“Israel não é mais tido com o principal inimigo da região”, afirma Monique Sochaczewski

O chanceler do Bahrein, Abdullatif al-Zayani, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, o presidente Donald Trump e o chanceler dos Emirados Árabes Unidos, Abdullah bin Zayed Al-Nahyan.

Israel assinou, hoje, na Casa Branca os acordos de normalização de relações com Emirados Árabes Unidos e Bahrein. A iniciativa, liderada pelo presidente americano Donald Trump, tem recebido elogios e críticas de países e ativistas ao redor do mundo. Para a co-fundadora e pesquisadora sênior do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio (GEPOM) Monique Sochaczewski, esses acordos e outros que podem vir nesta esteira indicam que Israel não é mais o centro da balança da região. 

Qual é a importância dos acordos de normalização entre Israel, os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein? 

Os acordos de normalização das relações entre Israel e esses dois países do Golfo indicam, antes de mais nada, que Israel não é mais tido com o principal inimigo da região. Coloca por terra agenda antiga de que não haveria normalização sem resolver a questão palestina. Acho também importante frisar que não teriam ido adiante sem aval saudita. Dificilmente a Arábia Saudita em si assine ela própria um acordo do tipo enquanto o rei Salman estiver oficialmente no poder – tendo sido ele uma pessoa ativa na questão palestina -, mas é bem provável que aconteça se, de fato, for MBS a substituí-lo. Na biografia recém-lançada sobre o mesmo, escrita por Ben Hubbard, ele deixa claro que Israel é visto pelo príncipe saudita não como inimigo, mas como “vizinho legítimo com interesses políticos e econômicos compartilhados”. 

O que muda no tabuleiro da geopolítica da região?

A grosso modo temos três eixos geopolíticos na região. Um deles é o chamado Crescente Xiita ou Eixo da Resistência, que articula Irã, Hizballah, Iraque, Síria e proxies como os houthies no Iêmen. O outro é o que podemos chamar de “Southern Camp”, ou ainda “Amigos dos EUA”, que articula justamente Israel, países do Golfo e Egito. E há ainda a Turquia, articulada com o Catar, a Irmandade Muçulmana e com agenda islamita sunita na região. Os acordos de normalização entre Israel, EAU e Bahrein, deixam às claras as relações que já se sabia existir de maneira velada entre o “Souhtern Camp”, sobretudo, visando conter o poder do Irã na região, mas também vislumbrando outras parcerias com vies econômico. Para se ter uma ideia ressalto o que o amigo e interlocutor das questões do Oriente Médio, Gabriel Pacironik, me indicou recentemente: há projeto de ferrovia ligando Haifa a Arábia Saudita, passando pela Jordânia revelado desde 2018. A ideia é de encurtar o caminho do Golfo para a Europa e bypassar a Síria em guerra. Vale ressaltar ainda que os acordos incomodam à Turquia, por ver ali articulação capaz de frear seus interesses no Mediterrâneo Oriental.  

Trata-se de uma onda? Outros países vão também normalizar as relações com Israel? Quais? 

Parece sim ser uma onda, com esses dois países já adiantados e com indícios de que Omã, Sudão e mesmo Marrocos também possam seguir no embalo. Como disse o professor Uzi Rabi, da Tel Aviv University, em live recente sobre a geopolítica do Oriente Médio, “Israel é um fait accompli”, está na região para ficar e há de se viver com isso. Agora é uma onda também no sentido dos atores envolvidos terem agendas internas no momento, sobretudo Donald Trump com a busca pela reeleição nos EUA e Binyamin Netanyahu às voltas com manifestações semanais contra si e gestão complicada, para dizer o mínimo, da crise da Covid 19. Entregam coisas tidas como positivas e desviam a atenção de seus muitos fracassos. No caso dos Emirados, Muhammad bin Zayed (MBZ) chama para si um papel de inovação e de liderança, que vale acompanhar também. 

Quais países e grupos enaltece esses acordos e quais desprezam? Por que?  

Como dito acima, os países felizes e tristes, digamos assim, com os acordos, seguem em grande medida as articulações em torno dos eixos elencados. Vale ressaltar, porém, que dentro de Israel, por exemplo, colonos se sentiram traídos por Bibi voltar atrás na ideia de anexação. E os ativistas que vem se manifestando semanalmente contra o que chamam de “Crime Minister”, no caso Bibi encrencado com a justiça, têm backgrounds variados, mas muitos entendem que a paz deve ser feita antes com os vizinhos palestinos e que sobretudo uma viagem para os EUA com a família inteira em tempos de véspera de novo lockdown, é escárnio. 

Por que lideranças palestinas criticaram o acordo se, entre as contrapartidas anunciadas por Israel, está a suspensão da anexação dos territórios da Cisjordânia? 

As lideranças palestinas – ANP e Hamas, elas mesmas inimigas entre si – foram unânimes contra os acordos. A Autoridade Nacional Palestina falou em “faca nas costas” e chamou seu embaixador de Abu Dhabi de volta. Houve uma tentativa de levar a coisa para a Liga Árabe, mas a organização não foi adiante com moção contrária aos acordos e isso é bem simbólico. O temor é de que normalização das relações sem um acordo de paz com os palestinos perpetue a ocupação israelense. Muitos se recusam a aceitar a normalização sem a criação de um estado palestino e lembram que é isso que estava previsto na Iniciativa Árabe da Paz de 2002, liderada pela Arábia Saudita, que demandava a retirada israelense dos territórios capturados em 1967 para ganhar reconhecimento de todos os estados árabes. Os Emirados alegam, por sua vez, que a iniciativa fez Israel suspender anexações.

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