Jonathan Sacks: o rabino ortodoxo que conquistou diferentes correntes judaicas e outras religiões

Mais que um rabino ortodoxo, Lord Jonathan Sacks foi um dos maiores líderes judeus da modernidade. Sacks nasceu em 8 de março de 1948, na Inglaterra, e teve uma vida pautada por estudar e ensinar o judaísmo, além de combater a assimilação. Sacks morreu em 7 de novembro de 2020, mas não sem deixar um enorme legado que perpassa barreiras.

Ana Clara Buchmann e Amanda Hatzyrah conversaram com o rabino Daniel Fainstein, reitor e professor de estudos judaicos e educação da Universidade Hebraica do México.

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Daniel Fainstein fala espanhol e, por isso, transcrevemos as falas deles para que você, que não tem familiaridade com o idioma, possa acompanhar!

ANA CLARA: Quais foram as principais influências e inspirações do Sacks?

DANIEL: Bom, o rabino Sacks tem diferentes faces, diferentes aspectos do seu pensamento. Ele nos relata que, quando era jovem e estava na Universidade de Cambridge, ia estudar para ter uma profissão “normal”. Mas, ele fez uma viagem a Estados Unidos. E nessa viagem se encontrou com duas figuras muito destacadas do mundo judaico: o rabino Lubavitch e o rabino Yosef Solo Beit. E ele disse, o rabino Sacks, que com o rabino Lubavitch ele aprendeu o que era liderança. E com o rabino Solo Beit, aprendeu o que significar pensar como judeu. 

A partir desse momento, quando ele volta à Inglaterra, decide se dedicar aos estudos judaicos. Vá estudar no Jewish College, continua estudando na universidade e vai dedicar toda sua vida a estudar a cultura judaica. 

Agora, o rabino Sacks, podemos descrever sua vida intensa intelectualmente, espiritualmente, em três aspectos: o rabino Sacks como rabino principal da Grã-Bretanha; uma segunda característica é como interprete e como comentarista judaico; e o terceiro aspecto, o rabino Sacks como um intelectual público. Cada um desses aspectos tem muitos para aprendermos e ensinarmos. 

Agora, o rabino Sacks definiu claramente qual eram suas perspectivas para se relacionar com o mundo. E ele diz, e aqui tenho um texto que é muito claro, no qual ele define quais são os lugares da sabedoria universal, do conhecimento científico e qual o lugar da Torá na forma dele de entender o mundo e de pensar. E ele diz: “Sabedoria é a verdade que descobrimos. Torá é a verdade que herdamos, que recebemos de nossos pais. Sabedoria é a linguagem universal da humanidade. Torá é a herança específica do povo de Israel. Sabedoria é o que adquirimos ao ser criados à imagem e semelhança de D’us, Torá é o que nos guia, os judeus, como povo de D’us. Sabedoria é o que adquirimos, o que buscamos e encontramos por meio do que vemos e da nossa razão. Torá é o que recebemos ao escutar e ao responder. A sabedoria nos diz o que é, a Torá nos indica o que deve ser.”  

Esse é um enfoque, como vocês veem, que permitiu ao rabino Sacks dialogar, debater, participar em palestras com gente de todo tipo de ideias. Ateus, gente de outras religiões, cientistas, porque ele tinha uma claridade do lugar a partir do qual ele entendia o universo. 

Eu diria que o rabino Sacks se caracterizou com isso e também com essa ideia de ser uma voz muito universal dentro do judaísmo contemporâneo, que tinha um equilíbrio entre as demandas universais de um mundo multicultural e moderno, com as particularidades ligadas ao judaísmo. 

AMANDA: Acredito que boa parte dos nossos ouvintes não conhece com a ideologia de Jonathan Sacks. Quais você diria que são os pontos mais importantes da ideologia dele?

DANIEL: O rabino Sacks, como disse, definiu desde o começo de sua carreira rabínica uma série de princípios que permitia que ele pudesse atuar com todo mundo. Como judeus, desde a Torá, mas em um lugar amplo. Ele disse quando foi nomeado o Rabino-Chefe das comunidade judaicas da Inglaterra – e quero esclarecer, foi nomeado rabino da organização que reúne a maioria das sinagogas inglesas que são ortodoxas modernas, mas não representada nem aos grupos charedim, mais ortodoxos, nem aos grupos liberais, que também existem na sociedade britânica, mesmo que sejam menores -, ele disse que ia haver cinco princípios que o guiariam como Rabino-Chefe, ele teve esse cargo de 1991 até 2013: o amor a cada judeu, o amor ao conhecimento em geral e ao estudo da Torá, o amor a D’us, uma profunda contribuição à sociedade britânica e um profundo contato e vínculo com o Estado de Israel.

