A Guerra do Iom Kipur e o fim do mito da invencibilidade

Daniela Kresch
Especial para o IBI
 
TEL AVIV – A Guerra do Iom Kipur, que eclodiu há 45 anos, foi mais do que uma surpresa para os israelenses. Foi um trauma. Ao amanhecer de 6 de outubro de 1973, no dia mais solene do calendário judaico, o Iom Kipur (Dia do Perdão, quando os judeus costumam jejuar para expiar pecados), os exércitos da Síria e do Egito atacaram Israel pelo Sul e pelo Norte, ao mesmo tempo. Além do feriado, também era um sábado (o Shabat judaico). Poucos soldados guardavam as fronteiras. O país estava parado para o feriado religioso duplo.
 
A falta de informações em tempo real e as dúvidas sobre o que estava acontecendo embrulharam os israelenses em uma bruma de pânico. Ninguém esperava o ataque. Afinal, Israel parecia ter superado, pelo menos no inconsciente coletivo, a ameaça de extinção que acompanhou o país em suas duas primeiras décadas, repletas de conflitos com o mundo árabe-muçulmano. A mitológica vitória israelense seis anos antes, na Guerra dos Seis Dias (1967), tinha lançado o país em um clima de euforia.


 Civis em israel buscam notícias sobre a Guerra do Iom Kipur nos jornais (Crédito: Herman Chanania – GPO)

Ninguém imaginava que depois da humilhação de 1967, exércitos árabes tentariam de novo. Mas no dia 6 de outubro de 1973, esse ataque aconteceu. E pegou de surpresa não só o povo, mas também a cúpula política e a militar. A ideia de um Israel invencível virou pó. Foi sem dúvida a guerra mais dolorida, para os israelenses. Por vários motivos. Primeiro, em quantidade de mortos (2.673), feridos (7.251) e reféns (294). Segundo, em surpresa. E terceiro, em moral.
 
O que se seguiu foi uma espécie de caos de liderança, pânico e desorganização. Se no Norte, após a surpresa, Israel conseguiu uma vitória clara, no Sul a situação ficou mais complicada. Israel cruzou o Canal de Suez e ficou a 100 km do Cairo, mas em termos estratégicos, os egípcios conseguiram mudar o balanço de força regional, o que levou, no final das contas, à devolução do Sinai a eles através dos Acordos de Camp David, alguns anos depois.
 
A geração dos nascidos em 1973 – à qual os generais e os políticos prometeram “shalom” (paz) – ainda lida com falta de consenso político interno, conflitos armados, a hostilidade dos vizinhos e as ameaças de líderes regionais.
 
Para muitos, a guerra abriu as portas para a mudança política israelense de 1977, quando o Likud pela primeira vez venceu o Partido Trabalhista. A surpresa da Guerra do Iom Kipur ajudou a levar os israelenses para a direita.
 
Até hoje, os israelenses tentam superar o trauma daqueles dias. Anualmente, reportagens de TV, de jornal e de rádio contam o que aconteceu, revelam novos detalhes, fotos inéditas e protocolos de reuniões secretas da cúpula militar e política.
 
Documentos secretos liberados de tempos em tempos mostram como os líderes israelenses estavam confusos às vésperas da guerra. Ao contrário da acachapante vitória de 1967, a Guerra do Iom Kipur revelou um exército despreparado e ineficiente.


Médicos evacuam soldados feridos no Sinai (Crédito: Ron Illan – GPO)
 
Este ano, documentos desvelados no 45º aniversário da guerra revelaram que a fonte egípcia do Mossad sugeriu, no dia anterior, que Israel deveria divulgar os planos dos países árabes para detê-los. Os arquivos estatais de Israel também publicaram um comunicado de inteligência que advertiu o país em 5 de outubro de 1973 sobre um ataque surpresa iminente do Egito e da Síria planejado para o dia seguinte – o feriado judaico do Iom Kipur. 

”O exército egípcio e o exército sírio estão prontos para lançar um ataque a Israel no sábado, 6 de outubro de 1973, ao anoitecer”, diz a primeira linha do documento, enviada pelo então chefe do Mossad, Zvi Zamir, ao secretário militar da primeira-ministra Golda Meir.
 
“A fonte avalia que há uma chance de 99% de que o ataque seja lançado em 6 de outubro. O 1% restante é porque o presidente [egípcio] ainda pode mudar de ideia, mesmo que seu dedo ‘já esteja no botão’”, escreveu Zamir.


O chefe do Mossad também indicou que a guerra poderia ser evitada se Israel tornasse público o plano de ataque. No entanto, o chefe da Inteligência Militar na época, Eli Zeíra, insistiu que as chances de o Egito e a Síria lançarem um ataque coordenado seriam “menores do que baixas”, de acordo com as transcrições. Zeíra depois foi culpado pelos militares pelo erro.
 
Também, ao contrário da Guerra dos Seis Dias, a premiê Golda Meir não ordenou um ataque preventivo contra os exércitos adversários, mesmo sabendo que a batalha começaria em horas. Ela achou que isso seria visto como uma “agressão de Israel” pela comunidade internacional.


A primeira-ministra Golda Meir visita soldados feridos no Hospital Tel Hashomer (Crédito: Herman Chanania)
 
Na verdade, na manhã de 6 de outubro de 1973, os líderes do país estavam tão desesperados com o que acreditavam ser o fim do Estado Judeu que o então ministro da Defesa, o mitológico Moshe Dayan, disse, em reunião de emergência do governo, que os feridos teriam que ser deixados para traz, no campo de batalha.
 
“Onde pudermos evacuar, vamos evacuar. Nos lugares onde não pudermos, deixaremos os feridos. Os que sobreviverem, sobreviveram. Se decidirem se entregar, que se entreguem”, disse Dayan, de acordo com os recém-revelados protocolos da reunião de emergência.
 
A guerra não levou, como se sabe, ao fim de Israel, que se declarou vitorioso (algo que até hoje o mundo árabe não aceita. O Egito alega ter vencido a guerra, por exemplo). Mas a batalha levou a uma enxurrada de críticas contra a cúpula militar e política – o que levou a uma chuva de demissões. Uma CPI formada logo depois acabou com muitas carreiras em ascensão. As acusações levaram a então primeira-ministra Golda Meir a renunciar.
 
Para muitos, a principal lição da Guerra do Iom Kippur é nunca ser arrogante e crer numa utópica invencibilidade. Mas cada um interpreta essa lição de seu modo. O atual premiê Benjamin Netanyahu acredita que, ao contrário de 1973, Israel deve hoje se prevenir contra o Irã – o “arquirrival” alardeado por ele como uma ameaça real e imediata. Mas, para outros, a Guerra do Iom Kipur mostra que é preciso buscar uma solução diplomática o mais rápido possível com o mundo árabe-muçulmano, incluindo os palestinos.

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