Fracasso do lockdown: como Israel leva goleada da 2ª onda de COVID

Praia de Tel Aviv em 8 de julho de 2020. Foto de Amir Levy.

TEL AVIV – Este texto é um desabafo. Estou bem decepcionada com o comportamento de muitos israelenses em meio a uma segunda onda de COVID-19 muito maior e mais severa do que a primeira. Israel decretou um segundo lockdown de três semanas às 14:00 desta sexta-feira (18 de setembro). Foi o primeiro país ocidental a tomar a decisão de fechar tudo de novo diante de uma rápida escalada no número de infecções e de mortes pelo novo coronavírus. 

Mas, ao contrário do primeiro lockdown, em março e abril, quando a adesão foi grande e o país se orgulhou de ser quase uma “Nova Zelândia”, um “modelo” de enfrentamento da pandemia, agora os israelenses demonstram desprezo pelas regras, cada um tentando inventar uma desculpa, procurar alguma brecha, para não cumprir com o lockdown

Como uma população pode simplesmente desprezar, no auge da pandemia, regras pensadas para salvar sua própria vida? 

Como tudo o que é complexo, há muitos motivos para esse fenômeno. Mas o mais interessante, a meu ver, é paradigma do sucesso anterior. É a indiferença causada pela arrogância do vencedor e a certeza de que nada mais acontecerá. Quer dizer: ao invés de repetir as medidas que levaram ao sucesso de antes – afinal, já passaram por isso e já sabem o que fazer –, as pessoas acreditam ser invencíveis.

É como um time de futebol que leva um 5 a 0 depois de conquistar um campeonato. Os jogadores se achavam invencíveis, começaram a treinar menos, sair para festejar mais e, quando perceberam, tinham perdido a partida. E a equipe técnica, ao invés de manter os jogadores cientes de uma possível derrota, se deixaram levar pela euforia e arrogância. Só depois da derrota é que eles entendem que a temporada anterior só foi boa porque eles seguiram um regime estrito de treinos, com uma estratégia clara. 

Da mesma forma, Israel reagiu bem à primeira onda devido a medidas rápidas de fechamento de fronteiras, lockdown interno com diversas fases e de algo que parecia ser uma estratégica clara. Com a cooperação da grande maioria da população, foram menos de 300 mortes e, no auge, 800 infectados por dia. Em maio e junho, tudo parecia estar bem. Houve dias sem nenhum infectado ou vítima fatal. 

Mas aí todos (governo e população) pensaram: “está dominado”. As pessoas voltaram quase à normalidade e o paradigma do sucesso entrou em efeito. Uma segunda onda bem mais forte chegou no começo de agosto – depois de reabertura de shoppings, restaurantes, academias etc., com agravamento em setembro depois da volta às aulas – e os israelenses, orgulhosos de sua vitória anterior, se sentiram imunes.

Afinal, os piores cenários de mortos e infectados não se realizaram (justamente porque houve adesão às medidas, da primeira vez!).

O descuido motivado pelo sucesso anterior levou a que, atualmente, Israel contabilize quase 1.300 mortos e incríveis 6 mil infectados por dia. Alguns hospitais já não aceitam mais doentes graves por corona. As equipes médicas estão fatigadas. Israel conseguiu ultrapassar os EUA em número de infectados diários. Tem 2.115 casos por 100 mil pessoas, enquanto a América tem 2.078. Agora, só fica atrás do Brasil e do Peru.

Os descuidados alegam estar decepcionados com o governo. Há os que reclamam de não estar recebendo indenizações como deveriam. Os que acreditam ter direito a rezar em sinagogas (algumas lotadas) ou ter direito a protestar (em manifestações lotadas) contra o primeiro-ministro. Há os donos de restaurantes, que preferem pagar multas em vez de fechar durante 3 semanas dizendo que já fecharam demais.