Esses cinco princípios formam parte da sua visão. O amor ao povo de Israel, o amor ao estudo e ao ensino, o amor a D’us e um compromisso com a sociedade em que vive como judeu e não um enfoque de isolamento, mas de participação ativa, e um vínculo profundo com o Estado de Israel. 

Também, o rabino Sacks, se o vemos como um intelectual público, ele participou de discussões de grandes temas que preocupam a sociedade. Como, por exemplo, em seu livro “A Grande Aliança”, fala de D’us, a ciência e busca de sentido. E ele distingue que a ciência e a religião, por exemplo, não estão em conflito, não estão em choque, mas se complementam. 

E cito o rabino Sacks, para entender um pouco seu enfoque: “A ciência é a busca de explicações. A religião é a busca de significado, de sentido. Acreditar nas bases da ciência que o universo não tem sentido, é confundir duas disciplinas de pensamento: a explicação e interpretação. E a busca de sentido, de significado, começa com a ciência, mas deve ir além da ciência. O significado de um sistema se encontra fora do sistema. Portanto, o significado do universo se encontra fora universo. A crença em um D’us que transcende o universo foi o descobrimento do monoteísmo ‘abrahamico’, que transformou a condição humana, já que deu sentido. E, dessa forma, resgatou o ser humano da tragédia em nome da esperança”. 

Aqui vemos como, para Sacks, religião e ciência são dois caminhos que não estão em conflito, se complementam. A ciência explica, a religião dá sentido. E isso é interessante porque evita dois extremos, as posturas de fundamentalistas religiosos, sejam judeus, cristãos ou de qualquer grupo, que afirmam que a religião não só dá sentido, mas explicação, e levam os textos bíblicos de forma literal. E, por outro lado, descarta a postura dos cientificistas extremos, que negam a possibilidade do sentido e do significado. 

Aqui, o rabino Sacks encontrou um caminho nesse tema. Em outro livro, que se chama “Não em nome de D’us: Como afrontar a violência religiosa”. Esse livro é uma resposta do rabino Sacks ao que aconteceu no 11 de setembro e em todos os casos de terrorismo, muitos inspirados do islamismo extremista. Ele alega que o papel da religião é construir uma base comum das diferentes religiões, para fortalecer a democracia e fortalecer os direitos humanos como tal. 

Então, ele afirma que é preciso combater o extremismo religioso, mas também, diz o rabino Sacks, que a moral secular não pôde resistir nem à Alemanha nazista, nem à Rússia stalinista. Para ele, precisamos de amarras, de conexões com a ontologia sagrada do encontro humano-divido. 

Para o rabino Sacks, precisamos de uma base religiosa para poder nos opor aos extremismos, aos fanatismos, tanto de esquerda quanto de direita, e de qualquer outra linha. 

Por último, para acrescentar nesse tema de crenças, o rabino Sacks escreveu outro livro em seu caráter de intelectual público, que se chama “A Dignidade da Diferença: Como evitar o choque das civilizações”, que também é um problema concreta. O que ele diz é que temos que saber que encontramos D’us na cara do estrangeiro. E essa é uma grande contribuição da Bíblia, da Torá à ética. D’us criou as diferenças, portanto, todo aquele que eu encontro é diferente. E, diz o rabino Sacks: Abrahão encontra D’us quando ele convida três estrangeiros a sua tenda, como conta o relado da Torá no livro de Gênesis. Quer dizer, o rabino Sacks desenvolve uma visão que, sem renunciar aos valores da Torá, sem negar os valores do particularismo judaico, o cumprimento dos preceitos, o comprometimento com a comunidade particular, está aberto para o diálogo com outras religiões, o diálogo com a ciência. Então, desde esse ponto de vista, o rabino Sacks trilhou um caminho muito interessante. 

ANA CLARA: Quais livros o ouvinte deveria estar de olho para próximas leituras?

