a perseguição”.

Abbas não respondeu e nenhuma autoridade da AP condenou o incêndio. “Quando um ato desses ocorre, você sempre ouve condenação. Mas ninguém condenou. Ou estão se regozijando com o que aconteceu comigo ou foram eles mesmos que fizeram. De qualquer foram, eu considero a AP responsável”, acuda a jornalista.

Nos últimos dias, dois jornalistas palestinos que moravam em áreas controladas pela AP foram presos pelas forças de segurança palestinas. Nadia não poderia ser detida por eles porque mora em Jerusalém Oriental, sob controle de Israel. “Se eu vivesse em Ramallah, poderia ser presa”.

Não é segredo que há problemas com liberdade de expressão em muitos países do mundo árabe-muçulmano. Entre os palestinos, também há. Apontar para essa questão não faz ninguém mais ou menos a favor da autodeterminação palestina. Pelo contrário. Ignorar os problemas da sociedade palestina é idealizar e fantasiar uma realidade que não existe. É como a própria Nadia diz:  “Eu sempre achei que minhas críticas ajudariam a criar uma nação. Pensei estava fazendo um favor à AP”.

Apesar de tudo, ela não se sente intimada e não pensa em deixar sua casa. “Espero nunca ter que chegar ao ponto de ter que deixar Jerusalém. Mas nunca pensei que estaria nessa situação. Isso tudo me fortaleceu”, afirma.

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