Há a minoria árabe (20% da população), que não abre mão de realizar dezenas de casamentos com centenas de convidados por dia. Há pais de alunos que reclamam do ensino online, alegando que não é tão bom quanto o presencial. E há também os que simplesmente vão a cafés e à praia porque “estão com vontade”. 

Quando indagados, todos dizem que “a culpa é do governo”, que indenizou menos do que deveria e deu permissão para aglomerações por pressões políticas.

Sim, sim. Estão todos certos. Sim, sim, a situação é ruim e o governo não fez um bom trabalho. Agora, as pessoas não podem sair de casa (a não ser para as exceções previstas no lockdown). Profissionais estão com problemas graves em seus orçamentos. Religiosos não podem cumprir com todos os seus hábitos. Noivos não podem realizar grandes casamentos. Artistas não podem subir no palco ou realizar shows. Crianças precisam estudar por Zoom. Pessoas não podem tomar café com amigos. Problemas financeiros e psicológicos. Tudo muito ruim. Todos frustrados e com razão.

Mas a todos a pergunta: estar magoado com o governo é motivo para arriscar a eficiência desse lockdown de três semanas e colocar em perigo toda a sociedade no auge da segunda onda de um vírus mortal? 

Quando há guerras, por aqui, diz-se que é preciso se unir e só depois criar a CPI sobre os erros do governo e do exército (que sempre leva ao afastamento de alguma autoridade). Então, como uma população acostumada a conflitos em um país pequeno e relativamente rico não consegue se unir nesta hora? E se Israel tivesse em guerra com algum inimigo por três semanas? Não estariam todos em bunkers, sem ir a restaurantes e cafés, festejar casamentos, ir a protestos ou rezar em sinagogas? Ser atacado por bombas é motivo de união, mas ser atacado por um vírus, não?

Só um dado: o coronavírus já matou, em apenas cinco meses, mais do que todos os atentados terroristas da Segunda Intifada em cinco anos (2000 a 2005) somados. A Covid-19 já fez mais 1.300 vítimas fatais. A Segunda Intifada fez pouco mais de mil.

Junto com um punhado de jornalistas estrangeiros, conversei com o professor Masad Barhoum, diretor-geral do Western Galilee Medical Center, o maior hospital governamental da região da Galileia. O que aconteceu entre o enfrentamento da primeira onda – do qual Israel se orgulha – e da segunda onda – que é um vexame? Barhoum dá como exemplo o que está acontecendo com a minoria árabe do país, da qual ele faz parte.

“Os árabes-israelenses estão violando as regras que os salvaram na primeira onda”, disse Barhoum. “Depois que o primeiro lockdown, eles ficaram com menos medo do vírus porque não viram as cenas do que aconteceu na Itália, na Espanha e em outros países. Então, quando começou a época dos casamentos, ninguém respeitou as restrições de aglomerações. O resultado é que hoje vemos muito mais pacientes em nosso hospital que são árabes. Se, na primeira onda, só 5% eram árabes, hoje eles são quase 30%”.

No Western Galilee Medical Center, que trata da população da Galileia, onde 50% são moradores são árabes, o percentual de pacientes árabes por coronavírus está entre 60% e 70%.

O comportamento da minoria árabe não é diferente do de outros grupos: haredim que teimam rezar em grandes grupos em sinagogas fechadas e manter escolas abertas mesmo no lockdown, jovens moderninhos de Tel Aviv que vão à praia e a cafés sem máscara apesar do pedido expresso para que fiquem em casa, manifestantes contra ou a favor de Netanyahu que se aglomeram para gritar palavras de ordem e têm a ilusão de que não contribuem para a pandemia.

Tudo isso é exemplo de que o enfrentamento da primeira onda foi tão bom, em Israel, que as pessoas passaram a ignorar as medidas que levaram a esse sucesso, como se elas não tivessem sido justamente responsáveis por ele. Nesse jogo, Israel pode ter vencido o primeiro campeonato, mas está levando goleada, agora.

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