DANIEL: Há muitos que estão traduzidos. Um livro que tem que ser é uma série, em inglês, que chama “Covenant & Conversation”, são cinco livros que são comentários sobre a leitura da Torá de cada semana. Aí, cada um pode ver como Sacks aparece como um comentarista judeus que usa os temas da Torá e os analisa com perspectivas filosóficas atuais, com textos do midrash, da literatura rabínica, de outros filósofos judeus. Ou seja, são textos muito interessantes e ricos. Tem um pra cada parte da Torá, Gênesis, Êxodos, etc. Acredito que são livros que vale a pena ler. 

Porque o rabino Sacks desenvolve a ideia, e me parece interessante, que o livro de Gênesis é um livro de filosofia, mas escrito de forma não filosófica. Em Gênesis, a verdade é que são relatos, histórias, narrativas. E ele faz uma análise muito rica de vários temas da filosofia, mas aparecer por meio da história de Abraham, Itzhack, Yaakov, dos filhos de Israel. 

Acredito que ler esses livros com comentários da Torá é muito importante. Também diria que tem que ler alguns dos livros que já mencionei para ver Sacks como intelectual público. Como “Não em nome de D’us”, ou “A Dignidade da Diferença”. Acho que são livros que valem a pena ler como tal.

Me parece que são livros interessantes que abordam temas interessantes. 

AMANDA: Como o rabino Sacks foi nomeado Lord? 

DANIEL: É preciso diferenciar duas coisas: o rabino Sacks foi nomeado Lord porque há na tradição que grandes personalidades com contribuições à sociedade inglesa e que são grandes cientistas, ou líderes religiosos, ou empresário, ou músicos, com os Beatles, os nomeiam “Lord”. São esses que formam a Câmara dos Lords, o parlamento britânico, o parlamento mais antigo de forma ininterrupta. Então, é um cargo que deu o parlamento e ele era um membro da Câmara dos Lords, que é um parlamento não é por eleição popular, mas por figuras destacadas da cultura, da ciência, das artes que contribuem para analisar vários temas da sociedade. Por um lado, é isso. 

Por outro lado, ele era o Rabino-Chefe. E quero explicar: na Inglaterra, em 1750, havia o cargo de Rabino-Principal, que é como o rabino que representa a comunidade judaica perante as autoridades políticas, religiosas do estado. Como disse antes, o rabino Sacks, como outros rabinos que o precederam e outros que vieram depois, ele era o rabino oficial de um setor, não de 100% dos judeus. Digamos que de 70% dos judeus oficiais da Inglaterra, esse era o cargo. Não é um cargo parecido com o do Papa, porque no judaísmo não existe a instituição do Papado, uma autoridade única de temas religiosos que é infalível e indiscutível. 

O rabino Sacks foi criticado por alguns rabinos ultra ortodoxos porque viam que ele tinha abertura demais com certos temas científicos ou diálogo com outras religiões. E também foi criticado por setores mais liberais, porque tinha posturas mais conservadores em relação às leis judaicas ou em outros casos. Então, ele foi o líder oficial de uma parte muito importante e majoritária do judaísmo da Grã-Bretanha. Mas, ao mesmo tempo, o rabino Sacks, ao ser um intelectual público, que falava de temas atuais para públicos não necessariamente judeus, públicos gerais, como filósofo, como pensador, ganhou um espaço muito valorizado na sociedade inglesa. E não só na sociedade inglesa. O fato de que a maior parte dos livros do rabino Sacks estão traduzidos ao espanhol e ao português dizem como ele era uma figura que soube chegar aos corações e às mentes das pessoas. 

Temos muito que aprender com a obra dele. Eu não estou de acordou com muitos dos temas que ele traz, mas é um pensador muito valioso, muito importante e que vale a pena ler para entender um judaísmo de alto nível. Porque muitas vezes, particularmente no mundo ortodoxo, ouvimos um discurso muito pobre, primitivo, superficial. O rabino Sacks mostrou que um judeu profundamente ortodoxo pode ser um judeu profundamente humanista e universal. 

ANA CLARA: Os liberais não declaravam que ele era Rabino-Chefe, como isso funcionava dentro das comunidades da Inglaterra? Ele tem uma visão bastante particular de política e religião, de serem coisas que não se misturam. Queria que você comentasse isso.

