A outra epidemia em Israel: a de violência na comunidade árabe

Vítimas de violência em comunidades árabes (Foto: Haaretz)

TEL AVIV – Em uma excelente reportagem publicada pelo jornal Haaretz no dia 1° de outubro, as jornalistas Allison Kaplan Sommer e Deiaa Haj Yahia contam a histórias pessoais de alguns dos cidadãos árabes-israelenses que foram assassinados nos primeiros nove meses de 2021, vítimas de criminosos de suas próprias cidades ou arredores. No momento em que escrevo estas linhas, a lista conta com 96 homicídios desde o começo do ano. Homens, mulheres, adolescentes que perderam as vidas no que muitos acreditam ser uma epidemia de violência mais grave do que a pandemia de Covid-19.

Não passa uma semana sem que mais um assassinato seja noticiado em cidades e vilarejos onde grande parte dos quase 2 milhões árabe-israelenses de Israel, 21% dos cidadãos do país, vive. Quase sempre, a violência é fruto de brigas entre famílias árabes-israelenses rivais. As vítimas são, às vezes, criminosos conhecidos ou membros das famílias. Às vezes, apenas pessoas que estavam no lugar errado, na hora errada.

Também há casos de violência doméstica: mulheres que são mortas pelos maridos ou por parentes por ferir “a honra da família” – um fenômeno conhecido no mundo árabe-muçulmano. Qualquer que seja o motivo, uma coisa é certa: o número de mortos é grande por causa da enorme quantidade de armas ilegais que circula entre criminosos da minoria árabe-israelenses.

Muita gente acha que Israel é um país “armado até os dentes”, isto é: que os israelenses andam armados pelas ruas por causa do serviço militar obrigatório e dos conflitos com povos vizinhos. Mas a verdade é que as armas dos soldados e de guardas de segurança – praticamente os dois únicos grupos que as carregam no dia a dia – são legais e contabilizadas. É muito raro que crimes comuns sejam cometidos com essas armas, como assaltos a mão armada ou algo assim.

O problema é quando essas armas são roubadas ou traficadas e caem nas mãos de criminosos. No caso da comunidade árabe de Israel, de indivíduos, gangues ou clãs que as usam para se estabelecer como autoridades ou “donos do pedaço”. Isso fica mais fácil em lugares onde o Estado está menos presente. Onde o vácuo deixado pela falta de autoridades governamentais dá espaço para um poder paralelo.

E, certamente, o Estado está menos presente nas cidades árabes, por motivos sociais, econômicos e políticos. Por preconceito, discriminação e por medo e, talvez (digo isso com cuidado), por um pouco menos de interesse no bem-estar desses cidadãos do país. Os motivos são muitos e complexos e eu precisaria escrever um livro ou uma tese de mestrado para tentar explicar.

Mas a base deles é uma certa visão – não de todos, claro – de que os árabes de Israel são quase como inimigos internos, uma “quinta coluna”. O resultado é que a maioria dos árabes-israelenses vive na periferia, em lugares com menos infraestrutura e menos investimento. Nesses locais, há menos presença de policiais e mais desconfiança da polícia. Há mais desemprego, mais famílias desfavorecidas, menos educação e uma forte cultura de competição entre clãs.

Há pelo menos dois anos, a violência na comunidade árabe de Israel leva a protestos nas ruas por uma maior presença de policiais em áreas dominadas pelo crime. Os protestos contam com apoio e participação também de judeus preocupados com a situação – até porque temem que ela desague em cidades mistas (com judeus e árabes) ou de maioria judaica.

O país inteiro fala do assunto. A imprensa nacional cobre cada assassinato, as famílias são entrevistadas, os jornalistas, âncoras e analistas se dizem chocados e pesarosos, exigindo uma solução. A polícia sempre promete fazer algo e há alguns progressos. Mas os números de vítimas continuam a subir.

A maioria dos crimes fica sem solução. Só 23% dos que ocorreram em 2021 foram resolvidos. Os moradores das cidades árabes, principalmente na Galileia, Norte de Israel, vivem como se estivessem no “Velho Oeste” – ou em alguns lugares de cidades brasileiras como Rio e São Paulo, onde a presença do Estado também é menor.

Eles adotam comportamentos que muitos brasileiros já se acostumaram a adotar: não sair de casa de noite, não passar por algumas ruas ou bairros, sair acompanhado e etc. O clima é muito diferente do das cidades de maioria judaica da Galileia ou do resto do país, onde os níveis de violência armada são baixos.

Ninguém nega que o problema seja enorme. As autoridades de segurança de Israel admitem que o tratamento policial nas cidades árabes-israelenses sempre deixou a desejar. Os investimentos em infraestrutura, em educação e criação de emprego também. 

Mas o problema é mais profundo. A sensação dos árabes-israelenses é que suas vidas valem menos do que as dos judeus, que a polícia atua com mais rapidez quando há casos de violência entre a maioria judaica. E, paralelamente a assegurar a vida de todos os cidadãos do país, é contra esse sentimento que as autoridades de Israel precisam lutar.

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