DANIEL: A respeito da primeira pergunta: no judaísmo, podemos viver muito bem sem um Papa. Estamos acostumados. Ou seja, a autoritária do judaísmo está dividida em diversos grupos, não tem uma autoridade central. Desde que acabaram os sanedrim, já faz mais de 1800 anos, não tem uma autoridade universal da lei judaica, a halacha, e do pensamento judaico. Tem diferentes figura. E tudo depende da grandeza de cada autoridade, de cada rabino, de cada pensador, e de quem o aceita como tal. 

Nós, judeus, conseguimos viver com muito bem com essa pluralidade de líderes e de posturas religiosas. Temos que encontrar a forma de conviver respeitosamente um com o outro para poder, digamos, conservar o sentido do povo judeu como um povo unificado. Unificado não significa que não tenha diversidade, porque o judaísmo sempre foi diverso, então, ele era um rabino que era o principal representante do judaísmo britânico, da Commonwealth, mas não era a única voz. Tem temas, como o papel da mulher, que ele era mais tradicionalista que as linhas liberais. 

Sobre a segunda pergunta, sobre política e religião, o rabino Sacks conhecia os perigos do extremismo religioso. Não só no islã, mas também no judaísmo. E ele acreditava que uma leitura séria, crítica e profunda das fontes do judaísmo nos mostra que tem uma concepção de que o espaço público da comunidade, da política no sentindo original, a polis, a cidade, o que acontece é que era uma postura que chamaríamos de democrática liberal, mas com base religiosa. 

O rabino Sacks entende que, se se tira as bases religiosas dos valores, você deteriora também a democracia. Ele pensava que os valores religiosos, bíblicos, que levam em conta o bem comum, a família, são muito importantes para sustentar um espaço público, uma cidade, uma comunidade que tenha resistência de extremos de um lado ou de outro. Estamos falando que era um grande defensor da democracia e dos direitos humano, com uma concepção mais tradicionalista, fundamentada em inspirações da Bíblia hebraica e seus valores sociais de justiça, de respeito à diversidade. 

ANA CLARA: Acho que o judaísmo hoje é muito político e faz parte do nosso papel como judeus saber criticar a política. 

DANIEL: É verdade. O judaísmo tem uma forte dimensão política e social. O exemplo mais claro são os profetas de Israel. Se uma pessoa lê os profetas de Israel, eles falam muito pouco de D’us e muito da injustiça social, da idolatria, da falta de respeito pelo pobre, pelo estrangeiro, pela viúva e pelo órfão. Qualquer um pode ver que profetas de Israel nos ensinam que D’us se preocupa fundamentalmente pelos mais vulneráveis e que nossa tarefa é criar sociedades e comunidades que deem apoio e se solidarizem com toda a comunidade, mas particularmente com os que têm mais necessidade, para que cada ser humano possa desenvolver seus potenciais, suas capacidades. 

ANA CLARA: Sacks fazia parte do que a gente chama de ortodoxia moderna. Com essa dificuldade de as linhas judaicas conversarem, como Sacks conseguiu ultrapassar essas diferenças e ser uma referência para todo mundo? 

DANIEL: O rabino Sacks, é preciso dizer, vem da ortodoxia moderna, cuja primeira figura no começo das correntes religiosas modernas foi o rabino Shinshon Rafael Hirsch. Shinshon Rafael Hirsch escreveu na sua obra que o judaísmo deve ser, como diz a literatura rabínica e a fé, tem que combinar o estudo da Torá, o melhor da cultura moderna. O rabino Sacks vem de uma tradição da ortodoxia moderna, do judaísmo britânico que não é como na Alemanha, que havia tantas divisões, ou o judaísmo da Europa Ocidental que havia as correntes seculares e as correntes religiosas.

O judaísmo britânico é mais conservador, tradicional, mas aberto no sentindo intelectual. O rabino Sacks, que era um grande defensor da cultura judaica, dos valores judaicos, etc, virou um porta-voz que falava para muita gente, que era um ótimo representante o judaísmo. Quando alguém escuta alguém que fala sobre judaísmo, às vezes se escuta líderes religiosos, líderes comunitários, e sente um grande orgulho, algo que nos faz sentir bem, que diz coisas profundas. E às vezes escutamos coisas que são muito pobres, negativas. Como o rabino Sacks era um grande orador, um pensador muito claro, muito articulado, muita gente, pra além do mundo ortodoxo, o apreciava e valorizava. Judeus seculares, judeus liberais, porque, realmente, ele é um grande representante dos valores do judaísmo.

Então, não temos que ser escravos das marcas. Se é conservador, reformista, ortodoxo, não importa. Temos que aceitar a verdade, independentemente de onde ela esteja. E se alguém fala a verdade em uma linha que não é a minha, bem-vindo e que bom que seja assim. O rabino Sacks com sua obra, suas conferencias, ganhou o respeito de judeus muito diversos e de muita gente do mundo não judeu, que também viu nele um pensamos que fala sobre o lugar da religião no mundo pós-moderno. Por isso, acho que ele ganhou um espaço para além do mundo judaico, que o tornou muito respeitado e o deu muito reconhecimento na sociedade geral.

AMANDA: Quem seria um sucessor do rabino Sacks? 

DANIEL: Há, por um lado, um sucessor formal. Quando ele terminou o mandato de rabino principal, o rabinato no ano de 2013, o segue o rabino Marvis, que está agora no cargo. Ele tem um perfil um pouco diferente, é mais próximo ao mundo ultra ortodoxo, é um rabino também ortodoxo moderno, mas mais tradicionalista, não é um intelectual público, é um rabino mais para dentro da comunidade judaica. Uma pessoa respeitada, também correta, mas não tem o carisma e as condições.

É difícil saber quem é sucessor atualmente, porque ele acaba de morrer. Tem rabinos jovens nos EUA, em Israel, alguns também na Europa, que são rabinos que tentam manter o equilíbrio. Na corda bamba, podemos dizer, entre judaísmo e modernidade, particularismo e universalismo. A linguagem interna da comunidade e a linguagem universal da humanidade.

Me custa agora dar um nome em particular, penso em algumas figuras. Esse tipo de pensador é comum no mundo liberal. Rabino Wolpi, que é um rabino conservador muito respeitado porque é uma figura nesse sentido, muito reconhecido nos Estados Unidos, e outros. Temos figuras desse tipo, mas não tem um nome que se diga que é o seguidor ou o discípulo principal é esse. 

É muito recente a morte. Mas o bom é que o rabino Sacks, como escritores e pessoas assim, deixa sua obra para além de sua morte. Sua obra vive em seus livros, também nos seus filmes e conferências que se poder ver no YouTube. Gente assim deixa um legado que vai além, porque estão no que ele escreveu e no que ele editou. As pessoas têm de ler eles, estudar eles, aprender da sabedoria deles. 

ANA CLARA: Qual era a posição dele em relação à Israel?

DANIEL: Ele era muito sionista. Era um grande defensor de Israel. Ele reconhecia que Israel é um espaço fundamental para o judaísmo contemporâneo. Ele visitava cada ano Israel e era respeitado lá. Ele tinha um diálogo até mesmo com políticos, como Yair Lapid, o chefe da oposição atualmente, que é um homem que os partidos religiosos criticam muito, porque é visto como muito secular e anticlerical. Mesmo assim, ele teve conversas com o rabino Sacks e o respeitava e valorizada muito.

O tipo de judaísmo que o rabino Sacks representava não é tão encontrado em Israel, país que está dominado por uma burocracia ortodoxa. Em muitos casos, quem vem no mundo ortodoxo não tem uma educação universitária, a maioria dos rabinos oficias não tem educação universitária. É gente que sabe de halacha, a lei judaica, se dedicam a temas muito específicos, mas não tem a visão global como o rabino Sacks.

Então, o rabino Sacks foi um grande defensor do Estado de Israel e do sionismo. Ele valorizava os desejos de Israel com o mundo árabe, ele era alguém que, diferente de grupos ultra ortodoxos não sionistas, ou até antissionistas, ele era muito sionista e colocou isso como uma de suas bandeiras quando foi rabino principal.

“A profound contribution to British society and an unequivocal attachment to Israel”, para ele são dois valores fundamentais. Ser profundamente membro, cidadão do país que habitamos e, ao mesmo tempo, ter um vínculo profundo, reconhecimento de apoio ao Estado de Israel.

AMANDA: Ele falava muito do orgulho de ser judeu como uma forma de combater a assimilação. Conta pra gente o que seria esse orgulho. 

DANIEL: O rabino Sacks entende que ser judeu é uma forma de contribuir para melhorar o mundo. Que o judaísmo é uma forma de vida que tem valores muito importantes para contribuir com a sociedade e para preservar a humanidade de cada um de nós. Por exemplo, o rabino Sacks fala da importância do Shabat. Ele diz que a sociedade moderna, com o burnout das redes sociais e em tempos em que as pessoas vivem escravizadas pelas redes sociais, e o Shabat é um dia em que você deixa, por 24 ou 25 horas, todas as conexões com essas redes sociais, se dedica a tua família, a você mesmo, se conecta com livros, com pessoas, e tudo isso tem um valor fundamental. 

Então, nesse sentido, o rabino Sacks pensava que um dos grandes problemas do povo judeu na atualidade é o abandono de muitos jovens do caminho do judaísmo. Em partes, porque não tem tanta gente como ele, como o rabino Sacks, que pode explicar com uma linguagem atual, relevante, os valores judaicos. Há muita ignorância. Então, o rabino Sacks queria explicar, e tem seu livro “A Letter in the Scroll: Understanding Our Jewish Identity and Exploring the Legacy of the World’s Oldest Religion”, é um texto que eu recomendaria para os jovens. Não sei como se traduziu no Brasil. É um texto que se dirige aos jovens da nossa geração e explica porque o estilo de vida judaica é relevante, profundo e ajuda não só a mim como individuo a achar um lugar no mundo, uma identidade, mas também como, dessa forma, posso ser alguém que contribuiu para o bem-estar da humanidade.

ANA CLARA: Qual foi a repercussão da morte dele? Foi tudo muito rápido, teve a pandemia, ele descobriu o câncer um mês antes do falecimento. Você acha que, se não fosse a pandemia, a movimentação teria sido maior? 

DANIEL: Eu acredito que teve um grande impacto. Fazia muito tempo que a morte de um pensador judeu não tinha tanto impacto quanto teve a morte do rabino Sacks. Acho que teve um efeito muito grande em Israel, as palavras do príncipe Charles, as palavras do intendente do London, alguém islâmico, Said Hanke, falou dele dizendo que todos aprendíamos muito com ele. Desde o príncipe Charles, o primeiro ministro Boris Johnson, intendente do London, passando por rabinos de todo o mundo, de todas as correntes, salvo o mundo ultra ortodoxo, porque aí menos, teve um grande impacto. Porque ele era uma figura muito respeitada. E agora o rabino Sacks estava vivendo muitos nos EUA, que é a maior comunidade judaica do mundo, e ele estava aí desenvolvendo suas ideias, dando aulas na Yeshiva University. Ou seja, o rabino Sacks estava crescendo para além da Grã-Bretanha e do mundo judaico e estava se posicionando como um grande intelectual judeu, religiosos, que analisa e estuda os grandes problemas do mundo.

Teve um grande impacto. Fazia muito tempo, não me recordo, que um falecimento de um líder judeu tenha gerado tanta consternação no público. Porque morreu relativamente jovem, tinha 72 anos, e podia ter muitas mais contribuições a dar. Foi muito impactante e isso é graças ao respeito que soube ganhar como rabino, como líder espiritual, como intelectual.

AMANDA: Qual a gente poderia dizer que é o principal legado do rabino Sacks?

DANIEL: Eu diria que tem dois. Um é que uma pessoa pode ser profundamente judia, profundamente judia ao legado de seus pais, ao legado da tradição, à observância religiosa, e isso não quer dizer que ela tenha que ter uma mente fechada. Uma pessoa pode ser membro, ou melhor, deve poder combinar suas conexões, seus vínculos com a família, com os valores da comunidade judaica, com Israel, e ao mesmo tempo ser um bom cidadão do país que vive e um cidadão do mundo. Esse acho que é um.

O outro é que a pessoa deve ser um gentleman, e isso é o que ele era. Elegante, respeitoso, ele podia discutir com Hawkins, um dos principais ateus, mas com respeito, com humos. Acho que ele ensinou que o judeu pode ser um participante ativo no grande diálogo da humanidade, entre a ciência, a política, a religião, os diferentes temas. Ele mostrou o judaísmo em um nível muito alto e, por isso, se você compara, diz “eu ouvi esse rabino e só sabe falar e conta histórias bobas e não sabe explicar conceitos”, bom o rabino Sacks mostrou que ser uma pessoa observante, ortodoxa, não tem porque limitar minha capacidade espiritual e intelectual.

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